21 de janeiro de 2021

Envolto

Saber que tem gente que sofre mais do que eu no mundo. Isso me tranquiliza só por um instante. Como o estudante que vai com mais gente, acompanhado dos colegas para diretoria. Mas em seguida ampliam-se a náusea e o sofrimento. Sofro junto com os demais. Seus sofrimentos alimentam os meus e servem de bengala para minhas derrotas. Perdido pelo mundo, caminho sem chão e repito como mantra que não vale a pena insistir. Talvez até valha, mas raramente consigo enxergar assim. Lamentos e lamúrias por infindáveis dias. Seguimos.

18 de janeiro de 2021

Mereces

Cecília é a segunda melhor Meireles

Porque antes conheci Vanessa

Seria Cecília

Se de Vanessa eu esqueça


Cecília é a segunda melhor Meireles

Dentre tantos seres com esse sobrenome

Não lembro agora de homens

Mas entre as mulheres

Voto Vanessa Meireles


Cecília é a segunda melhor Meireles

Se ela estivesse na minha cabeça

Entenderia

O porquê de escolher Vanessa

E todavia não Cecília


Cecília é a segunda melhor Meireles

Porque Vanessa eu conhecia

Mas Cecília, como brilha

Brilha muito mais que eles


Cecília, que é a segunda melhor Meireles

Porque quando à primeira te referes

La plus belle

É Vanessa Meireles

Ou isto ou aquilo - Cecilia Meireles

Ou se tem chuva e não se tem sol

ou se tem sol e não se tem chuva!

Ou se calça a luva e não se põe o anel,

ou se põe o anel e não se calça a luva!

Quem sobe nos ares não fica no chão,

quem fica no chão não sobe nos ares.

É uma grande pena que não se possa

estar ao mesmo tempo em dois lugares!

Ou guardo o dinheiro e não compro o doce,

ou compro o doce e gasto o dinheiro.

Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo ...

e vivo escolhendo o dia inteiro!

Não sei se brinco, não sei se estudo,

se saio correndo ou fico tranquilo.

Mas não consegui entender ainda

qual é melhor: se é isto ou aquilo.

12 de janeiro de 2021

Estaba a oír un rock chileno

Estaba a oír un rock chileno
Y ya estoy con rabia de nuevo

No necesito salir de casa
Para escribir un tema
¿Por qué lloras reggae
Si no te ves el mar?

La rabia bloquea mis capacidades
No me encuentro con la ciudad
Las fátias de mi vida
Están muy desencontradas
Si estoy así, no sirvo de nada

Sin embargo me voy
Encontrarme alrededor
Como un barco a navegar
Y más allá me voy
Salir de alrededor
De la seguridad del farol
Con un futuro a descubrir

No necesito salir de casa
Para escribir un tema
¿Por qué lloras reggae
Si no te ves el mar?

Estaba a oír un rock peruano
Y me recordé cosas de hace un año
Cosas que me saltan cuando me voy al baño
Su rostro al espejo a me mirar

Me miré al espejo
Y no hay lo que ver
Si está en mi mente
Y va a trasparecer

11 de janeiro de 2021

Esmagar baratas

Ela estava na parede da lavanderia. Minha mãe suspeita que sempre entrem pelo túnel intitulado ralo aberto da pia daquele cômodo. Seja lá como ela nos encontrara, a barata estava entre o vão da porta de correr e a parede, bem pousada na vertical. Traçamos um plano, chinelo em mãos, para que dali ela não escapasse. Como mesmo fazendo a porta de correr deslizar, a barata deslizava junto, mãe optou pelo spray SBP e ele deu resultado. Fique de brinde a propaganda. A barata caiu tonta pelo lado lado oposto e pude exterminá-la de vez na segunda chinelada, grudando-a ligeiramente ao tapetinho de entrada da lavanderia. Eis seu fim.

A partir da constituição desse homicídio e ocultação de cadáver, com breve lavagem no manchado tapetinho com o corpo da vítima, pensei nas baratas que são assim exterminadas diariamente. Pensei nas que eu gostaria de exterminar e pensei, infelizmente, nas que na verdade são exterminadas pelo sistema diariamente. Não bastasse minha conexão de raciocínios com essa temática, a primeira pessoa que cruzou a última quadra da rua onde moramos foi um carregador de sacos de lixo reciclado, conduzindo seu carrinho de mão com as costas arqueadas, como deve ser feito o movimento, situação que leva muitos a reclinarem a postura até se adaptarem de maneira corcunda. É a reclinação da humilhação, enquanto muitas pessoas reclinam suas cadeiras de praia, na praia ou à beira de piscinas. É o serviço árduo que lhes sobra executar como ganho de vida, por mais quanto tempo nunca sabemos.

No país, os preços sobem, se fala em gás de cozinha em preços acima de 86 reais logo hoje. A previsão para este temerário 2021 é que ultrapassa valores exorbitantes, como até 150 reais. É o fim da classe mais pobre. Mais um dos fins. Como um internauta comentou, se não for para morrer de fome, será tentando fazer o fogo com garrafas de álcool ou como for possível diante de estapafúrdia situação. É o botijão de gás, é o dólar acima de 5 reais e 50 centavos, é a gasolina voltando ao patamar dos cinco reais também. O Brasil definha em vários pontos em uma economia ladeira a baixo. Paulo Guedes talvez nem consiga transformar aqui em caos total do Chile, em projeto extenso de cunho liberal realizado lá. Ou talvez derrube tudo de uma vez de forma meteórica, relâmpago.

As baratas. Guedes seria uma das baratas em que eu teria o prazer de desatar uma chinelada contra. A corja ministerial e governante em vigência, idem. Não hesitaria exterminar as baratas como ato honroso, de justiça, de libertação, de bem-feitoria a todos os necessitados deste extermínio: imensa massa da população. Mesmo que nos asfixiemos com o spray liberado para a caça a esses malditos, seria um martírio em que teríamos tanto a comemorar e saudar o responsável por esse grandioso ato libertador, de renovação, de esperança, de tempos melhores. Ao contrário, vemos os ratos e as baratas se multiplicarem, invadirem nossos bueiros, saírem de nossos ralos, cercando-nos pelo box do chuveiro, pelas pias, pelas panelas, pelas canecas, pelos armários, pelas despensas. Alguns ratos pulam, outros são pegos, mas o sistema segue em pura manutenção. Até quando será assim? O 2022 terá poder de reação propício para o que necessitamos? Por quanto mais tempo aguentaremos? Fingiremos aguentar, enquanto há quem assim não possa, carregando carrinhos de mão pesados, perdendo benefícios, oportunidades, sendo soterrados em tremendo e edificante genocídio?

Estamos cercados, nosso spray em mão hoje não basta, precisamos de muitos exterminadores, precisaremos novamente das ruas. Jogo de xadrez entre a salvação de casos em pandemia a transcorrer e reformas políticas urgentes. Pressões e manifestações para impeachment. Até quanto mais suportaremos? Contra as baratas, enquanto fingimos que está tudo bem ao limparmos novamente nosso tapetinho de entrada, mas de onde não me sai da memória o ser ali antes esmagado. O cadáver pútrido em decomposição. A junção das ideias que não me alivia nem me deixa em paz.

Outras vezes penso que sou a própria barata. E quem não somos? Por vezes, embora haja casos que mereciam mais ser esmagados e há casos que estão sendo diariamente, urgentemente esmagados, sou eu quem está entre a sola do chinelo e o tapete de entrada. Entre a parede da lavanderia e a porta de correr. Sou eu, sou eu quem ocupa o cargo de inseto, de salário afrontoso, de resistência aos percalços, de prisão em minha mente que me oprime mais do que as baratas do poder.

Só por vezes estando no lugar das baratas todas para desatar esses nós e transcorrer essas linhas. Agora estou suando. Entre meu sangue quente humanista e meu sangue frio de barata.

1 de janeiro de 2021

Perdão às andorinhas e gaivotas e maçanicos

Após assistir ao filme de Manou, a Andorinha, animação que me parece ser de origem alemã, com direção e produção e um impacto coletivista interessante para o imaginário de crianças, jovens e quaisquer pessoa, tenho observado algumas revoadas, bandos cruzarem o céu. Liberdade deles, livres de impostos, tarifas, custos, ordens e horários. O instinto e o pacto do bando a favor dos indivíduos, conjuntos que planam com a beleza de suas asas. Eles nos sobrevoam enquanto buscamos ganhar a terra, um pedaço para chamar de nosso ninho, protegê-lo dos demais, nos isolarmos em algum canto, contra os furtos de fortunas e contra a pandemia vigente. Para ganharmos os céus só por meio dos aeroplanos tecnológicos, cujo conseguimos adentrar através de passagens aéreas caras, fora de nossos orçamentos, também por conta da logística de dias de trabalho e férias. Há também as imagens de satélite chegando para nós através da imensidão. Mas aí estamos presos diante da televisão, sobre as almofadas do sofá da sala de estar.

E os pássaros acima de nós. Manou e as demais andorinhas, seu irmão gaivota e as demais gaivotas (Manou era adotado). Da minha cadeira de praia no interior de nosso restrito pátio, cercado pelos muros e cercas elétricas, olho para os bandos enquanto nossa gata, Melissa, me faz companhia, deitada sobre o piso que considera mais adequado para suportar o calor do verão nesta virada de ano. Por uns instantes, cometo a heresia de admirar mais aos pássaros do que à preferida Memel, nossa companheira desde 2017. Entre bocejos e semicerrar de olhos, Melissa encontra o mundo dos sonhos, enquanto me pairo a reflexões.

Conversava mais cedo com uma professora de Nutrição que está na Costa Rica sobre a condição dos latino-americanos terem melhores noções de coletivismo do que a ilha brasilis, na qual vivemos. Enumerei alguns pontos, como desde as origens com a vinda dos europeus, a demora pela independência e a prorrogação do período escravocrata até muito recentemente. Como a população ainda não parece associar a força que possui, as possibilidades, os lugares que merecem. As relações ainda parecerem muito trancafiadas e hierarquizadas, entre patrões/senhores e funcionários do proletariado. As noções faltando. A consciência de classe em falta. A consciência dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras, as conquistas operárias, tudo isso muito distante do entendimento. Nosso sistema educacional que não aborda esses direitos, as influências externas (principalmente dos Estados Unidos) que nos complexam e nos encaixotam como vira-latas. Nossa extensão territorial e a desarmonia entre as regiões, a falta de unidade para garantir a luta e as vitórias que dela poderiam surgir. Estamos tão distantes.

Enquanto isso se recolhem Manou e as andorinhas e as gaivotas acima de mim. O maçanico do banhado também em formações negras no céu. A leitura do final de tarde é do livro Troca d'Armas de Luisa Valenzuela, uma argentina sobre o período conturbado da ditadura militar em seu país. Protagonismo na cabeça de personagens mulheres sobre como enfrentam os complexos da época, seu espaço, suas lutas, seus amores, suas vivências. Luisa é uma exímia escritora, fácil de se elogiar, difícil de digerir, tamanha qualidade do que transpassa para o papel. O livro me parece raro, tive que cadastrá-lo no site Skoob. Espero que mais pessoas acompanhem meu futuro julgamento de cinco estrelas para sua obra. Pelo incrível que pareça, o livro tomei de escolha após um início insatisfatório, quanto ao ritmo apenas, tomara, de Dou Por Vivido Tudo Que Sonhei, da também sul-americana, porém chilena, Isidora Aguirre. É a procura pelas vozes de nossa América através da crítica social. Escritas sensíveis, mas que apresentem conteúdos denunciadores, contextos sociais efervescentes, turbilhão de sentimentos em ebulição - no momento desta escrita fervidos com o disco das melhores dos norueguesas do A-Ha.

De volta para a professora de nutrição, ela acompanha meu raciocínio e ratifica que os fatores do individualismo brasileiro são mesmo os que apresentei. Deve haver tantos outros, obviamente. Nós lamentamos ambos com a novidade do primeiro dia do ano tendo sido um (mais um) vídeo irresponsável do atual (ó, céus, por quanto tempo? quero voar com as andorinhas e gaivotas e maçanicos) presidente da república. Ele salta de barco e sai a nadar em direção a banhistas, onde é muito bem recepcionado pela desgraçada cena. As aglomerações nas praias durante a pandemia colocam em xeque meu pensamento positivo sobre elas. A natureza segue bela, formidável, quanto mais intocável melhor. A humanidade a tudo polui. Além das embalagens e bitucas de cigarro, a novidade é a troca constante do contágio pelo novo coronavírus. Os mares e seus habitantes, as andorinhas, as gaivotas e os maçanicos que nos perdoem. E me deparo a finalizar a tarde com o declinar da noite e o pensamento que logo a espécie humana se extinguisse, esses pássaros tomariam conta do ambiente. O mais incrível parece que seguem sobrevivendo, levando jeito, se reinventando apesar da presença humana. Enquanto não destruirmos de vez o planeta, muitas dessas espécies seguirão planando sobre nossas cabeças. Outras, mais restritas a ambientes dizimados como o Pantanal não terão a mesma sorte, mas novamente que nos perdoem as andorinhas, as gaivotas e os maçanicos do banhado.

Às vezes enfrentamos os demais, às vezes nos refugiamos. Constantemente atacamos a natureza e naturalmente ela nos contra-ataca.