28 de outubro de 2017

Pílulas do Otimismo

A indústria farmacêutica manjava de arrumar soluções - primeiro para eles, depois para os potenciais clientes. Ou ao menos vendia a imagem de que arrumava soluções. Claro, os efeitos colaterais surgiam, mas o que poderiam ser quando comparados aos benefícios das medicações? Eram tratamentos para praticamente tudo. E, não tão futuramente, acreditavam ter os tratamentos para exatamente tudo.

Uma das maiores novidades apresentadas foram as pílulas para contrair otimismo. Os relações públicas e os palestrantes viviam falando que faltava otimismo, faltava determinação, faltava força de vontade para o trabalho fluir. Aquele papo de trabalho em equipe, de confiança no próximo, de acreditar no produto final e na união do time. Pois bem, a indústria farmacêutica, que de surdez não morreria, ouviu atenta para formular algo a respeito.

Lá estava a resposta: as pílulas de otimismo. Sucesso logo quando anunciadas no Ministério da Saúde, as pílulas entraram em circulação e estavam entre os produtos mais vendidos. Dizem os especialistas do ramo que muitas das farmácias criadas no período - e era fácil observar uma farmácia a cada duas quadras, pelo menos - foram graças ao invento. Os detentores da ideia não tinham mais onde depositar dinheiro, viviam anonimamente. Conforme está nas primeiras linhas do texto, eles primeiro resolveram a deles e os clientes agora buscavam resolver suas condições trabalhistas, com mais otimismo, com mais esperança.

Tudo parecia funcionar de forma fantástica. Melhoras econômicas, melhores rendimentos, funcionários e funcionárias, motoristas, pais e mães de famílias mais confortáveis e apreciadores do tempo futuro. Porém, o tempo futuro vinha e nem sempre a dose de otimismo adiantava. Uns entraram em ciclo vicioso, aumentaram a quantidade do que consumiam. As tabelas mostravam índices alarmantes de usuários. 7 a cada 10 adultos.

As crianças também não escaparam dessa epidemia. Os pais achavam que elas precisavam acreditar mais na escola, ter foco para um melhor futuro, boas notas, para um bom vestibular futuro, uma boa carreira... As pílulas infantis foram criadas. 4 a cada 10 crianças tomavam. Houve pais que extrapolaram e fizeram seus filhos consumir as de uso adulto, para antecipar suas expectativas, fortalecer os pequenos rumo à puberdade e a formação para o mercado.

Mas o que se falava sobre efeitos colaterais? Daí que as pessoas pensavam não estar otimistas o bastante. O efeito contrário deixava algumas pessimistas. A confusão mental era gigantesca. As farmácias seguiam vendendo, muito bem, obrigado. O ramo da psicologia também agradeceu. Dobravam o número de clientes. Os divãs estavam lotados. Faltava horário, multiplicaram as vagas para psicólogos nas universidades. Não davam conta. Da demanda e dos problemas neurológicos. É coisa para psiquiatra.

E os psiquiatras também não resolviam. As pessoas não conseguiam passar 24 horas sem a pílula. Ok, normal. Mas não conseguiam mais passar um turno sem a pílula. Uma refeição sem a pílula. Questionados sobre esse agravante, a assessoria da indústria farmacológica responsável não quis gravar entrevista. O telefone dos donos não atendeu nem ao centésimo terceiro toque. Testemunhas afirmam que os viram em alguma praia da Grécia...

Esperanças de Pagamento

Era um novo teste econômico. Uma ideia que precisavam maturar. Se desse certo no país, poderiam expandir para todo o mundo. A ideia era não mais trabalhar com o dinheiro vivo, as cédulas, as moedas. Não. Isso era coisa do passado. Também o saldo bancário, virar vírgulas e zeros para indicar o que temos a oferecer em troca de mercadorias ou prestação de serviços, já estava ultrapassado. Esse modelo resultou em vários dos problemas do mundo enfrentados na atualidade. O novo sistema monetário estava em vigor.

O garçom ainda não estava bem atualizado no primeiro dia de validação.

- Vai pagar a débito ou crédito?

- Em acreditos.

A esperança era a nova forma de pagamento. Cada vez que o ser consumia alguma mercadoria ou ganhava na prestação de serviços, devia depositar algo da sua esperança. Obviamente, até o dia cinco de cada mês, a empresa deveria depositar novas esperanças. O salário do indivíduo.

Nas ruas, tornara-se comum os pais dizerem aos filhos para negar uma compra supérflua.

- Isso vai me custar muitas esperanças.

A bem da verdade, havia muito em comum entre os consumos e a forma de pagamento. Havia sempre a esperança pelo corte de cabelo no barbeiro ficar boa. Havia a esperança de uma boa refeição. Havia a esperança de ficar bem com aquela roupa ou aquele sapato. Havia a esperança de realizar um café da manhã como ocorriam nas propagandas de margarina. Havia a esperança na contratação de um novo jogador ao time. Havia a esperança de conforto, imponência e boas viagens através de um novo carro.

Tudo continuava fluindo. Para os economistas, especialistas em traduzir a situação como os convém e como convém a seus donos, para eles estava ótimo. O país caminhava às mil maravilhas. A situação econômica era favorável em relação à antiga forma de pagamento. Era mais difícil clonar as esperanças. Caiu o número de cheques sem fundo. O número de devedores diminuía, segundo eles.

Mas não tardou para vir a primeira crise financeira. O país apertou os cintos. Cortou verbas de setores que justamente avançavam na produção de esperanças: a saúde e a educação. Sem saúde, como poderia haver esperança? Sem educação, qual a perspectiva de esperança para o futuro? O governo agiu mal nos cortes. Mesmo assim, os economistas seguiam a justificar esse modus operandi.

Não demorou para alguns ficarem definitivamente sem esperanças. Não tinham como pagar aluguel. Não tinham como pagar ensino aos filhos e o ensino público estava quebrado de esperanças. Muitas greves, professores, igualmente sem esperanças, saíam às ruas para protestar.

É claro que alguns, no topo da pirâmide formada por poucos, tinham contas e contas de esperança. Entre eles, não seria de se espantar que houvesse esperançosas contas abertas na Suíça, por exemplo.

Não havia esperança nas ruas. Mas nas ruas se acumulavam aqueles que estavam sem esperanças. Era onde podiam dormir. Alguns, sem a forma de pagamento que era obrigatória e sem o sentido figurado, o antigo significado das esperanças, nada mais viam como solução. Sem esperança, antecipavam suas mortes.

Finalmente o povo entendeu o lado dos professores e resolveu se unir para combater o caos no país. Foram protestar conjuntamente. O cartaz mais trazia a seguinte mensagem: - o governo roubou nossa esperança.

25 de outubro de 2017

shoppings e ar condicionado

shoppings e ar condicionado (que ainda são completantes e não excludentes) transformaram aos poucos todos os lugares no mesmo

shopping é tudo igual as cores as mentiras os sorrisos falsos as crianças gritando os pais de olho nos manequins os estoquistas escondidos

as marcas supervalorizadas aquele carro brilhoso pra quem colocar o nome no cupom pra concorrer ao sorteio as tias tristes limpando bandejas

indicadores apontando funcionários obedientes uniforme portas e sorrisos automáticos

22 de outubro de 2017

sem pressa (e pra sempre)

me interessei
pela história de uma pessoa
dessa outra
outra boa
e mais essa
com tempo a ser ouvida
a história interessa?
um tempo para vida
vivida sem pressa

dúvidas

será
será que você está lendo
eu esquecendo
a pontuação
a ponte
e a ação
muitas vezes estando
algumas sendo
levando o gerúndio
indo e vindo e ando
e às vezes do endo

Porteiras

há pessoas mais belas
sem a oportunidade que tive
exatamente por ter
que eu não me esquive
da oportunidade de ser

Unhas encravadas

unhas encravadas
levam a sério o dito
união entre unha e carne
até ficarem travadas
num relacionamento sem charme

Chove

chove
comoção para quem esqueceu
o guarda-chuva
mas quem
move a mão
em gesto de ajuda?

20 de outubro de 2017

stand by

sou um fracasso em modo stand by pra não fracassar de vez só no aguardo pra hora de não ter mais o que fazer

açoites

açoite e noite
são das poucas
palavras que rimam
e achamos pouco
poucas rimam com noite
porque são muitos
açoites
açoites
açoites

novos velhinhos

a gente sonha tanta coisa e de repente deveria ser como os velhinhos que sorriem ter um bingo pra jogar no domingo
ter um xadrez pra jogar na praça duas pernas duas sandálias pra driblar as calçadas falhadas e gastas
umas sacolas de feira uma cadeira de balanço e um cachimbo de madeira

19 de outubro de 2017

A day in a life

A day in a life, canção dos Beatles, música que atravessa, transcende décadas com as características imutáveis (de não mudarem e não permitirem o volume no mudo) do que se considera um clássico, seria trilha sonora emprestada ao nosso programa de rádio desta quinta-feira. Eu observei no roteiro que aparecia visualmente a todos que estavam escalados para disponibilizar informações e opiniões aos apenas ouvintes. Não houve tempo, porque o debate foi estendido pelo Campeonato Brasileiro da Série A, após o empate entre o líder Corinthians e o vice-líder Grêmio. Apenas Billie Jean, do Michael Jackson, ecoou pelas ondas do FM na primeira pausa do programa. A segunda pausa, portanto, foi definitiva para o encerramento da tarde de programação esportiva.

Caminhei algumas quadras no maior movimento transeunte de pedestres pelo centro na agradável companhia do comentarista Gustavo, mesmo nome de meu grande amigo dos últimos tempos. Ele seguiu rua abaixo em direção à sua parada de ônibus para o Fragata enquanto eu tinha longa caminhada de volta ao bairro Areal.

Vario um pouco meus trajetos, mas tenho minhas preferências em ruas. Shape of you, do cantor Ed Sheeran, parece a música mais tocada no oferecimento da indústria cultural em meus fones. Sintonizado pelas rádios que tocam as populares de cada época, essa canção tem sido uma constante. Absorvo algumas frases no que meu entendimento permite. Acredito que tenha bastantes traços de amor, assunto imortal, embora mutável (de mudar e de permitir o som mudo ao que não queremos ouvir).

Tenho 22 anos e praticamente no hablo inglés. Passo por um bar autodenominado como um bolicho, onde há sempre trabalhadores em seus fins de expediente, gente que deve estar a folhar classificados à procura de empregos nesses difíceis tempos. 36, se não me engano, é o número de novas demissões para o porto da cidade, um dos projetos que movimentava a economia local e novamente traz decepção aos antes empregados e estáveis trabalhadores. Não é um baque tão imenso quanto o ocorrido na cidade vizinha, Rio Grande, há alguns anos, mas mesmo assim desemprega pais de família, pessoas com poucas habilitações a novos cargos e batalhadoras desses cotidianos severos e insensíveis.

Passo pelo bolicho. Cervejas conhecidíssimas pelo populismo e preço barato. Ou populares exatamente pelo preço barato. Uma criança sai correndo de dentro do estabelecimento. Filha de um deles, provavelmente. Sigo pela mesma rua, quadra adiante. Estacionamento disputado, vagas acirradas e limitadas para uma padaria bem quista. Segurança de esquina em olhar atento. Tentar parecer gentil com esses profissionais não é promessa de reciprocidade. Trabalham para não sorrirem. É o contrário de animadores de plateia, humoristas, atores de comédia. Nenhum sorriso. Ao menos que o sujeito vá e volte àquela padaria umas 82 vezes. Em número menor aos mais simpáticos. Em número maior para mim e alguns outros.

Adiante, há um restaurante que parece bastante acolhedor. Há sempre pessoas jovens e bonitas. Se há alguém entre o espaço da calçada e após a parede de vidro, é gente jovem e bonita. Nunca estive lá. Me imagino não indo. Me imagino não levando colegiais. Imagino as colegiais falando de garotos. Com seus trabalhos escolares pouco interessantes, dentro das mochilas escolares e aguardando para serem feitos. A idade média dos frequentadores do restaurante que nunca parei para ler o nome não deve ultrapassar os 20 anos. Como varia os horários que eu ali passo, existe a variação de gente almoçando tarde, tomando café vespertino ou degustando aperitivos antes da hora dedicada à janta. Em comum, independente do horário, o sentimento de que não me imagino ali.

Em outra crônica, contei sobre a academia que fechou e virou uma esmaltaria. Transformações do espaço urbano. Livrarias fechadas. Estacionamentos que tomam conta do que eram prédios tombados. Quanto menor o movimento nas ruas que direcionam ao meu bairro e a meu ponto final (em chegar em casa e desta crônica), todo mundo, de longe, é um potencial bandido. Quase me desculpo com alguns que eu possa ter encarado e mantido a dúvida por mais tempo. Será que desconfiam que eu desconfio? Há muita desconfiança. Transformações do espaço hormonal. Já passou, este não é um meliante. Mas e aquele próximo?

18 de outubro de 2017

Just Do It

você precisa brincar com as outras crianças
você precisa respeitar essas regras

você precisa cumprimentar essas pessoas
você precisa estudar esse estudo
você precisa se importar com essa importância
você precisa trabalhar seu trabalho
você precisa transar com outras pessoas
você precisa arranjar uma pessoa
você precisa voltar nessa fila
no mesmo dia do próximo mês
você precisa gozar
a vida
você precisa fazê-la gozar
a vida
você precisa juntar
o que conseguir
você precisa guardar
ali
você precisa morrer
antes da sua antena
desconectar
de vez

Sanduíche de nada

com fome na madrugada
isso é um problema
preciso:
de uma torrada
mas faço:
um poema

16 de outubro de 2017

Outubro

Outubro me reserva
Meus momentos titulares
Minhas lembranças ímpares
Com meus pares
Números primos
Com novos familiares

Lead

Quem morre?
Quando morre?
Morre onde?
Quem ouve
Essas perguntas
Será que socorre?
Será que responde?

Boca de Valores

Minha vida valorizou
Na bolsa de valores
Sabores que eles não entendem
Sentimentos e amores que vendem
Em sonhos capitalistas
E eu, partidarista
De ser parte ao teu lado
Esquenta meu mercado
Contra esta guerra fria
Fomenta meus indicadores sociais
E sobretudo a inestimável poesia

Poemas Órfãos

Poemas órfãos
Que eu, Pai Criador
Não os quis
Não os anotei
E os esqueci

† ✪

Onde morre um poema
Há uma nascente
De um novo esquema
De água corrente

Trincheira

Rasteja
Mas esteja
Onde hás de estar
Hasteia
Nossa bandeira
À altura
Que o mastro chegar
Trincheira
Trincheira
Trincheira
Às vezes
É o único lugar

O Canto do Castelo

Torre no canto do castelo
Ocorre um canto
Tua voz a trazê-lo
Raio de luz da garganta
Quando canta teus versos
Mais sinceros
Revelando universos
Antes imersos

12 de outubro de 2017

A vitrine

A vitrine
Comprime o mercado
Em recortes marcados
No espaço sublime
Propagandas
Donas do mundo
Segundo elas
Em 30 segundos
Outdoors
Confiantes
Cupidos no coração
Dos viajantes
Manequins
Vivos
Se forem precisos
Para esse fim

Milongas

Uma milonga
Que encurta distâncias
Entre a estância
E uma noite longa
__________________

Entre a sonda e a estação
Entre a bomba e o coração

11 de outubro de 2017

Fruto de vosso ventre outubro

Outubro
Bendito é o fruto
De vosso ventre
Entre todas as mulheres
A que eu quero
E tu me queres
Mais lindos nossos
Amanheceres

Outubro
Aceito estar preso
No teu muro
No teu tubo
Se me deres
Vosso fruto
Bendito entre todos os seres
Prazer em te conhecer
Prazer em me conheceres
Pra ser o melhor
Dos seres que eu posso ser

O enrosco na catraca

A revista é completa
Da capa à contracapa
Contra-ataca
Contra nós
A revista que me faço
No epílogo de um dia
E do próximo o prefácio
Nada fácil
Nada fácil
Passar pela catraca
De mais um amanhecer
Amanhã ser diferente
Para estar sempre a viver
O enrosco na catraca
Contra-ataca
Contra nós
Mal arrumo um descanso
A voz em tom nada manso
Indica a etapa
Que é meu ponto de descer

Poema da Insônia

Devia estar a dormir
Ao invés de revistar
O que consegui
Nesse dia em seu findar
Não consegui sair
Dessa revista particular
Dessa fase protocular
A me aturdir
Tumultuar
O ser que mora aqui
Que ainda está
A se virar e sacudir
Ao invés de dormir

SPa de aves

Mercado
Meca do Doria
Serra, o trabalhador
Serra a vírgula da frase anterior
Alckimin
Ao que mintas
E tu acreditas

Perdi tempo pensando em título

O Tempo
Sempre atento
A cada segundo
Gerúndio
Correndo
Às vezes
Disfarçado
Se esgueirando
Feito um gato
Silencioso
Pragmático
Ceifador
Assassinato

Dia adia

Tic tac
Tic tac
Dia adia
Dia adia
Dia adia
Um dia
Acabou a espera
Conseguiu?
Um lugar
Embaixo da terra

O pop é pop

Desconstruo frases que não gosto
Que agora são ghost
Horóscopo
Oração do copo
O papa é copo
O pop é oco
Ocupado no topo

Reggae Linhas

Todas as linhas estão
Escrevendo saudades em vão
Tô cansado de esperar
Que você recarregue
Cansado de esperar
Você
Meu car
Reggae

Pílula

Entreguei minha poesia
Pílula de cada dia
Na língua do povo
Reclamam do verso traçado
Muito grande ou complicado
Refaço a pílula da poesia
Sem a firula que eu faria
Sem contraindicação
Todo mundo se sacia
Tão pequena na tua mão
Mas cuidado que vicia

3 de outubro de 2017

Põe & Siga

Nem toda poesia é enigma
Não é inimiga
Quando falta entendimento
Usa teu conhecimento
Experimentos de vida
Complemento à poesia
Encontre uma saída
Esprema o néctar
Pra que ela te diga
As palavras certas
Que te façam companhia

2 de outubro de 2017

Setembro em Imagens

Foto: Henrique König
Foto: Henrique König

Foto: Henrique König

Foto: Henrique König

Foto: Henrique König

Foto: Henrique König

Foto: Henrique König

Foto: Henrique König

Foto: Henrique König

Foto: Henrique König

Foto: Henrique König

Foto: Henrique König
Foto: Henrique König

A Razão da Ração

Em maio, recebemos a ilustre visita em nossas vidas da gata mais tarde chamada de Mel. Melissa, Melanye, Mercury. Mel. Ela com seus tons tigrados, cinzentos, manchados, por vezes, conforme suas mudanças, arruivado ou alaranjado. Mel - que é o seu som emitido de forma espaçada em diferentes intervalos de tempo e significados que nem sempre nos cabem entendimento. Geralmente por comida ou companhia. Extremamente dócil. Deixa o chamado adjetivo arisco - adjetivo exclusivo aos felinos - para outros. Nem por descuido pode ser utilizado com ela.

Bastante sociável ao que se acostumou a todos os membros da família, sobretudo após sua cirurgia de castração. O momento mais difícil e delicado destes meses todos, pois, além do que consideram um procedimento simples de pequeno corte, Mel estava grávida de filhotes, que tiveram o processo abortivo.

A ideia inicial não era tecer linhas especificamente sobre Mel e seus comportamentos e principais características. Ao que o navegar do ritmo que tomou o texto me obriga a citar suas peculiaridades e surpreendentes artimanhas, quando, em menos de um minuto de descuido, adentrou ao quarto de minha mãe e passou a afiar as unhas no sofá. Em outro momento, aproveitou o estreito espaço de uma fresta na janela de acesso à lavanderia e saltou para dentro do local onde estão guardadas suas rações. Para completar a sequência, toda ocorrida após sua castração, Mel conseguiu subir em uma de nossas árvores com o objetivo de caçar pombas. Pensava eu que só teria chance quando as pequenas aves estivessem no chão, mas nos surpreendeu com tamanha destreza e agilidade, como os gatos costumam superar qualquer subestimação de suas capacidades.

Enfim, a ração. É verdade, a ração. Foi minha ideia inicial destrinchar um pouco do debate acerca da comida que está entre suas favoritas e, nos últimos tempos, como a mais constante presença nas refeições. Como o produto industrial agradou Mel desde seu primeiro contato com ele, minha mãe acreditou que Melissa tinha donos anteriores, os quais a alimentavam com ração. Porém, entretanto, todavia, um pouco possessivo de minha parte em pensar que adotamos essa menina de rua e agora a confortamos com lares estendidos e comida de qualidade. Defendo que o produto industrial da ração imite tão bem os aromas, gostos e densidades das comidas naturais que o animal sente-se sem alternativas, a não ser a escolhida por Mel: comer de bom grado, contente que um único alimento una tantas características que ela considera cruciais para definir seu apreço.

Mel come a ração na quantidade que lhe for apresentada e possível. Limpa a travessa de isopor com mais agilidade do que quando se trata de outros alimentos, os naturais. Não gosta muito de linguiça, aceita galinha e mantém a fama dos gatos de adonarem-se de frutos do mar quando servidos.

Enfim, Mel é das grandes alegrias que 2017 me trouxe. E, no fim das contas, mais agradável falar de seus hábitos e sua importância em nos entretermos, eu a ela, ela comigo, do que comentar do poder da indústria, não é mesmo?


Maior Presente

não precisa do que eu tenho
mas eu quero lhe agradar
como eu fazia um desenho
na infância para algum familiar
datas comerciais, presentes
ausências compensadas
entulhos, embrulhos
doar o que se pode
o tempo, sempre o tempo
ainda é o maior
gift to the god

1 de outubro de 2017

tudo minúsculo

às vezes é bonito escrever tudo minúsculo
sem letras querendo ser maior do que as outras nem o r do rei nem o s da seleção nem o p do país
nem o r da religião