30/05/2025

O avô de seu bisavô

O avô de seu bisavô era escravo.

Ou era senhor proprietário de escravos. Um escravocrata.

Ou era agressor. Bêbado.

Marinheiro ou portuário. Ou estava aprendendo as novas ferramentas. Sonhando com um novo mundo. Morrendo em um velho mundo.

O avô de seu bisavô era um europeu antissemita.

Era um racista ou talvez nunca tivesse visto um negro.

Ou veio ao Brasil de navio. Escravo. Ou era neto de quem veio ao Brasil. De navio. Escravo.

Ou se revoltou com as monarquias. Ou serviu as monarquias. Ou comprou escravos. Ou trabalhou com escravos. Ou teria direito a terras. Ou teria direito a nada.

O avô de seu bisavô talvez se achasse mais importante do que outros. Que teria mais direitos. Sobre as propriedades de terra. Sobre pessoas. Sobre a esposa arranjada. Sobre a esposa comprada. Sobre a venda da alma da filha. Para outra família. Que ele escolhesse.

O bisavô de seu bisavô talvez fosse angolano. Mas nem existia o país. Talvez fosse moçambicano. Mas nem existia o país. Talvez fosse camaronês. Mas nem existia o país. Talvez fosse ganês. Mas nem existia o país. Era de alguma aldeia ou de alguma etnia. Era de guerrear na própria África. Ou era da paz. Não mais.

O bisavô de seu bisavô era indígena. Ou trabalhou escravo ao lado de indígenas. Ou caçou indígenas. Ou lavou as mãos nos afluentes brasileiros.

O avô de seu bisavô te daria orgulho e resistência. Ou vergonha. Ou ele não te entenderia. Nem mais entenderia o mundo tão mais profundo. Será? Mas a maioria nem pensa nisso. Segue o fluxo e as leis vigentes. Mais uma geração de gente. Quantas mais? Quem será o último neto?

27/05/2025

Em uma rede social a sua foto de perfil estava tão bela que eu ampliei as partes do seu rosto até não haver distinção e contornos. Eram somente pixels. Nenhuma definição. Talvez sejamos assim, né? Apanhado de células, bactérias, ou só átomos misturados.

Será que é assim que se perde a razão? Se amplia tanto a pessoa que nada mais se enxerga? Contigo senti assim.

22/05/2025

Grande Liberdade + Noite de Sexta, Manhã de Sábado

Costumo considerar que sou agraciado ou desgraçado por mais coincidências do que a maioria das pessoas. Mas também sou mais observador, é bem verdade. Ao assistir filmes em sequência, coincidentemente estabeleço conexões entre eles.

Em Grande Liberdade, filme austríaco/alemão logo após o fim da Segunda Guerra Mundial, o cidadão Hans Hoffmann seguidamente é prisioneiro pelo crime do parágrafo 175: atos homossexuais. O filme traz uma perspectiva nova em relação ao que observo das histórias prisionais: a perspectiva do homossexual. Negligenciado e até temido por outros carcerários. Esculachado, corajoso. Há quem negue dividir celas como se ali se tratasse de um cometedor hediondo. Há quem se aproxime por experimentação ou jogos de sedução. Como funciona a mente do sujeito enquanto está de cárcere?

As costumeiras manobras para escapar da prisão em muitas películas, em Grande Liberdade tornam-se maneiras de driblar a fiscalização para namorar um pouco. Curtir uma noite. Dividir uma cela, enviar presentes. Seria o amor um crime? Hans Hoffmann desafia corações, tempo de cárcere, novos crimes dentro de um espaço já reservado aos criminosos. Encontrará ele o amor ou apenas aventuras obsessivas? E o quanto isso muda para nós prisioneiros do lado de fora? Homo ou heterossexuais?

O virtuoso Hans chega a preferir a prisão a estar preso fora das grades sem um grande amor. Dramático. Em Noite de Sexta, Manhã de Sábado, o diretor recifense Kleber Mendonça Filho, aclamado por Bacurau, Aquarius, Retratos Fantasmas e outros filmes voltados aos espaços e temas de suas origens, traz essa trama do curta centrada no casal Pedro e Dasha. Pedro está nas ruas do Recife em uma noite de sexta-feira, como condiz o nome. Dasha, no exterior, acorda pela madrugada, amanhecer de sábado. Pedro lamenta poder tê-la acordado com a ligação telefônica, após ser consumido pela solidão de uma festa. 

Pedro circula a noite recifense, encontra um posto 24 horas para nova ligação. Os telefones celulares dos atores são arcaicos para pensar na nova era dos smartphones. Ligações de voz eram a tônica. Eles se encontram mesmo a milhares de quilômetros. Ouvir a voz um do outro, mergulhar pés nas areias de mar ou de rio, onde amanhece Pedro podendo ser assaltado no lusco-fusco do Recife, uma das capitais mais violentas do Brasil. Onde Dasha tenta relembrar com ele as ruas da capital cosmopolita onde está, e onde passaram algum tempo juntos, ao que tudo indica o labirinto de lembranças: as saudades.

Os atores apresentam sintonia. Sintonia que uma simples ligação de voz pode ou não oferecer. No inglês enferrujado e tímido de Pedro com a acostumada estrangeira Dasha, seja de onde Dasha for, com esse nome meio russo, com os 20 graus que ela afirma serem o verão de onde está. E o que importa realmente onde esteja? Importa a Pedro saber o telefone dela, com ela conversar. Os atrativos da era pré-smartphoneana. O prazer de encontrar uma sonhada mesma água, mesma areia, mesma vibe. Uma verdadeira mesma lua, mesmo sol, mesmas estrelas. Quantas vezes pensamos ver o mesmo que as pessoas que estão distantes? em outros fusos, inclusos.

Em Grande Liberdade, reunem os presos numa única cena mais para final, em que assistem ao televisor que exibe os primeiros passos do homem à lua. Cena que Hans esperava mais marcante, mais poética. Seu companheiro de cela queria alienígenas e tudo o mais. Quem saberia como era o universo naquela época das primeiras imagens transmitidas via satélite? Até hoje há quem duvide da Terra redonda e azul predominante dos mares.

Para Hans Hoffmann não interessava a distância para fora das grades ou até a Lua, se o amor se apresentava para ele em meio às ferrugens, nos pequenos intervalos para banho de sol pela vitamina D, em noites improvisadas após provocar os guardas com erros de contagem. Amor que custava o enfrentamento da cela solitária em represália de seu crime favorito. Ao Pedro, na liberdade da noite de Recife, mais valia pagar o alto preço da ligação internacional para Dasha do outro lado do mundo. E quem de nós solitários do mundo tem coragem e certeza e audácia para condenar? Condenar o amor entre as grades ou do outro lado do planeta azul. Ou onde for.

18/05/2025

Buena Vista Social Club

Pelas ruas de Havana

Eu me vou desde pequeno

Ou me disse uma cigana

Ou foi um outro moreno 

Se não fosse Havana

Preferia fosse a morte

A Santiago de Cuba 

O meu abraço mais forte


A Santiago de Cuba

Santiago de Rio Grande

A Santiago de Chile 

Ou por onde mais deixei amante 


Jamais deixei de amar-te 

A arte dessa salsa

Jamais em alguma balsa

Jamais deixei de amar-te

Tú eres mi à la carte 


Ao controle dos cartéis 

E dos papéis das autoridades

Quero nos meus registros

O meu crime de amar-te

Quero anunciado em alto-falantes 

Quero que conste nos autos 

Os meus prantos de saudade 

O meu crime de amar-te


Jamais deixei de amar-te 

Pela arte dessa salsa

Jamais em alguma balsa

Jamais deixei de amar-te

Tú siempre mi à la carte 


Te dedico o sol que me nasce

Te dedico as minhas preces

Mesmo que nada aconteça

Te dedico más de mil veces 

Tus besos son lo que me vale 

Por lo vale de la utopía 


Te dedico o dia que me nasce 

O amanhã e o mesmo de julho 

Te dedico calendários 

Aqueles que ainda nem penduro 


A Santiago de Cuba 

E toda sua luta

Buena Vista Social Club 

Som que me faz permuta

15/05/2025

Há algumas espécies de filmes ou documentários baseados em homenagens preocupadas em serem feitas em vida, como se diz. E conforme se tornam filmes ou documentários mais antigos, assiste-se sabendo que os então homenageados em vida já morreram. E isto é bastante triste.

Nessa passagem chamada vida, encontrei em algumas pessoas negras a bondade e a humildade que não consegui discernir nos melhores brancos.

Visto o Buena Vista Social Club, sobre a música cubana, documentário do imprescindível Wim Wenders.

Tenho

Tenho

Problemas médicos de todas as ordens

E até os médicos desistiriam 

Como uma criança além dos trilhos 

Abandonada à própria sorte


Tenho

A companhia como uma úlcera 

Algo que pulsa como um ser vivo

Tão nocivo 


Tenho 

A madrugada como o meu tempo

Um alento 

Como se os outros tempos não existissem 

Partissem 


Tenho 

A saúde perdida como um escambo 

Time acoado jogando na Argentina 

Sem mando

Sem brilhantina 

Caminha 


Tenho 

Os capítulos enlatados de final 

Tão fácil 

Prever o mal que já não tem raiz 

Tem galhos folhados 

Me diz o que eu fiz 

Se há outro lado

Que eu nado 

Um refugiado do próprio corpo 

Alado 

Desabado 

Fado


Tenho 

E às vezes nem me lembro 

O que mereço 

O que agradeço

Gessos 


Tenho

Metamorfose em último brilho 

Martírio 

Cílios sublinhados de lágrimas 

Feitas em fábrica 

Aguardando a última cartada

De nada 

06/05/2025

Samba bossa qualquer fossa

Vão seus olhos

Vão-se as vozes

Doses

Alucinógenos

Me dá mais desse negócio

Há nada melhor

Ao redor

Do mundo

Profundos

Escudos de realidade

Nada desde la navidad

Nenhuma novidade

Nada

Tudo adia 

Tudo ardia 

Nada, minha poesia

Brasas

Tudo tudo engasga 

Nem Lady Gaga no Rio 

Nenhum outro arrepio 

Nem um outro arrependimento

Nada mais se concretiza

No cimento dessa brisa

Nenhum outro tormento

Nenhuma outra coriza 

Nada más pide prisa 

Nenhum outro Uruguai 


Paranoico vivo eu

Nem mais estoico 

Nem mais heroico 

Do que posso ser

O que posso querer?

Se não você 

Se não você

Então você

Está...

Em qualquer outro lugar 

Deixa pra lá 

Deixa pra lá 

Deixa aqui

A saudade vai continuar


Samba - bossa - qualquer fossa

Trincheira dessa guerra cheia 

Chega fácil, chega míssil 

Sem avisar

Explode, ninguém acode

Morde no ponto fraco 

Morde forte sem suporte

Vou continuar 


Samba - bossa - qualquer fossa

Qualquer banco de praça

No Uruguai cesta chamam canastra

Nenhuma carta vai me fechar

Ferida erguida de solidão 

Dai-me os pontos 

Dai-me tua mão 

Vamos continuar



"Eu saúdo o milagre econômico, mas o que quero mostrar são as festas do bairro"

Em Chris Marker 🇨🇵 Sem Sol (1983), documentário a partir de anúncios que estavam em cartas escritas ao redor do mundo.

Um causo chamativo é de um casal de japoneses que foi até um ritual, um templo de adoração aos gatos. Nesse espaço, como se fosse um mural ou muro de homenagens aos bichanos, há esculturas de gatos brancos em algum material entre a cerâmica e a porcelana. São depositadas velas e orações. Após a curiosa manifestação, a explicação da ida do casal de idade avançada é emocionante. Sua gata não havia morrido, mas fugido de casa, sem paradeiro definido. Foram pedir benção e que ela seja protegida, para esta vida ou depois. Não sabem se está viva, mas quando morrer não saberão e não haverá quem ore por ela. É uma das súplicas mais pura possível em todo planeta. Chris Marker sempre sensível ao extremo, seja a cada animal selvagem que morra na seca da África, transformando savanas em desertos, ou para mostrar sorrisos islandeses naquela ilha tão distante, na cena de abertura do documentário.

05/05/2025

Frases do Dia

A memória não deve ser obrigação moral. Deixe que venha naturalmente. 


Os feitos revolucionários são suprimidos para esconder a real força de um povo.


Após leitura de Espelho das Cidades, de Henri Pierre Jeudy e assistir a Pesadelo Perfumado, filme sobre as Filipinas, respectivamente.

02/05/2025

De Jueves a Domingo (2012)

Primeiro filme da chilena 🇨🇱 Dominga Sotomayor, uma diretora já conhecida por sua alta sensibilidade em dramas lentos. São mais lentos do que a maioria das pessoas tolera, o que confere status Cult. A pré-adolescente Lucía viaja com seus pais para um fim de semana estendido, perfeitamente como se fosse este em que escrevo, entre o 1⁰ de maio dos trabalhadores e o fim de semana.

Ela tem um irmão mais novo e consideravelmente pentelho, Manuel. Seus pais iniciam a viagem no que parece mais um fim de semana familiar qualquer. O filme mescla tons de comédia com o drama infantil, mas sobretudo perpassa uma nostalgia de nossas infâncias. A identificação criada com a película é muito por conta das viagens de carro que eu mesmo presenciei ao longo da vida. Meu pai mais descontraído ao volante, minha mãe mais preocupada ao lado dele, como Ana se preocupava superprotetora ao filho Manuel. Minha irmã sendo mais velha, eu o mais novo. Dominga prepara uma direção sensível no filme, onde as respostas sempre se apresentam nos detalhes e sutilezas para o atento espectador. Ou para própria Lucía, observadora das conversas adultas.

Lucía desvenda os mistérios daquela viagem. Percebe o clima de apreensão entre o casal. Uma carona às jovens de recém completados 18 anos, causando incômodo na imagem da mãe, que logo reforça seus cremes faciais. Uma acusação sobre a empregada roubar joias, uma conversa sobre alugar um apartamento. Uma lembrança de infância do pai sobre aquela região do Chile quando tinha 7 anos, mesma idade do pequeno Manuel.

Brincadeiras de um amadurecimento, de Lucía herdar um terreno há muito não visto, sobre sua curiosidade para aprender a dirigir. Uma menina curiosa que nota as mudanças de comportamento de seus pais. O pai que atola o carro num trecho de riacho. Recebe ajuda de outrem. A mãe que conversa ao pé de ouvido com um amigo com o qual se encontra na estrada. As crianças, Manuel e o filho do amigo, brincam à parte desses acontecimentos mais sérios. Mais velha, Lucía não passa despercebida pela guinada na história.

A tensão final em uma conversa que dá a entender que o amigo apenas consolaria a mãe chamada Ana. O findar do casal então não parecia assim definitivo. Ela se desespera ao saber que o marido já havia alugado um apartamento (com a intenção deixa-los? Ao menos assim interpretei). Desesperada pela informação bombástica, Ana começa a caminhar sem rumo, fugidia no deserto chileno. Para quem o drama considerar muita água e demasiado açúcar, lágrimas de nostalgia, se não brotadas, ao menos informadas pela fábrica de que poderiam, na meteorologia dos olhos, cair. Para quem achar muita água com açúcar, a distração com as paisagens chilenas de retirar o fôlego são uma pedida. Manuel insistia, inconsolado, pela praia, mas as montanhas, a estrada, o mato e o deserto estão de bom tamanho. Um drama de amadurecimento infantil em que nos vemos em Lucía, seja por lembrança de idade, perspicácia, aventura, reflexões. Uma afeição construída pela centrada diretora sensível, seja autobiográfico ou não, o que pouco nos interessa à essa altura, espelhada e espalhada a imagem com o toque da empatia. 

Nota final: 4,5 / 5

 
Atenta aos fatos, Lucía percebe a separação de seus pais, em imagem no deserto em que a sensibilidade do jogo de câmera constrói a semi-ótica da cena: um para cada lado (Reprodução / De Jueves a Domingo, 2012)




01/05/2025

A Pista + A Erva do Rato

"Ele não sabia se inventava ou se sonhava"

Em "A Pista" - curta-metragem de Chris Marker (1962)

E não é a mesma coisa?

A obsessão aproxima tanto a singularidade que a suprime, a esfacela, objetifica a pessoa amada.

Passa a se conhecer mais a obsessão do eu-lírico/ narrador do que as reais condições, pensamentos e opiniões do ser idealizado. Quem está do outro lado? Como reage e se manifesta a tudo isso?

"A memória de um tempo duas vezes vivido"

Em A Pista, um homem é submetido a experiências de laboratório após a deflagração da terceira guerra mundial. A expectativa em polvorosa na Europa deveria ser grande para projetar essa realidade ficcional em pleno 1962, alguns 17 anos após o término da chamada segunda. O homem viajou no tempo nas experiências dos cientistas. Voltou ao passado para uma forte imagem de mulher na infância, algo que lhe conferia paz em meio a tempos bélicos.

Também foi projetado ao futuro, quando uma nova espécie de civilização rejeitava o que hoje consideraríamos civilizados, pois eles enxergaram esse tempo passado como sendo formado por bárbaros. Com somente um componente, uma caixinha de energia, o narrador confere que o viajante no tempo-espaço poderia alimentar toda a indústria humana daquele período do século XX.

A memória de um tempo vivido duas vezes surge como última lamentação daquele homem condenado a experiências, lembrança de Marker de um período recente em que os nazistas usavam seus prisioneiros como fontes de experimentos macabros. Apesar de ter a oportunidade de vivenciar acontecimentos como testemunha em dois tempos, o homem selecionado pelos cientistas, e portanto protagonista do curta, não passava de um mero instrumento para os experimentos de viagem no tempo.

E a nossa mente? O que nos assegura, sem podermos nos transportar em matéria a outros tempos, quem nos assegura que o passado assim foi como lembramos ou que o futuro assim será? Nos resta apenas a construção tijolo a tijolo do tempo presente, por mais cansativo, paliativo e mórbido que possa parecer, é o que nos existe. Será?

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Quanto à obsessão do homem em A Pista, me recorda ao filme que assisti recentemente  chamado "A Erva do Rato", um nacional com toques machadianos. A obsessão do personagem interpretado por Selton Mello pela mulher interpretada por Alessandra Negrini também anula as singularidades dela. As singularidades físicas dela são fotografadas dos mais variados e aproximados ângulos, mas me refiro às singularidades no sentido de como ela se sentiria, aprisionada e sem familiares, naquele ambiente estranho, usada para as concepções de fotografia que ele, antes e depois ainda solitário, projetava em laboratório de revelação de fotos.

Ela que no diálogo inicial, um dos poucos do filme, revelara ser professora. Mas quê tipo de professora? O que poderia ensinar e para quem? Anulada e escanteada, trancafiada em uma casa pelo obsessivo parceiro que lhe prometia os mais recatados cuidados até o fim de sua vida. Que assim se encaminharia em sequência do filme.

Em A Pista, posso pensar numa duplicidade de significado para esse nome entre a pista, como a de aterrissagem de um avião, que a banda uruguaia La Vela Puerca promete infinita, a pista entre o primeiro toque das rodas que já é passado, o caminho contínuo que é presente e o ponto de frenagem que nos é futuro. Ou podemos pensar no caminho do voo (aéreo) que aborda maior trajeto para essa metáfora. A Pista também que nos fica é sobre os segredos da mente humana, que apenas revela pistas, sem sua totalidade - inalcançável, impossível. São negativos de fotografias não revelados. A Pista também é deixar apenas pistas sobre quem era a mulher da obsessão do escolhido cobaia dos laboratórios subterrâneos de um mundo devastado pela radiação. E o risco da radiação desde 1962 que permanece como risco em 2025.

Sem ser o assunto principal em A Pista, minha interpretação baseada em vivências recentes confere as dúvidas do quanto uma situação é realidade e o quanto são projeções somente, projeções que anulam as manifestações legítimas de outrem; pessoas com direitos democráticos de pensar e des-oprimirem-se. Desopilarem. Fugirem das pilhérias aprisionantes que um pode formatar como armadilha.

Em A Pista, existe a mulher projetada nas visões, a quem quase nenhuma informação temos, mas também o homem aprisionado como cobaia pelos cientistas, do qual, embora rato de laboratório, sabemos o que ele pensa e projeta, afinal, é parte da transposição da experiência. Relatórios anotados.

28/04/2025

"Toda certeza é um mero fanatismo"

Os governos ou desgovernos que assumem e proferiam suas certezas enquanto oposição, não dão conta. Serão os hipócritas do amanhã. Não se sustentam. Não sustentam suas sistemáticas.

Os milagres econômicos logo se corroem. As produções em larga escala ainda dependem de muitas mãos que ganham pouco. Ou poucas mãos ocupadas enquanto outras tantas mãos queriam ocupação para depois se ocupar de comer.

26/04/2025

Pampa de teus olhos não me poupam

Queria interromper nunca o último café que tivemos. Sei que pra você nem foi o momento mais importante de atarefado dia, mas pra mim foi um momento que sinto dos mais importantes da minha vida. Às vezes me irrita e desencanta sua indiferença. Tenho que aquecer sempre água para dois e pelos dois.

Desculpe minha paixão assim tão repentina. Assisti a muitos filmes. Mas o que tem? Você também assistiu. Me desencanta que nossos filmes não coincidam o mesmo. Na vida tudo se resume e se dissolve a melhores momentos. Os meus não são os teus. Não são os nossos.

Iria ao mesmo café e pediria o mesmo que o teu infinitas vezes para reviver ou ao menos relembrar. Manter a boca do fogo acesa. Mas se  não queimei a boca em café, queimei meu nome no estabelecimento. Sou tão idiota que você nem imagina. Ou imagina e por isso se distancia. Mas nos entendíamos tão bem. Será que busco uma palavra sua para confirmar o porquê é não? E nenhum buquê e nenhum sermão resolvem. Será que eu quero ouvir suas palavras definitivas para poder mexer meus lábios de forma estranha, suspendê-los em meio a gesto incompleto? Inaceitando. Gesto labial como seguido fazia William Hurt nos filmes de nossos diretores favoritos. O seu diretor, a minha diretora belga, os nossos.

Desculpe confundir pronome tu com você, o que é teu, o que é seu, o que seria nosso. Desculpe confundir nenhuma outra contigo. A profundeza de seus olhos venceria a profundidade de todos aqueles copos descartáveis jogados ao lixo de um café. A profundeza de seus olhos me convidaria a infinitas sessões. A uma única seção: seus olhos. Olhar, sem cessar. Seus olhos talvez foram o que mais belo eu vi de tão perto. O café, a boca, queríamos um tanto mais. Queríamos eu e minha boca, exagerados. Eu e meus gestos, exagerados. Eu e meus exageros, que formam eu. Eu que firmaria meu nome ao teu. Sim, sim. Sim! Eu que formaria um nome: o nosso. Eu que me apaixonei por ti quando te vi me vendo. Quando te vi. De perto. Quando te ouvi: dizendo. Quando te perdi: deserto. Quando te revia em imaginação: incerto. Quando um dia irei me despedir de ti ainda sem desapaixonar: honesto.

Tu dizes que infinito é o pampa ou a sampa falsa de concreto. Infinitos são teus olhos e minha cólera longe deles. O cinema não acabou. A poesia não acabou. O amor que eu queria te dar não acabou. Quer mais café?

19/04/2025

Mustang (2015)

Aceito que filmes retratem todos os homens como idiotas porque acho que já fizeram filmes demais em que eles não são. Ou fizeram filmes demais em que as mulheres todas eram retratadas como idiotas e/ou histéricas.

Em um filme, as várias ideias de roteiro e desenvolvimento podem ser feitas pela produção, por mais gente. É diferente desse trabalho solitário a uma só mente feito pela escrita. O escritor, solitário, tendo de pensar em tudo.

Já percebi que um livro, para sociedade de hoje, é tempo demais a uma só voz, quando os aplicativos e redes sociais dão em shorts o tempo de alguns segundos para cada exibição, teoria, bobajada. Um livro são horas e dias geralmente dedicados a um único narrador, uma única voz. Intolerável para essa geração.

Sobre as ideias de roteiro, quem será que teve a ideia genial das cenas inicial e final do filme Mustang (2015)? E os sentimentos evocados a partir disso? O contraste, a solução, a volta por cima, a esperança? Tudo começa com a pequena Lale se despedindo da professora, que iria embora da cidadezinha delas para grande capital Istambul. Istambul seria a alternativa final para as irmãs prosperarem, se libertarem.

Mustang começa animador, libertador, com as meninas voltando da escola, brincando, se divertindo e buscando os primeiros flertes. Ao serem descobertas na aldeia, ficam difamadas e a família, envergonhada, começa a trancafia-las e a organizar os casamentos, antes que seja tarde, antes que, segundo eles pensam, percam a virgindade ou difamem mais aos familiares. Assim, são treinadas para serem donas de casa, cozinheiras, faxineiras e, é claro, esposas, inclusive não retomando os estudos, como as ex-colegas estranham suas ausências na escola local.

A vida das cinco irmãs, apesar de criadas juntas, sem os pais, com a avó, é bastante diferente. Seja em atitudes ou nos desfechos. Elas possuem personalidades distintas, um dos trunfos da trama, fator que não as resume em cinco menininhas, como se fossem homogêneas. Lale, a menor, conforme vai sobrando na casa, também ganha protagonismo. É rebelde, decidida, entusiasmada e não se dá por vencida.

A mais velha é a que consegue melhor destino, ou mais rápido se resolve, podendo até escolher seu marido, que grande vantagem! As demais não terão a mesma sorte, conforme evolui o roteiro. No desenvolvimento, a paixão de Lale pelo futebol ainda conduz as demais até uma partida grande em estádio, em que precisaram de fuga, de carona, de várias manobras, o que contribuiu com alguma comédia à trama. Os homens haviam brigado em estádio e a partida que desejavam ir era somente para mulheres, medida que até no Brasil já foi feita em partidas, como no estado do Paraná.

Sobre a proibição ou permissões restritas às mulheres de verem jogos de futebol na cultura do Oriente Médio, ver Offside (2006), sobre as meninas impedidas de ver o jogo decisivo para classificação do Irã para Copa do Mundo da Alemanha. Um filme entre o dramático, o documental e também a comédia. O filme em questão é iraniano e utiliza muito bem o cenário, os bastidores, as ordens militares e o olhar inocente e infantil perante os sonhos de absorver cultura e viver emoções.

Voltando a Mustang, cabe dizer que considero o filme mais complexo e culturalmente envolvente que o norte-americano As Virgens Suicidas, de direção de Sofia Coppola. A personalidade mais bem definida das meninas turcas contribui para essa conclusão. O envolvimento de cada uma com a situação, o como lidar, o que fazer trazem momentos angustiantes em que torcemos contra as injustiças que as cercam. Como não se emocionar com a prometida cena final da película?

Nota final, facilmente:

⭐⭐⭐⭐⭐


Chegada a Istambul com vista marcante para cidade, a esperança e o futuro
(Reprodução do filme Mustang)


14/04/2025

Two on the Edge (2021)

O filme japonês 🇯🇵, dirigido por Yusuke Kitaguchi, conta a história de duas garotas (ou serão três?) com dificuldades semelhantes e diferentes. Ainda muito criança, Otose Nishizono vivia com sua mãe e um padrasto violento, que, sem explicitar no filme, pode ter abusado da jovem. Ao menos tinha nenhum pudor, como visto, de usar o banheiro na frente da criança, o que já configura esse excesso.

Em uma noite, sem aguentar mais os maus tratos e o estado constantemente embriagado da mãe, Otose foge. Em uma casa que, segundo sinopse, fazia as vezes de um orfanato, ela permanece o restante da infância e alcança uma maioridade de 18 anos. Assim, deixa o cuidador Yoshi e as demais crianças e sai para procurar emprego, conseguindo a referência em um hotel chique. 

Paralelamente, uma cantora de um grupo tentando estourar em sucesso após pequenas exibições em casas noturnas (ou diurnas com iluminação artificial? São matreiros os japoneses). Ela faz o teste e descobre que está grávida. A jovem está grávida do produtor delas, uma espécie de agente, empresário. E abusador de suas tentativas de fonte de renda, portanto. Deixando claro que apesar do conflito-chave ser entre Otose e sua negligente mãe, existe a denúncia (em mais de um caso) sobre o comportamento abusivo dos homens.

A cantora tem o apoio, mesmo também existindo conflito, da sua mãe. Elas atendem em um pequeno restaurante, por onde Otose passa pela rua a caminho de seu novo apartamento, sente o cheiro de comida, namora a vitrine, mas nunca entrava. Isso muda quando a mãe de Otose descobre o paradeiro da filha. Yoshi, do orfanato improvisado, falha e, sem autorização do que gostaria Otose, fornece o novo local de trabalho de sua até então protegida. Sem mudar de seu passado nebuloso, a mãe de Otose a procura com a desculpa de estar feliz em vê-la, querer recomeçarem e passarem um tempo juntas. Mas tão logo vão a um café e confessa precisar de milhares de yenes (a moeda japonesa).

Otose desconfia, tem uma consciência que lhe sopra perguntas e soluções, quando congela estática. O conflito do drama japonês é bastante forte, ácido. Por vezes a jovem fica nas entranhas da pergunta entre matar ou morrer. O suicídio lhe aparece como saída possível. O emprego no hotel, por conta das reaparições da mãe bêbada, se torna insustentável. Cobrada pela gerência, só lhe resta sair pela porta dos fundos do prédio.

Ela acredita que não tem como ter uma vida digna enquanto viver sua mãe. Otose fica desestimulada e sem respostas e sem emprego. A dura vida acompanha a jovem cantora, que, após uma última apresentação, decide parar e se dedicar só ao restaurante, pensando na criação do bebê. Ela não avisa o produtor, que seguiria simplesmente sua vida em busca de outros talentos. Em uma passagem, a mãe da cantora alerta: "ser mãe não é como ser cantora. Não pode desistir". A jovem de pronto responde que sabe. Nessas horas fica a pergunta se a própria dona do restaurante, que criou a menina sozinha, não teria desistido. Isso se ela tivesse a opção.

São vidas diferente entre as meninas em conflito. Uma teve a mãe que a negligenciava e precisou fugir de casa. A outra, bem ou mal, teve o suporte caseiro. Uma nem mais sonhos parecia apresentar, queria apenas uma vida digna. A outra aspirava à fama, mas acabou tendo de contar com o básico da maternidade que se aproximava.

O filme traz a crítica quanto aos homens, mas também às possíveis negligências praticadas pelas mulheres - e suas enormes consequências. As dificuldades de mudar de vida na sociedade japonesa também estão em alguma camada presente no filme. A cena final de Otose desfrutando de certa liberdade com sua nova bicicleta demonstra esperança. Contrasta com a crítica a sociedades, como nos países do Oriente Médio em que as mulheres não podem usufruir de carteira de habilitação e, muitas vezes, sequer sair de casa de bicicleta. Lembra o filme "Wadja", sobre a menina árabe que sonhava ter uma bike.

Quanto ao questionamento sobre o nome do filme na presente resenha, seriam duas meninas (Otose e a cantora) ou três, contando a confusa e arrependida mãe de Otose como terceira vivendo ao limiar de caminhos difusos? Vidas que se atravessam nos desafios entre a superação e a continuidade.

Nota final: ⭐⭐⭐⭐


Depois de ler Correio Literário - ou como se tornar (ou não) um escritor, em qualquer merda que eu escreva está a polonesa Wyslawa Szymborska apitando no meu ouvido, que acho que era o objetivo dela ou de quem preparou a coletânea para o livro.

09/04/2025

07/04/2025

Jeanne Dielman (1975)

Para muitos, a grande obra da cineasta belga e judaica Chantal Akerman. Confesso que Notícias de Casa e "Retrato de uma Garota do Fim dos Anos 60 em Bruxelas" me interessaram mais diretamente. Porém, ao completar a terceira parte de Jeanne Dielman, pois assisti em três pedaços, visto que é um filme de 3h21min, ao terminar de vê-lo me surgiu o insight de achar ter entendido o filme.

Jeanne Dielman tem a vida monótona e parada propositalmente no filme que nos encerra a ver. Sua rotina de dona de casa. Viúva, mãe solteira, apesar de não muita idade. O filho às vésperas de deixar o apartamento deles em zona central da Bruxelas que não conheço. O filho adolescente e pouco reagente à rotina da esforçada mãe. Ela que procura cozinhar, lava louça, cuida das roupas, da limpeza do apartamento, entre outras tarefas.

O pai do garoto morreu há poucos anos. Seria um anseio e uma naturalidade que Jeanne queira reconstrução e novas ocorrências. O filme se desenrola com ela obstinada a resolver o dia a dia. Assim adiando soluções maiores para sua trancafiada vida. Alguns diálogos entre ela e o filho revelam as barreiras da mulher criar o menino. Assuntos de puberdade e até de filosofia entre as gerações os escapam.

É interessante como filmes europeus muitas vezes ganham pela falta de diálogo e os muitos silêncios permitem a interpretação possivelmente correta. Assim foi na leitura anterior da Harmonia de Werckmeister, filme húngaro de Béla Tarr e sua esposa Ágnes Hranitzky. Em Chantal Akerman, os silêncios também são constância na maioria de suas obras. No "Retrato de uma Garota em Bruxelas", os jovens conversam mais efusivamente, em um raro encontro àqueles estranhos personagens deslocados de outras realidades. Enfim, em Jeanne Dielman, de 1975, o silêncio está vibrante, enlatado. 

Jeanne representa as mulheres que perderam seus maridos em guerras, que perderam seus maridos ao silêncio, à rotina, ao desmanche das relações que igrejas queriam eternas. Jeanne é a mulher fechada entre quatro paredes com mais funções do que lhe caberiam, do que caberiam às pessoas em suas individualidades e direitos.

Jeanne é uma luta contra outros silêncios. No encontro frustrado ao final do filme, passadas mais de três horas de película, o homem que está sobre ela e não ouve seus apelos, ou não quer ouvir. Assim, ela reage finalmente.

Antes, temos Jeanne relutando em suas tarefas diárias. A bebê que ela cuidava para alguma vizinha por algumas horas e Jeanne não conseguia fazê-la parar de chorar, em frustrantes cenas. Jeanne que precisava da cafeína para sua força cotidiana, mas passou a repunar café. Seu café, café de restaurantes. Jeanne que não conseguia achar um botão de casaco para seu filho, igual ao que sua irmã havia trazido da América do Norte, quando os visitara com sobrinho e tudo. O marido de Jeanne ainda era vivo, havia muitos anos esse episódio citado no apelo às impassíveis vendedoras belgas. Os botões se perderam. Os anos se vão. Quando essa mulher iria reagir, iria se frustrar, iria se reconstruir?

Após a parte final, compreendi mais o proposital tédio e o porquê muitos críticos consideram a obra marcante da cineasta belga Chantal Akerman, a qual eu quase confundo o nome com Jeanne Dielman, tamanhas citações ao filme.




06/04/2025

Harmonia de Werckmeister (2000)

A Harmonia de Werckmeister é um filme extraordinário de realização do cinema húngaro, especificamente do diretor Bela Tarr e sua esposa Agnes Hranitzky.

Em uma pequena cidade da Hungria, Jaros é um jovem trabalhador que se encanta por vários temas curiosos. Na cena inicial, demonstra aos bêbados em um bar sobre os funcionamento da astronomia básica, de como a Terra gira em torno do sol, gerando os dias e as estações do ano, e de como a Lua é seu satélite natural. Durante o filme, Jaros trata com pessoas mais velhas, as quais ele chama sempre por tio ou tia, sem sabermos o parentesco real que tenha com esses personagens. Um deles é uma espécie de tutor, que ensina conhecimentos variados, como a astronomia, e música, ao que batiza-se o filme com Harmonia de Werckmeister - um organista alemão, definidor de muitas propriedades musicais para os teclados.

A associação com a harmonia parte também da desarmonia que começa a imperar no filme. Um circo chega na cidade anunciando duas principais atrações: uma baleia e a presença de um nomeado príncipe. A aldeia se divide com a ideia da chegada dos forasteiros, uns o tanto preocupados, outros resolutos a conferir a novidade.

A baleia, por sua anatomia e pensar na falta de conhecimento prático marítimo do jovem adulto Jaros, leva à fascinação o personagem principal. Entretanto, muitas outras pessoas estavam interessadas nos discursos de ódio proferidos pelo dito príncipe. Com uma legião de seguidores, ele é o fio condutor da exploração das cidades visitadas, promovendo uma escalada de violência. As cenas mais grotescas ocorrem em espancamento em um hospital, sem poupar nem cortes, até que um velhinho desnudo faz com que os manifestantes cessem a onda de terror por seu aspecto frágil.

Nisso, Jaros e seus ditos 'tios' estavam em plena ação para mobilizar a população contra essa desordem dos forasteiros. Apesar da aquisição de assinaturas em um abaixo-assinado, nada poderia ser feito e os elementos são inclusive perseguidos. O paradigma do filme se desenvolve entre a desordem provocada pelo falso príncipe dos exploradores visitantes do circo e depois a "ordem" estabelecida pelo exército em "resgatar" a cidade. As imagens e os diálogos são frios e a dizimação e destruição da cidade são iminentes.

Jaros tenta fugir pois seu nome aparece, segundo é avisado, em uma lista. A perseguição não dura muito. O futuro é nebuloso como o forte inverno que age sobre as sombreadas terras húngaras.

Em um apêndice à escrita, há uma impressão tão forte no tio interpretado por Peter Fitz que parece até que esse personagem é um alter-ego experiente de Jaros Valuska. Ele mobiliza o jovem, rumina monólogos disfarçados de diálogos com Jaros, aparece como uma grande consciência a balbuciar tentativas de soluções e reparos, acerca da inóspita região húngara e filosoficamente sobre o mundo.

Impactante é a cena final do esquecimento do forte mamífero perante as atrocidades do ser humano na cidade, a resignação do velho tio diante da cena são avisos ultimatos sobre a escalada da barbárie humana, em um alarme ecológico, e ao mesmo tempo sobre o crescimento das manifestações fascistas na Europa e em todo o mundo. Com muita sensibilidade o casal de diretores definiu as diretrizes, os planos-sequência do estimado filme, cuja nota final só poderia desempenhar-se em resultar cinco estrelas.

⭐⭐⭐⭐⭐





03/04/2025

Funk

A favela, a produção 

O gosto é aderente 

Como é que vai gostar

Se não tem espaço pra gente?


Os estúdio, a produção 

É tudo muito bonito 

Mas com o batidão 

Da favela eu ainda fico


A indústria musical

É uma competição 

Enquanto na favela 

Vamo ouvindo os irmão 


Na favela a janela

Aqui segue aberta

E na selva deles

Eles fecha e ainda concreta


Os estúdio, o roquenrol 

É tudo muito bonito 

Mas com o batidão 

Da favela eu ainda fico 


Repara na beleza

Que a gente ainda preza

Aqui tem os devoto 

Onde a deles não chega


(Lá na deles os empresário 

Botam o pau na mesa

Aqui entre os irmão

Ainda existe gentileza)

31/03/2025

A ideia de que "amanhã não se existe mais" justifica existências ruins, mas também justifica ou justificaria existências boas. 

24/03/2025

Tragédia no Amor Europeu

Escrevo estas linhas após ver dois filmes em um domingo. Estou afetado dos nervos. Não sinto dois dedos de cada mão, que, de alguma forma, estão mal abastecidos. Pensei em fazer uma crítica de Blanche (1972), filme de diretor polonês e linguagem francesa. A ver tem também com o mais recente Little Ashes (2009), que se passa na Espanha, mas é dirigido por Paul Morrison e a linguagem toda é em inglês, com exceção de mísera fala ou outra.

Blanche é a esposa de um rei velho. O filho do rei está muito mais para sua idade. Em uma festividade no castelo durante a Idade Média, mais dois candidatos se apresentam à formosa Blanche: outro rei e seu galanteador filho. Obviamente lançadas as diretrizes de tantos candidatos não poderia acabar em boa coisa. Tive um afeto especial no filme por Nicolas, o filho do velho esposo de Blanche. O amor entre eles pareceu o mais verdadeiro da obra, tanto que ele, desesperado, não seria oposição em colocar sua própria vida em proteção de Blanche. 

No desenvolvimento da tragédia há momentos cômicos. Um dos religiosos veste a roupa do filho do rei visitante e é interceptado, ameaçado e inclusive tem sua mão cortada pelo valente Nicolas, que obviamente vigiava para proteger Blanche de galanteios terceiros. Nisso o frade aparece de mão cortada no dia seguinte, levantando suspeitas que o religioso é quem queria dar uma fugida até o quarto da jovem. Uma pouca vergonha medieval. É interessante que na relação de pais e filhos terem se apaixonado por Blanche, nenhum teve a comunicação necessária, ou a falta de vergonha de abrir o jogo pelo qual estavam interessados. Nenhum pai soube dos interesses de seu filho. E o filho visitante, enquanto punha seu nome em risco pelo almejado amor de Blanche, não sabia que o rei visitante mais velho também sonhava com mais um casamento.

Desenhada a tragédia, não houve quem contasse a história, talvez um destino mais parelho entre tanta perversão. Apesar de minha afeição por Nicolas, deparei-me com a reflexão de que ao mesmo tempo estava tentando fugir com a esposa de seu próprio pai - que pese a galopante diferença de idade.

É a época da Europa Medieval entre os séculos depois de Cristo e antes dos ideais iluministas. Pesquisei algo sobre a população desses pequenos reinos e a curiosidade veio sobre mim no fato de que a Europa Ocidental chegou a ter 22 milhões de habitantes na Alta Idade Média. Em 1348, segundo Le Goff, a população europeia era de cerca de 54 milhões de pessoas. Interessante como o continente de tantas descobertas e navegações mal superaria um estado de São Paulo. 

Em Little Ashes, ou Pequenas Cinzas, a história de amor é entre dois personagens centrais da arte no Século 20, em especial na Espanha. Foram colegas de estudos artísticos o escritor e poeta Federico García Lorca e o pintor Salvador Dalí Domenech. Mais do que isso, a relação desenvolvida entre ambos é uma crescente aproximação e inspiração em seus trabalhos. Também estava envolvido no grupo o cineasta Luis Buñuel, que depois desenvolveu carreira na França, que depois desenvolveu carreira no México. 

Entre uma amizade pulsante e as proibições à homossexualidade, a relação entre García Lorca e Salvador Dalí também sofreu impasses sobre o que consideravam mais benéfico para suas promissoras carreiras, causando discordâncias de ideias. Desde jovens esses artistas estavam alcançando status de destaque na Espanha madrilenha, mesmo em meio aos domínios fascistas que ameaçavam as artes e a todos os cidadãos com ideais dissonantes ao governo.

O final trágico da morte prematura do escritor novelesco García Lorca, o cão andaluz (?), evidencia que, apesar de suas duras e perigosas críticas ao regime espanhol, a homossexualidade seria de seus grandes crimes, interpelado pela polícia em sua localidade de nascimento, Granada, e chamado de maricón. Fuzilado distante dos holofotes do mundo, sua morte seria lamentada dias depois em notícias de jornais velhos e radiofônicas. Little Ashes era o nome que Lorca soprou para um quadro feito pelo amigo Salvador Dalí. O nome propunha explicar que futuramente, com suas mortes, as lembranças que as pessoas teriam deles seriam apenas cinzas, eles como mero fantasmas após o que suas obras artísticas realmente representavam, ou queriam representar.

Histórias fascinantes podem ser escritas, mas restam apenas cinzas. "Cinzas e madeiras" sobre o caixão lamentava o rei velho após a morte do filho Nicolas no duelo realizado em Blanche. Dos idealizadores, noveleiros, cavaleiros, reinados e castelos, restam apenas pequenas cinzas. Em outra cena de Blanche, o rei velho sente o peso material de toda aquela construção em pedra. "Vai durar mais do que muitos de nós" e o jovem Bartolomeu, um dos postulantes à bela Blanche, apenas concordava, já estes por cima do cadáver do jovem Nicolas.

De amores idealizados pela bela princesa do reino ou mesmo homossexuais perseguidos por regimes fascistas, seremos apenas cinzas no futuro.

Little Ashes (direção de Paul Morrison, 2008)



10/03/2025

Montanhas de Canguçu

Te procurei em todos nasceres do sol

Você fugiu em todos nasceres do sol

Talvez você nem desconfie 

Se não um sol ao menos meu farol 


Senti contigo uma conexão 

Ou queria sentir contigo uma conexão 

Queria um pouco mais de chão 

Pra caminharmos em imensidão 


Eu vi contigo a água em repouso

Senti o lugar certo pra pousar 

A maré que não se mexia

Nem eu queria sair do lugar 


Te procurei em todo nascer do sol

Você fugiu a cada nascer do sol

Talvez você nem desconfie 

Se não um sol ao menos meu farol 


Eu vi o sol me cumprimentar

Subir a linha do horizonte

Escrever de novo com suas fontes

Eu vi você não estar 

Estou cansado de imaginar-te 

Troco ter mais vida e menos arte


Subiria as montanhas de Canguçu

Por tu, por tu 

Porto seguro encontraria em ti 

Em ti, em ti 

Subiria as montanhas de Canguçu 

Por tu, por tu 

Viveria na imensidão azul

Do céu do Sul

Por tu, por ti 

Por ti, por tu

07/03/2025

Carnis Levale

São Lourenço do Sul é especial na minha vida há muito tempo. Quando cursei o IFSul Rio Grandense de Pelotas na década passada (ou retrasada, a qual década pertence 2010?) tive pelo menos dois ótimos colegas que vinham diariamente da cidade. E não por acaso os dois sempre me são muito atenciosos quando por sorte nos reencontramos nas andanças da vida. Um gremista e um colorado, os dois com pelo menos algum sobrenome alemão. Assim na época de IF também notava as meninas que de lá vinham. E por que não ir?

Em um período muito difícil de conquistas e mais aproximação de conquistas do Internacional, lembro termos passeado em São Lourenço com a família. Almoçamos, aproveitamos a tranquilidade da praia que nos pareceu mais bela que o Laranjal pelotense, que chiem os chiadores, concordem os dotados de bom senso. Brincadeira, democraticamente discordem se quiserem. Tiramos algumas fotos. Eu tinha poucos registros de fotografia, porque na época ainda não portávamos celulares com boas câmeras. Com uma câmera-zinha Kodak registramos alguns interesses em paisagens e nossos sorrisos. Hoje em dia minha mãe faz belas fotos com o celular que comprou.

São Lourenço foi um belo passeio, um oásis em um ano em que muito me estressei em 2010, apanhando da física, convivendo com fracassos que eu ainda não havia experimentado e que os hormônios super dimensionavam em consequências. São Lourenço na verdade só voltou a ser pauta na segunda faculdade. Tentando alguma recordação da primeira, mas não houve.

Ah, teve uma menina em uma formatura. Amiga dos amigos das antigas. Na segunda faculdade surgiu a amiga Mariana, que de lá vinha. E da pandemia a amiga da amiga, que eu mal tive o privilégio de conhecer pessoalmente e que ainda me tremeria as bases com seu oblíquo olhar, nas palavras que Machado emprestou a Bento e que ele ora me empresta para descrevê-la. Cores tão distintas para dentro daqueles olhos que não me importaria passar horas analisando-os para tentar chegar a uma conclusão. E adiar para que a conclusão não se chegue. Apenas concluir que são belos. Ah, São Lourenço...

São Lourenço então voltei a conhecer melhor das praias do carnaval que fomos em 2024. Passada a pandemia, os hormônios jovens estavam novamente prontos para trocar suor em blocos e saliva em noites. Lembro que houve o convite para acampar em 2020, mas preferi ficar em casa ver o Grêmio perder uma final de turno de campeonato para a Sociedade Caxias do Sul. Ainda resgatou aquele estadual com título sobre os caxienses, mas nunca mais recuperei o tempo perdido. A pandemia foi avassaladora aos anos seguintes. Chegamos então ao carnaval de 2024. Eu ainda morava fixamente na minha Pelotas e poderia me deslocar rápido. Foram dias de descoberta no aluguel de uma casa com poucos amigos. Um casal e mais outro amigo, do qual tinha menos contato e o qual se ausentava maiores períodos. Não tínhamos o ingresso para acessar as festas e da rua bebíamos, eu sempre muito, num impulso dos proveitos da vida, de forma que ficava pilhado, conversava, investia piadas, tomamos chuva, procurei alguma briga e quase recebi. Mas nada comparado ao carnaval de 2025.

2025 foi de repetição da casa. A expectativa maior. O investimento maior, o ingresso para as festas noturnas, mas uma certa falta de companhia que perdurou. O casal de amigos de 2024 permanecia casal e restrito. Surgia mais um novo casal no grupo, com todas as contradições imagináveis e inimagináveis. Outro dos amigos estava interessado em alguma droga e nisso obteve êxito por mais de uma noite. Muito evoluído, maduro apesar de mais novo do que nós, ele já rejeitava o álcool e tentava apenas modificar o cérebro por outras vertentes. Foi exitoso, como comentei.

Por último, nos surgia o companheiro de Bagé. Mais um advogado e mais um dos nossos, poderíamos dizer. Permaneci sem as companhias de caça que desejaria. Pensarei sobre a confirmação da vinda para 2026, mediante que me apresentem caçadores para angariarmos juntos de nossa vila rumo às meninas do extremo sul. A maioria das pessoas com as quais falei são pelotenses. Há uma certa decepção quando isso acontece. De Pelotas já estou quase farto, apesar da crescente saudade que me entorpece. As canguçuenses foram as mais belas da vez, encontrei um amigo de Pedro Osório, mas que dessa vez o vi solo, sem os tantos amigos que pareciam fisicamente com ele ano passado, como um bloco de forma compacta e planejada ao padronismo da barba.

Vi colega de ex tapando a calvície com boné noturno. Vi amigo de ex perguntando por ela e eu que mais nada sei, tampouco quero saber, como parte da sequencialidade que nos implora a vida. Vi professor que havia prometido o envio de uma foto de minha formatura e foi obrigado pela acompanhante a me enviar de uma vez. Tirei foto com dinossauros de borracha e quase choro ao lembrar como é divertida a torcida do Liverpool quando a repórter brasileira Natalie Gedra perguntou o porquê deles carregarem um dinossauro de borracha. E de pronto respondeu: e por que não um dinossauro de borracha? E por que não é uma bela pergunta para nos fazermos em situações impactantes da vida. Qual o tanto que temos a perder em consequências?

Me impressionei a quantidade de advogados que conheço mesmo sem ter cursado direito. As pessoas hoje estão pelas imobiliárias, escritórios e salões de beleza. O dinheiro circula mais do que as pessoas. Por feriados ainda circulam as pessoas.

Posso me esquecer várias etapas da viagem mas não esquecer da circulação das baratas que me baixou o humor. Combateram com Jimo e resolveu, não sem antes roçarem os pelinhos de minhas pernas e me travarem o sono como se uma cancela de trem me impedisse novamente de dormir. Quando avançava bem uma conversa solitária com um grupo de intelectuais pelotenses, fui interrompido por meus amigos, que as deixaram ir. Até aí tudo bem, mas a acusação de que minha conversa não surtia efeito me revoltou a ponto de correr um pouco adiante. E circular a praia. E retirei a feia peça de roupa que servia de ingresso para festa. E me fingi de mais desconectado do evento, e encarei com um algum calafrio que havia gangues esperando algum deslize de turistas solitários. E caminhei em direção à volta, mas não queria voltar para dividir colchão. E esperei na rua. E enfrentei um pouco os mosquitos e o medo de quem poderia fazer-me mal, e o medo de quem poderia achar que eu faria mal. Passei por um grupo de duas bêbadas e um bêbado e fui recebido por um namastê, que retribuí em saudação. E se afastaram, e calculei que poderia ir atrás para atar alguma conversa. E cheguei até eles, mas não estavam indo à praia perto e sim para casa. Chegaram e ficou mais esquisito ainda. Agora eu sabia onde moravam. Relatei que estava na rua, etc, mas tudo bem, segui meu rumo. Estava maníaca demais a situação. Fiz a volta pela minha praia preferida. Irreconhecível ainda de escuridão da madrugada.

Tive que voltar ao meu posto de segurança e aguardar mais horas ao amanhecer. Um chegou de festa deixado de carona e, sem o responderem, teve que saltar o portão da casa. Era um muro baixo, mas exigiu minutos de cálculos e precisão. Caiu para o lado de dentro da propriedade, mas não sem fazer um barulhão. Foi cômico. Quase me ofereci para ajudá-lo como solidariedade e forma de passar o tempo. Não precisou, eu acho. Foi cômico que antes tentava se comunicar com os internos por assobios e o motorista, de dentro do carro, debochou que com aquele assobio chiado e chocho, passaria o resto da noite do lado de fora. O motorista cansou de esperar e se arrancou pela rua de terra. O cara completou a manobra do salto sobre o muro e perdi aquela ilha de diversão na longa e infrutífera madrugada. Ouvi ao longe, pela avenida principal de ligação, demais pequenos grupos voltando para casa. Mulheres entre o alcoolismo e o medo noturno da volta para casa. Homens primatas e suas macaquices. Enfim chegava pelas 5 e tanto da manhã a promessa do nascer do sol.

Voltei para casa, achei que Julia não acordava da rede, e busquei minha camisa do Botafogo para as fotos com a linha do horizonte em troca de cores. Julia depois relatou que acordou, que não era sonho que eu voltasse, forçasse a caixa de correio em busca de nossa chave e abrisse em relutância ao cadeado da frente. Dividimos a precária casa com um entregador de moto que alugava ao fundo da casa um quarto que Douglas usara no carnaval passado. Um quarto meio sinistro pelo acúmulo de sacos de coleta ao lado das janelas, janelas essas que não fechavam bem totalmente, entre a ferrugem e o endurecimento das válvulas. Um espaço meio sinistro mas que por ora nos fazia falta no aluguel da casa em 2025, que saltava de nossa parte de quatro inquilinos para seis  - e nas últimas noites, com a chegada do bajeense, sete.

Busquei a camisa do Botafogo e rumei para praia. Não pensei em levar uma cadeira móvel e assim tive que aguentar a manhã e a escalada do sol escorado em uma árvore. Esta recebia ao lado as sobras, os lixos, e o cheiro próximo indicava alguma utilização sanitária, de humana ou dos cachorros. Com muito cansaço nas pernas eu aguentava a jornada. O celular baixava a bateria e não tinha fones de ouvido para me divertir. Esperei depois pelo bairro em frente a uma parrilla. Achava que era uma padaria. Procurei depois por uma padaria, vestindo a camisa do Botafogo e questionado por um maloqueiro de carro se eu tinha o telefone do milionário John Textor.

Nas outras esperas pela chegada da manhã, levei cadeira de praia e fones de ouvido. Procurava de música em música pela mesma menina de Canguçu que eu havia conhecido, inconsequente de minhas fábulas de que eu estaria apaixonado por aquele perfil intelectual, que lia na beira da praia, me fora humilde, conversava com idosos, tinha belezas específicas que me cativaram, se não de pronto, ao recordar o rosto dela, cabelos compridos, olhos pequenos, sorriso jovem, pernas digníssimas dos mais estonteantes elogios. Mas não a vi nos nasceres do sol. As canguçuenses, contrariando as estatísticas de presença em outra cidade comparável ao tamanho de Canguçu, continuaram brilhando, mas a saudade de uma específica é, o que se pode dizer?, a saudade de uma específica e isso dificilmente é acobertada, atapetada, suavizada, sanada em demais  - isto quando bate forte, evidentemente, porque outras substituições são mais ligeiras e até precisas.

Poderia me alargar mais em falar de nossas diversões com o Louro José que encontramos na casa alugada. Em dívida por termos superado as baratas, coube levarmos adiante esse boneco para que conheça Pelotas e, daqui a dias, Santa Catarina. Louro José fez sucesso em posts, com as senhoras, com as mulheres e até o riso dos homens mais velhos. O pirata do tapa-olho buscava seu papagaio sumido. Os mais jovens, na arrogância constante da idade, fechavam semblante, me tiravam para o louco que não deixo de ser, embora quase inofensivo. Me espantou ver crianças, pré-adolescentes na saideira das festas. Falei com um grupo que não devia passar dos 14 ou 15. Mentiram que tinham 17 ou 18. Eu que não os denunciaria. Pareciam inofensivos. Mas o quê, na minha visão adulta, preocupava era se pessoas mais velhas se aproveitassem deles. Poderiam ser abusados, no sentido de abusar de álcool, psicológico ou coisas piores, ou também serem vítimas em alguma briga que estourasse. Por sorte ou ignorância vi estourar poucas brigas e os maiores relatos policiais dos feriados ficaram para outras localidades gaúchas. Assim espero, embora lamente pelos outros.

Houve muito lixo espalhado pela praia. Parece que custa investirem em grandes containers. Os banheiros me foram pouco inspecionados porque passados os primeiros dias e de festas mais cheias, eu tinha que recorrer à beira da lagoa e ao mato em forma dela, não de forma orgulhosa por conseguir tal feito, mas justamente em regime de urgência.

Também vale relatar o cachorro que os amigos viram com os intestinos pra fora. Chamaram ongs e possíveis resgates, mas apenas uma futura ação particular daria conta. A informação que se tem é que o cachorro sobreviveu, para honroso desfecho aos preocupados amigos da casa.

Na casa, não teve a mesma sorte do cãozinho a caixa do poste em frente a nós. Dentre milhares de turistas, coube a nós torcer pela CEEE pela volta da luz em uma das madrugadas, pois, além de carregar celulares, banhos frios, etc, precisávamos contar com ventilador para dormir. Inventei músicas de torcida de futebol para saudar aos trabalhadores da madrugada. Além da caixa do poste ter morrido, também foi-se de nossa parte uma cadeira de praia que cedeu à massa de um dos amigos e a rede, que fez outro cair quando me pousei com as mãos próximas ao nó que sustentava o tecido. Rompeu-se a rede, no que interpretamos como minha culpa ao escorar-me próximo ao nó de origem. A rede era amarrada na parte superior da varandinha da casa e só nos faltava a casa toda ceder em um terrível efeito cascata ou dominó.

Entre tantas tensões e (des)embaraços, foi um belo carnaval em que espero novamente sustentar e fortalecer amizades, ter visto sorrisos e conhecido novas pessoas. Saber que há de nos prepararmos ainda mais às próximas jornadas. Me considerar apaixonado acima de tudo pela praia da Barrinha. E encerrar esse texto todo com uma sequência de fotos desses dias maravilhosos para as eternas lembranças que me couberem.













02/03/2025

Não nasci pra essa merda

Também não sabemos pra quê nascemos

Mas pra essa merda eu não nasci

Nem patinete pra saci

28/02/2025

Ah, Botafogo

Tem quem me acompanhe. Éramos tantos. Narradores, jornalistas, músicos, atores, torcedores. Não estou sozinho. Mas que impressionante e singular é a vida!

Tão rápida quanto a tua ascensão tão bela, jogadores fortes, promissores, ligados, ligando e dando liga. E agora um seguido clima de fim de festa. De fim de feira, de jardim mal cuidado. Todo o cuidado e o despertar apaixonante e reapaixonante viraram planta má podada, ervas daninhas crescentes, espaços de vácuo, de mau preenchimento. Ah, Botafogo. Restart na temporada que ainda era tempo de set fire. Reúna de novo a cachorrada. Era tempo de chegar-se o tempo, que não se vá o tempo. Esteja atento. Que vaciladas... Te amo e te quero e te assino sem mistério. Meu, seu, nosso amor, a tantos mãos, critérios. Nos leve a sério. Te desejamos. 

Por amor, nosso amor, por quantos forem os anos.

Samba do Sonho

Essa eu comecei a compor durante um sonho e foi pra ela que me desgraçou fim do ano. Parabéns 🥳🥳



Eu e você      Oceanos 

Eu e você hoje

Ou em onze anos

Gosto de te imaginar

Nossos planos

Contigo explorar

Todo este plano

Eu e você

Não subtraiamos 

Eu sem você 

Já sofro tanto

Você sem mim 

Queria fosse o fim

É só meu o pranto

Você e eu     eu disse Oceanos 

Não ofereça só lagoas 

Na minha cabeça

Tão belo soa 

Eu e vossa         sua pessoa

Nossa história

Notório incauto 

O que eu não te pauto 

Não é importante

Na minha estante

Sua sobrancelha 

Sobrevoa minha velha

Decaída 

Cilada, fim da vida

Minha alma desacolhida 

Entre eu e você 

Estados inteiros

E eu tenho estado

Puro desespero

Seu olhar

Meu cativeiro 

Não me livrei de ti

Foi-se o fevereiro

Me restrinja 

Já é meu enterro

Março eu faço 

Meu aconchego 

Vou dormir até o fim do ego

E me nego

A sonhar mais erros

23/02/2025

Fernet

Tomo um fernet

Esqueço você 

Lembro que você 

Nunca será

O que sou pra você 

Tomo um fernet

Inverto frases 

Invento frases 

Inferno! Frases

Incertas frases

Em certas frases

Frames e oásis 

Faith! Kamikazes 

Tomo um fernet

E a coca-cola 

E me decola 

E me descola 

E me patrola 

E acordo: olá 

E não estou de acordo

E não estou decoro 

Parlamentar 

Para alimentar no soro 

Case of sorrow 

Piscinas, cloro 

Claro que cloro 

Coro que cala 

Clara que atende 

Pára 

Ela e suas tatuagens 

Não lembro de alguém ter concordado 

Mas o corpo é dela

Alguém que fala 

Que legal, Clara 

Que legal que tal 

Que tara, essa eu achei mara 

Blablabla bala 

Não tomo 

Mas fernet e como 

Mas fernet é sumo 

Mas fernet nós somos 

Parceiros 

Por inteiro 

Ao outono 

Mas fernet é cult 

Mas fernet, vermuche 

Mas fernet fetiche 

Mas fernet so much 

Mas fernet mustache 

Mas fernet que taxem 

Vou ali, contraste 

Vou ali, que traste 

Vou ali a Melo 

Treinta y Tres también la quiero 

Vou ali, projeto

Vou ali direto 

Fernet tchererê 

Tchererê tchetchê

Vou ali sincero 

Vou ali : já era

Vou ali : espero

Vou ali : quimera 

Fernet pérola 

Fernet nas células 

Fernet mera

Fermentação 

Pois então 

To be continued 

Tomara contigo nua e

15/02/2025

Love on the run (1979)

Esse filme encerra os episódios da vida de Antoine Doinel, personagem mais marcante na cinematografia do diretor francês François Truffaut. Com direito a várias passagens dos filmes anteriores, temos explicações e conclusões sobre a vida do polêmico e artífice personagem: sua relação com diferentes mulheres, sua dificuldade em manter relacionamentos e também conclusões importantes vindas dela sobre o homem em questão.

Em um acerto mágico de Truffaut, a carreira de cinema com o jovem Jean Leaud foi promissora. Estreando criança no filme traduzido ao português como Os Incompreendidos (1958), um dos pilares da formação da Nouvelle Vague francesa, a vida do personagem percorreu adolescência, início da fase adulta até a fase com mais de 30 anos, com aprisionamento em reformatório, perda da mãe que possuía amantes, namoros breves, casamento com a violonista do filme Domicilio Conjugal - o qual escrevi sobre neste blog - o divórcio, a criação do pequeno Alfonse, filho de Antoine e o relacionamento de surgimento um tanto stalker com a bela Sabine, loira personagem central n encerramento dessa trajetória em Love on the Run, ou Amor em Fuga.

Em sinopses, Antoine é apresentado como ainda adolescente, mesmo passados seus 30 e poucos anos. Não resiste ao charme das mulheres, também não sabe como se comportar adquiridos os relacionamentos e, pai divorciado, tem pequenas contribuições diante do crescimento do cabeludinho Alfonse.

Jean Leaud mantém seu humor surpreendente, em que a parceria com Truffaut nos põe em dúvida o que são ideias de piadas bobas de um ou de outro. Verdade que funcionam ao gosto deste escriba, que se sente mais familiarizado ao estilo drama-comédia das narrativas. Antoine atua por trocadilhos, literalidades, ironias passageiras. Seu estilo leve, jovial, interessado ao encontrá-las mantém os interesses das parelhas. Mas seu desenrolar passadas essas fases é insuficiente, resultando em separações, irritações, ansiedades mal resolvidas.

A adoração de Truffaut por seu personagem (alter ego de Truffaut, dizem, e faz total sentido pela riqueza de detalhes) lhe reserva um final satisfatório. Gera polêmica de considerarmos, de julgarmos o quanto merecia. Mas, aliás, o final seria um final? A loira Sabine conheceria o pequeno Alfonse? Que sequência o casal teria juntos? Ele, entre aspas, cresceria finalmente em companhia desta terceira? São questionamentos possíveis.

O filme tem o gosto agridoce da comédia-dramática, em meio a situações que não mais existem na contemporaneidade. Antoine trabalhando em uma gráfica, a troca de fax. Os telefonemas públicos, em cabines em locais ou mesmo na rua, como no Brasil seriam os orelhões em oposição ou semelhança a Paris. A facilidade para traições era maior? Possivelmente. Antoine que tem ações duplas, que salta para trens em movimento mesmo sem a passagem comprada. Antoine que escreve seus livros biográficos, fingindo, mesmo mentindo ser ficção. Que reconta sua vida, mas tem incapacidades às vezes por transformá-las às medidas que melhor se adequaria.

Antoine que agrada e desagrada. Agridoce. Assim, entre levezas, belezas e angústias de pontas soltas mal resolvidas está a vida de Antoine Doinel contada, mostrada pelas lentes dos filmes de François Truffaut.


Cartaz brinca com a relação de Antoine com as mulheres que passaram por sua vida. A fotografia de Sabine em destaque, a loira misteriosa dessa última passagem entre os filmes. Love on the Run também traz vários flashbacks de filmes anteriores da vida de Antoine, desde os Incompreendidos, Beijos Roubados, Antoine e Colette (1962) e Domicílio Conjugal, demonstrando também a sorte e oportunismo de Truffaut em trabalhar com talentoso elenco em manutenção durante anos.


07/02/2025

Querido Menino x Noites Alienígenas

Assisti em sequência a dois filmes que permitem estabelecer essa relação para contá-los. Querido Menino (2018) é baseado em um livro de um jornalista e escritor, David Sheff, que conviveu com seu filho viciado em diferentes drogas, em especial metanfetamina. Durante o processo de tratamento, o escritor chega a pesquisar sobre as drogas para melhor entender sintomas, efeitos e tratamento.

Em Querido Menino, está exposto o problema agravante dos Estados Unidos com as drogas que circulam no país. Heroína, cocaína, balas. A mensagem final do filme é sobre essas drogas serem a principal causa de morte no país em pessoas com menos de 50 anos (maioria da população?). Números alarmantes. Histórias individualmente castigadoras a quem convive com. O pai fica arrasado. Uma cena que marcou bastante foi quando este mesmo pai, com mais dois filhos pequenos de seu segundo casamento, observa uma das crianças cantar no Coral da escola. O olhar profundamente amargurado parece se perguntar sobre os riscos da história se repetir. Ele criou estruturalmente sua família e seu primogênito acabou imerso nas drogas. Como garantir que os seguintes escapem dessas realidades?

Escapar da realidade, aliás, parece uma temática do filme. O que levaria o adolescente de classe média a buscar essas saídas para sentir novos prazeres, outras sensações? No filme não é mostrada muitas relações amistosas do jovem Nick. Nem a relação com traficantes, que apenas aparecem cena ou outra. Sabemos que o contexto do enfrentamento às drogas envolve muito as autoridades, corrupções, polícia, aeroportos, fronteiras terrestres, vistas grossas, políticas de combate. O foco do filme, entretanto, é o enfrentamento familiar, as tentativas de recuperação de Nick e os esforços do pai em adequar os tratamentos necessários, internações e o que mais for possível.

Estrutura que está presente na família de Nick e mesmo assim o combate é aguerrido, complicado. Vale salientar que as condições de internação e de rede de apoio não estão presentes para muitos norte-americanos que acabam nas ruas, largados em banheiros públicos e praças sem com que as prefeituras e instituições os recolham e cuidem. Contextos relativos.

Relativamente diferente é a realidade em Noites Alienígenas (2022), filme brasileiro do diretor e roteirista Sérgio de Carvalho. A Rio Branco do Acre é mostrada a muitos brasileiros pela primeira vez, ainda mais neste contexto. A ideia do filme é demonstrar como as facções migram do centro do país, entre Rio de Janeiro e São Paulo, para outros cantos brasileiros. Rio Branco não é uma cidade pequena, oferece mercado às vendas de drogas. Assim, muitos jovens, nessa distante realidade, adentram ao mundo de vendas, cobranças, dívidas e riscos. O viciado não tem como pagar. Os vendedores os eliminam. As facções rivais, na concorrência das vendas, se enfrentam. Estudos, planos de vestibular e emprego ficam em segundo ou terceiro plano.

Se em Querido Menino, o foco é na vida de Nick e nos esforços de seu pai, em Noites Alienígenas estão famílias mais desestruturadas e sem opções. Ou entra para esse mundo ou passa fome. Que outro emprego arrumar? Rivelino tem a mesma idade de Nick, talvez menos, está em idade de conclusão de escola, tem 17 anos, suposta namorada que já tem filho de um dos viciados. Rivelino trabalha com Alê, homem de meia idade que por vezes assume uma identidade como pai de Riva, mas entre afetos e desafetos. A mãe de Rivelino, chamada de Loira, ao que parece, não tem emprego e dependia do então pai de Rivelino. Drama familiar. O garoto vira o homem da casa, luta pelo sustento.

Enquanto isso, um viciado que convivia com Riva está em dívida com os traficantes, à beira da morte. Pronto para ser apagado. O filme, segundo alguns críticos, perde pé e cabeça ao longo do desenvolvimento, mas cumpre a mensagem de transmitir essa realidade. Para o sul do Brasil não é diferente. Gangues de fora tomam conta, lutam para expandir seus mercados e envolvem novas cidades em batalhas sangrentas do tráfico de drogas. Cansado de ver os números de mortes e chacinas saltarem, Sérgio de Carvalho prontificou esse importante filme. Há presença das religiões evangélicas que tomam a floresta e várias partes do país, os rituais indígenas, a realidade das ruas na frieza do asfalto que desemboca nas periferias.

Dois filmes que demonstram os problemas com drogas sob diferentes contextos. Na vida dos Estados Unidos e o desarranjo de uma família classe média, da vida de um jovem promissor que poderia escolher uma das seis faculdades para qual havia prestado teste e passado. Do outro lado, o rincão afastado do periférico Brasil do Acre. Um menino sem perspectivas de colocar comida na mesa se não depender das facções e da venda de drogas. O tudo ou nada. A ausência de escolha.

Quem realmente pode escolher, quem pode fazer diferente? O que fazem os governos para evitar a perdição dessas vidas tão jovens, sejam impulsionadas por companhias, música e fantasias de composição ou pela crua realidade da falta de opções empregatícias?




Sempre chega o momento de falar sobre. Ou talvez nunca chegue. 

Há palavras que chegam, que surgem do nada, como o vento. E às vezes é a eternidade.

05/02/2025

Mamma Roma (1962)

Filme de Paolo Pasolini 🇮🇹, Mamma Roma conta a história de uma mulher que trabalhou na prostituição no interior da Itália, juntou algum dinheiro para cuidar de seu filho, se transferindo à Roma, onde, ao que parece, também já havia feito carreira, e conseguiu comprar uma casa e administrar uma banca em feira local. Virou feirante e ainda completava renda com faxinas. Foi mãe e pai para o pequeno Ettore.

Crescido, jovem aos 17 para 18 anos, Ettore chega à Roma e começa a andar com outros jovens sem estudo e perspectiva. Vale a sempre válida lembrança dos tempos de Europa pós-guerra, onde nem tudo, ou na verdade quase nada eram flores. Ettore vagueia com os demais em uma formação entre o entretenimento e a formação delinquente. Conhece a amiga dos guris, chamada Bruna e logo se afeiçoam. Mas os demais não vão deixar barato para o caipira, como era reconhecido.

Ao mesmo tempo, a preocupada Mamma Roma tem de lidar com um velho caso da sua vila no interior. O rapaz, na época bem mais moço do que ela, a persegue em Roma, para cobrar como uma dívida, mas que se demonstra algo moral posteriormente, como se a então prostituta tivesse imoralizado o cidadão de bem. Ao mesmo tempo, Ettore desconhece o passado mais conturbado de sua mãe, acreditando que sua renda sempre era proveniente da feira, da faxina ou de outros serviços considerados honestos pela sociedade fofoqueira.

Ettore se apaixona por Bruna e a notícia chega aos ouvidos de Mamma Roma. Preocupada com a repetição caótica do que ocorreu em sua vida, ela arma um plano com uma amiga mais nova, para que ela seduzia o jovem Ettore, o que estava no papo para sedutora amiga. Sem saber, o cômico é que uma briga entre os guris já havia determinado um distanciamento, uma separação de Bruna com Ettore. Desconhecedora do desentrelace entre os jovens, Mamma Roma insiste em seu plano e crê que nele obteve êxito com a colega da noite. Ettore assim estaria curado da paixão pela andarilha Bruna, que, por acaso, também tinha um filho pequeno, em coincidências com a vida da então jovem Mamma Roma.

A construção do filme se dá entre a personagem Mamma Roma que tenta deixar para trás a vida errante e da construção do jovem Ettore, em que não teve formação escolar, tem dificuldade de opções de emprego e acaba caindo na vida de pequenos furtos e delitos. O desespero de uma mãe que só queria o bem para seu filho, mas não tinha muitos métodos nem ideias de como atingir seus objetivos.

Temáticas comuns para época do cinema italiano, em mais uma grande obra clássica. A rebeldia da juventude, os valores sociais contestados, o preconceito que atravessa de passado a presentes, o desespero de famílias capengas e desunidas, a falta de perspectiva das periferias. Tudo isso pode ser observado na hora e quarenta e dois minutos do filme Mamma Roma. 

Nota final em 4,5 / 5.



04/02/2025

Aquarelar as coisas

Sempre gostei de aquarelar as coisas. Fazer literatura como relatórios e fazer relatórios como literatura, o que desagrada muita gente, mas eu não ligo.

Acredito que as criações de verdade sempre fugiram dos rótulos, com certa liberdade. As rotulações e classificações são posteriores, ocupações a quem não criou, não tem mais o que fazer ou simplesmente precisa planilhar, organizar o mundo em que vive - ok, em algum grau, todos nós.

Aquarelar são fusões. Misturas de cores. Misturas de gêneros, tão necessárias na evolução da música, da literatura, até da ciência e da vida humana. Fusão da filosofia que busca avançar conhecimentos.

O binarismo, os conceitos exatos podem ser muito importantes para o desenvolvimento de tantas áreas e tão prejudiciais para tantas outras de nossas naturezas humanas.