São Lourenço do Sul é especial na minha vida há muito tempo. Quando cursei o IFSul Rio Grandense de Pelotas na década passada (ou retrasada, a qual década pertence 2010?) tive pelo menos dois ótimos colegas que vinham diariamente da cidade. E não por acaso os dois sempre me são muito atenciosos quando por sorte nos reencontramos nas andanças da vida. Um gremista e um colorado, os dois com pelo menos algum sobrenome alemão. Assim na época de IF também notava as meninas que de lá vinham. E por que não ir?
Em um período muito difícil de conquistas e mais aproximação de conquistas do Internacional, lembro termos passeado em São Lourenço com a família. Almoçamos, aproveitamos a tranquilidade da praia que nos pareceu mais bela que o Laranjal pelotense, que chiem os chiadores, concordem os dotados de bom senso. Brincadeira, democraticamente discordem se quiserem. Tiramos algumas fotos. Eu tinha poucos registros de fotografia, porque na época ainda não portávamos celulares com boas câmeras. Com uma câmera-zinha Kodak registramos alguns interesses em paisagens e nossos sorrisos. Hoje em dia minha mãe faz belas fotos com o celular que comprou.
São Lourenço foi um belo passeio, um oásis em um ano em que muito me estressei em 2010, apanhando da física, convivendo com fracassos que eu ainda não havia experimentado e que os hormônios super dimensionavam em consequências. São Lourenço na verdade só voltou a ser pauta na segunda faculdade. Tentando alguma recordação da primeira, mas não houve.
Ah, teve uma menina em uma formatura. Amiga dos amigos das antigas. Na segunda faculdade surgiu a amiga Mariana, que de lá vinha. E da pandemia a amiga da amiga, que eu mal tive o privilégio de conhecer pessoalmente e que ainda me tremeria as bases com seu oblíquo olhar, nas palavras que Machado emprestou a Bento e que ele ora me empresta para descrevê-la. Cores tão distintas para dentro daqueles olhos que não me importaria passar horas analisando-os para tentar chegar a uma conclusão. E adiar para que a conclusão não se chegue. Apenas concluir que são belos. Ah, São Lourenço...
São Lourenço então voltei a conhecer melhor das praias do carnaval que fomos em 2024. Passada a pandemia, os hormônios jovens estavam novamente prontos para trocar suor em blocos e saliva em noites. Lembro que houve o convite para acampar em 2020, mas preferi ficar em casa ver o Grêmio perder uma final de turno de campeonato para a Sociedade Caxias do Sul. Ainda resgatou aquele estadual com título sobre os caxienses, mas nunca mais recuperei o tempo perdido. A pandemia foi avassaladora aos anos seguintes. Chegamos então ao carnaval de 2024. Eu ainda morava fixamente na minha Pelotas e poderia me deslocar rápido. Foram dias de descoberta no aluguel de uma casa com poucos amigos. Um casal e mais outro amigo, do qual tinha menos contato e o qual se ausentava maiores períodos. Não tínhamos o ingresso para acessar as festas e da rua bebíamos, eu sempre muito, num impulso dos proveitos da vida, de forma que ficava pilhado, conversava, investia piadas, tomamos chuva, procurei alguma briga e quase recebi. Mas nada comparado ao carnaval de 2025.
2025 foi de repetição da casa. A expectativa maior. O investimento maior, o ingresso para as festas noturnas, mas uma certa falta de companhia que perdurou. O casal de amigos de 2024 permanecia casal e restrito. Surgia mais um novo casal no grupo, com todas as contradições imagináveis e inimagináveis. Outro dos amigos estava interessado em alguma droga e nisso obteve êxito por mais de uma noite. Muito evoluído, maduro apesar de mais novo do que nós, ele já rejeitava o álcool e tentava apenas modificar o cérebro por outras vertentes. Foi exitoso, como comentei.
Por último, nos surgia o companheiro de Bagé. Mais um advogado e mais um dos nossos, poderíamos dizer. Permaneci sem as companhias de caça que desejaria. Pensarei sobre a confirmação da vinda para 2026, mediante que me apresentem caçadores para angariarmos juntos de nossa vila rumo às meninas do extremo sul. A maioria das pessoas com as quais falei são pelotenses. Há uma certa decepção quando isso acontece. De Pelotas já estou quase farto, apesar da crescente saudade que me entorpece. As canguçuenses foram as mais belas da vez, encontrei um amigo de Pedro Osório, mas que dessa vez o vi solo, sem os tantos amigos que pareciam fisicamente com ele ano passado, como um bloco de forma compacta e planejada ao padronismo da barba.
Vi colega de ex tapando a calvície com boné noturno. Vi amigo de ex perguntando por ela e eu que mais nada sei, tampouco quero saber, como parte da sequencialidade que nos implora a vida. Vi professor que havia prometido o envio de uma foto de minha formatura e foi obrigado pela acompanhante a me enviar de uma vez. Tirei foto com dinossauros de borracha e quase choro ao lembrar como é divertida a torcida do Liverpool quando a repórter brasileira Natalie Gedra perguntou o porquê deles carregarem um dinossauro de borracha. E de pronto respondeu: e por que não um dinossauro de borracha? E por que não é uma bela pergunta para nos fazermos em situações impactantes da vida. Qual o tanto que temos a perder em consequências?
Me impressionei a quantidade de advogados que conheço mesmo sem ter cursado direito. As pessoas hoje estão pelas imobiliárias, escritórios e salões de beleza. O dinheiro circula mais do que as pessoas. Por feriados ainda circulam as pessoas.
Posso me esquecer várias etapas da viagem mas não esquecer da circulação das baratas que me baixou o humor. Combateram com Jimo e resolveu, não sem antes roçarem os pelinhos de minhas pernas e me travarem o sono como se uma cancela de trem me impedisse novamente de dormir. Quando avançava bem uma conversa solitária com um grupo de intelectuais pelotenses, fui interrompido por meus amigos, que as deixaram ir. Até aí tudo bem, mas a acusação de que minha conversa não surtia efeito me revoltou a ponto de correr um pouco adiante. E circular a praia. E retirei a feia peça de roupa que servia de ingresso para festa. E me fingi de mais desconectado do evento, e encarei com um algum calafrio que havia gangues esperando algum deslize de turistas solitários. E caminhei em direção à volta, mas não queria voltar para dividir colchão. E esperei na rua. E enfrentei um pouco os mosquitos e o medo de quem poderia fazer-me mal, e o medo de quem poderia achar que eu faria mal. Passei por um grupo de duas bêbadas e um bêbado e fui recebido por um namastê, que retribuí em saudação. E se afastaram, e calculei que poderia ir atrás para atar alguma conversa. E cheguei até eles, mas não estavam indo à praia perto e sim para casa. Chegaram e ficou mais esquisito ainda. Agora eu sabia onde moravam. Relatei que estava na rua, etc, mas tudo bem, segui meu rumo. Estava maníaca demais a situação. Fiz a volta pela minha praia preferida. Irreconhecível ainda de escuridão da madrugada.
Tive que voltar ao meu posto de segurança e aguardar mais horas ao amanhecer. Um chegou de festa deixado de carona e, sem o responderem, teve que saltar o portão da casa. Era um muro baixo, mas exigiu minutos de cálculos e precisão. Caiu para o lado de dentro da propriedade, mas não sem fazer um barulhão. Foi cômico. Quase me ofereci para ajudá-lo como solidariedade e forma de passar o tempo. Não precisou, eu acho. Foi cômico que antes tentava se comunicar com os internos por assobios e o motorista, de dentro do carro, debochou que com aquele assobio chiado e chocho, passaria o resto da noite do lado de fora. O motorista cansou de esperar e se arrancou pela rua de terra. O cara completou a manobra do salto sobre o muro e perdi aquela ilha de diversão na longa e infrutífera madrugada. Ouvi ao longe, pela avenida principal de ligação, demais pequenos grupos voltando para casa. Mulheres entre o alcoolismo e o medo noturno da volta para casa. Homens primatas e suas macaquices. Enfim chegava pelas 5 e tanto da manhã a promessa do nascer do sol.
Voltei para casa, achei que Julia não acordava da rede, e busquei minha camisa do Botafogo para as fotos com a linha do horizonte em troca de cores. Julia depois relatou que acordou, que não era sonho que eu voltasse, forçasse a caixa de correio em busca de nossa chave e abrisse em relutância ao cadeado da frente. Dividimos a precária casa com um entregador de moto que alugava ao fundo da casa um quarto que Douglas usara no carnaval passado. Um quarto meio sinistro pelo acúmulo de sacos de coleta ao lado das janelas, janelas essas que não fechavam bem totalmente, entre a ferrugem e o endurecimento das válvulas. Um espaço meio sinistro mas que por ora nos fazia falta no aluguel da casa em 2025, que saltava de nossa parte de quatro inquilinos para seis - e nas últimas noites, com a chegada do bajeense, sete.
Busquei a camisa do Botafogo e rumei para praia. Não pensei em levar uma cadeira móvel e assim tive que aguentar a manhã e a escalada do sol escorado em uma árvore. Esta recebia ao lado as sobras, os lixos, e o cheiro próximo indicava alguma utilização sanitária, de humana ou dos cachorros. Com muito cansaço nas pernas eu aguentava a jornada. O celular baixava a bateria e não tinha fones de ouvido para me divertir. Esperei depois pelo bairro em frente a uma parrilla. Achava que era uma padaria. Procurei depois por uma padaria, vestindo a camisa do Botafogo e questionado por um maloqueiro de carro se eu tinha o telefone do milionário John Textor.
Nas outras esperas pela chegada da manhã, levei cadeira de praia e fones de ouvido. Procurava de música em música pela mesma menina de Canguçu que eu havia conhecido, inconsequente de minhas fábulas de que eu estaria apaixonado por aquele perfil intelectual, que lia na beira da praia, me fora humilde, conversava com idosos, tinha belezas específicas que me cativaram, se não de pronto, ao recordar o rosto dela, cabelos compridos, olhos pequenos, sorriso jovem, pernas digníssimas dos mais estonteantes elogios. Mas não a vi nos nasceres do sol. As canguçuenses, contrariando as estatísticas de presença em outra cidade comparável ao tamanho de Canguçu, continuaram brilhando, mas a saudade de uma específica é, o que se pode dizer?, a saudade de uma específica e isso dificilmente é acobertada, atapetada, suavizada, sanada em demais - isto quando bate forte, evidentemente, porque outras substituições são mais ligeiras e até precisas.
Poderia me alargar mais em falar de nossas diversões com o Louro José que encontramos na casa alugada. Em dívida por termos superado as baratas, coube levarmos adiante esse boneco para que conheça Pelotas e, daqui a dias, Santa Catarina. Louro José fez sucesso em posts, com as senhoras, com as mulheres e até o riso dos homens mais velhos. O pirata do tapa-olho buscava seu papagaio sumido. Os mais jovens, na arrogância constante da idade, fechavam semblante, me tiravam para o louco que não deixo de ser, embora quase inofensivo. Me espantou ver crianças, pré-adolescentes na saideira das festas. Falei com um grupo que não devia passar dos 14 ou 15. Mentiram que tinham 17 ou 18. Eu que não os denunciaria. Pareciam inofensivos. Mas o quê, na minha visão adulta, preocupava era se pessoas mais velhas se aproveitassem deles. Poderiam ser abusados, no sentido de abusar de álcool, psicológico ou coisas piores, ou também serem vítimas em alguma briga que estourasse. Por sorte ou ignorância vi estourar poucas brigas e os maiores relatos policiais dos feriados ficaram para outras localidades gaúchas. Assim espero, embora lamente pelos outros.
Houve muito lixo espalhado pela praia. Parece que custa investirem em grandes containers. Os banheiros me foram pouco inspecionados porque passados os primeiros dias e de festas mais cheias, eu tinha que recorrer à beira da lagoa e ao mato em forma dela, não de forma orgulhosa por conseguir tal feito, mas justamente em regime de urgência.
Também vale relatar o cachorro que os amigos viram com os intestinos pra fora. Chamaram ongs e possíveis resgates, mas apenas uma futura ação particular daria conta. A informação que se tem é que o cachorro sobreviveu, para honroso desfecho aos preocupados amigos da casa.
Na casa, não teve a mesma sorte do cãozinho a caixa do poste em frente a nós. Dentre milhares de turistas, coube a nós torcer pela CEEE pela volta da luz em uma das madrugadas, pois, além de carregar celulares, banhos frios, etc, precisávamos contar com ventilador para dormir. Inventei músicas de torcida de futebol para saudar aos trabalhadores da madrugada. Além da caixa do poste ter morrido, também foi-se de nossa parte uma cadeira de praia que cedeu à massa de um dos amigos e a rede, que fez outro cair quando me pousei com as mãos próximas ao nó que sustentava o tecido. Rompeu-se a rede, no que interpretamos como minha culpa ao escorar-me próximo ao nó de origem. A rede era amarrada na parte superior da varandinha da casa e só nos faltava a casa toda ceder em um terrível efeito cascata ou dominó.
Entre tantas tensões e (des)embaraços, foi um belo carnaval em que espero novamente sustentar e fortalecer amizades, ter visto sorrisos e conhecido novas pessoas. Saber que há de nos prepararmos ainda mais às próximas jornadas. Me considerar apaixonado acima de tudo pela praia da Barrinha. E encerrar esse texto todo com uma sequência de fotos desses dias maravilhosos para as eternas lembranças que me couberem.