30 de abril de 2022

A dívida

Foi encontrado o corpo na rua, no centro de uma pequena cidade interiorana. Calcularam que ali caiu pela noite, mesmo sem precisar o horário. A temperatura e demais características corporais indicavam isso. Talvez alguma câmera de vigilância possa demonstrar o momento exato. Cena forte se forem exibir em algum noticiário. Mas ele não era importante o suficiente para sua morte aparecer assim em horário comercial na televisão. Morreu quase no anonimato. Quase, pois estava com as comprovações de identificação na carteira.

Descobriram sua filiação e que seus pais já haviam morrido há alguns anos. O tiveram quando já eram velhos para ter filhos. Buscaram mais algumas identificações. Não exercia a profissão de biólogo, mas possuía a carteirinha do Conselho Regional de Biologia. Uma dúvida que pairava é se o infarto fulminante o levara tranquilo ou preocupado. Muitos jovens até sonham com essa morte. Quem sabe morrer dormindo? Afogado ou consumido por incêndios ninguém quer nessa loteria. Apesar do infarto, que, quanto mais jovem, mais acomete, ele possuía uma expressão dolorosa na face. Se o conhecessem mesmo como o conheci, saberiam que essa expressão havia se desenvolvido em sua face já havia dois pares de anos.

O legista era jovem também. Na profissão. Se formou em medicina aos 32. Aos 34 assumia no hospital esse cargo havia apenas dois meses. Nunca tinha visto cadáver tão jovem. Achou algo de familiar naquele corpo que agora essa companhia naquela madrugada de maio, mais fria do que o habitual para época. O legista se chamava Pablo. Seria possível que seus pais nem soubessem da origem hispânica do nome, mas Pablo era Pablo e não Paulo porque sua mãe era argentina. Da fronteira, mas era.

Pablo pediu ao plano de saúde, vencido há cinco meses por falta de pagamento, informações sobre o biólogo não praticante. Queria saber porque aquele jovem era vítima do infarto que o aquietou para eternidade. Não poderia ser vítima de mero acaso na roleta das sortes. Ou poderia.

Se constituíssemos os passos do jovem biólogo (não-biólogo) de 26 anos, descobriríamos que desceu de seu apartamento (menos inadimplente do que o plano de saúde, mas também em atraso) e se arrastava pelas ruas noturnas e desertas daquele pacato município. Tinha como uma de suas filosofias não fazer barulho, então talvez os vizinhos do apartamento praiano pensassem se tratar de alguma emergência canina para usar o jardim, ou de algum dos vizinhos necessitados de exercitar na praia, espairecer a mente, etc. Mas ele tentava contato para algum motorista socorrê-lo. Não conseguiu. Na verdade havia apenas três vizinhos no prédio naquela noite, sendo um casal. Se dava bem com nenhum deles. Os demais haviam voltado para suas cidades natais ou alguma visita a familiares. A garagem estava deserta naquele pátio que, tomado pela escuridão, em aspectos lembrava um frigorífico.

Para sair pelo portãozinho que rangia já se arrastava. Pelo arrastar da passagem metálica os poucos ouvintes poderiam imaginar que se tratava de um passeante com cachorro ou corredor fitness. Nada disso. Ele se arrastava. Pé ante pé sem saber qual seria seu último passo. Presenciava a calçada de forma turva e repleto de flashbacks.

O legista não poderia saber disso. Mas queria entender o que acometia aquele jovem desafortunado, mais jovem do que ele. Mais jovem do que qualquer cadáver que havia lhe parado nas mãos. Ele se acostumando a mandar para funerária os aposentados que curtiam mais ou menos tempo de recursos repassados pelo governo.

Pablo lembrou de um problema que o havia buscado e encontrado aos 25 anos. Portanto, nove anos atrás. Isto antes dele completar o terceiro período de Direito. Antes de ver a vida com outros olhos. Os mesmos, evidentemente, mas sejamos licenciados poeticamente. Com esses outros olhos, sentiu-se salvo e quis salvar mais gente. Procurou outra possibilidade que a família bem abastada financeiramente concordaria: a Medicina.

Tomado pela decisão de agradecer pela nova oportunidade que lhe fora dada, estudou mais um pouco e voltou ao frenético (cada vez mais) ritmo dos vestibulares. Passou em Medicina em uma modesta posição que não ocupava destaque nem inveja entre os companheiros e companheiras. Mas assim conduzia sua jornada de remissão e ao mesmo tempo agradava a exigente família, tanto do lado brasileiro quanto do lado argentino.

Ao trabalho solitário daquela noite em que as lâmpadas falhavam, Pablo fez uma incisão em uma parte íntima do corpo do jovem biólogo. Fez outra incisão. Ensandecido, fez mais outra. Fez o quarto riscado e congelou seus olhos, aqueles mesmos mas diferentes olhos dos tempos de Direito. Olhou direito. Observou por outro ângulo. Olhou medicina. Levou um susto. Não queria crer na coincidência. Aquela verdade que ele relembrava, que o atormentava em noites sudoríparas, mas que já, à essa altura enquanto legista, salvando ninguém, defrontando-se só com mortos, ele queria esquecer.

Largou o bisturi ensanguentado. Viu mais do que supunha ou deveria. Mas ao mesmo tempo era tomado, desde antes do decisivo corte, daquele remate em direção à verdade, ao mesmo tempo era tomado pela adrenalina do reencontro com a pior fase de sua vida.

O jovem médico legista, ex-estudante de Direito sofria neurologicamente a partir do nervo pudendo. Sempre que pesquisava, ainda enquanto aspirante a advogado, se deparava que o problema era mais comum em mulheres. Mas ele tinha urgência em descobertas. Rodou médicos até a confirmação de seu diagnóstico. Entre as primeiras dores da lesão até a sentença e a fisioterapia que lhe salvou a vida (ele não entendia como) passaram-se meses de apreensão e soterramento de seus estudos presenciais na Faculdade de Direito. Jurou que se escapasse dessa faria Medicina para ajudar pessoas nessa específica e rara situação. Nessa e em outras derrocadas.

Durante aqueles meses todos, imaginou pelo quê havia passado o jovem biólogo. Dores na região pubiana. Perdas alternadas na sensibilidade dos testículos e do pênis. Diferença da pressão anal. Sensações nervosas alteradas pela medula. Sensação de dormência e formigamento dos nervos trigêmeos, do rosto. Sensação de flacidez nos músculos. Perda e alteração de massa corpórea. Alteração na sensação cutânea por todo o organismo. Hiperativação das glândulas responsáveis pelo suor. Irritabilidade. Má absorção de vitaminas. Fraqueza nos membros inferiores, mas também nos posteriores. Dificuldades sexuais. Hiperaudição. Tilintar nos dentes. Sensação do corpo tornando-se borracha. Confusão mental à primeira cerveja. Depressão por esta salada de sintomas. Talvez mais alguns sintomas que perderam-se no curadouro do tempo, que o afastava da época mais nefasta de sua vida.

Eram sintomas que poderiam estar esquecidos, guardados a sete chaves até aquela hora, mas voltariam em formato de pesadelos em alguma desavisada noite. Voltaram no corpo do biólogo de 26 anos, pairado inerte na maca à sua frente. Ele juntou o bisturi e tentou desligar os pensamentos naquela câmara frigorífica. Ele engoliu em seco e olhou nos olhos sem vida do companheiro de raro acaso, temido ou inimaginável problema. Lembrou os longos meses em que nada sabiam sobre seu adoecimento. Engoliu novamente em seco. Piscou profundamente os olhos. Ao voltar a abri-los, notou que era ele quem estava sobre a maca.

O companheiro de turno já havia ido para casa. Nem conhecera o famoso biólogo daquela madrugada. Ele olhou ao redor em vão. Havia mais ninguém com ele num raio de muitos e muitos metros. O equivalente à mais de quadra se somarmos os degraus todos até aquele setor isolado. Ele voltou os olhos incrédulos para sua própria imagem nove anos mais jovens.

Os olhos sem vida do rapaz, agora os seus próprios olhos castanhos, tomaram alguma expressão. Pareciam mais escuros, com alguma reação, mas pouco vívidos. Pareciam vindos do além. Os olhos responderam à inspeção antes feita somente por Pablo. Ele deparou-se com aquele impossível enigma. Era como se tivessem colocado um espelho abaixo dele. A diferença estava na nudez de seu cadavérico corpo nove anos mais moço. Ele que havia juntado o bisturi deixou-o cair novamente. Toda essa narração passando-se em sutis instantes.

- Você tem uma dívida. Vim lhe buscar. - Disse o Pablo de 25 anos.

Fazendo as malas

Sinto agora que me aproximo de minha morte. E é tão triste percorrer esse trajeto, que ameaçava ser de forma voluntária, pela maneira involuntária que buscam as vítimas.

Antes de mim ainda irão alguns. Mas creio que a fila diminuiu bastante. Não sei se volto para trazer mais notícias. Qualquer publicação desse espaço maldito que gere algum ganho financeiro (risos), gostaria que este fosse encaminhado a meus pais ou a instituições de acolhimento de crianças ou idosos.

Ou para salvar algum enxerto de natureza. É para lá que eu vou. Se é que vamos a mais algum lugar. Câmbio e desligo.

27 de abril de 2022

Março

Chegaram

As águas de março

E o que eu faço?

Fumar um março

Um março 

Para uma fêmea 

Ou um março 

Para um macho

Um março

Na nossa história

Março as pessoas

Se for preciso


Março

Fugir para o março

Longe das pessoas

Perto dos bichos

Há março

E jogo no lixo

Março em frente

Caminho distante


Há março

E jogo fora

Já não esquento 

Já não dou bola

Março ainda esquenta

Águas de março

Antes de abrir

Abril

22 de abril de 2022

Santa Catarina - Fotos 2022

Há muito tempo sem publicar fotos aqui


Imaruí (SC) - Fotos: Henrique König

Imaruí (SC) - Fotos: Henrique König

Imaruí (SC) - Fotos: Henrique König

Imaruí (SC) - Fotos: Henrique König

Imaruí (SC) - Fotos: Henrique König

Imaruí (SC) - Fotos: Henrique König

Imaruí (SC) - Fotos: Henrique König

Imaruí (SC) - Fotos: Henrique König

Imaruí (SC) - Fotos: Henrique König

Imaruí (SC) - Fotos: Henrique König

Imaruí (SC) - Fotos: Henrique König



#### PRIMEIROS RASCUNHOS ##### 2015



Um abraço aos involuntários da pátria, que poucos lembram.



Paraíso é subjetivo. Subjetivo é para isso.



Tenho alguns algo a mais, mas não tenho o básico.



Cotações Selvagens

Antes de ser o último álbum (a que tenho conhecimento) do Wander Wildner, Coração Selvagem, com design muito semelhante, foi filme do polêmico e ousado diretor estadunidense David Lynch.

Muitas vezes me pego pensando nas relações estabelecidas no mundo e no mundo da arte, especificamente. Quem inspira quem? De onde saem tais referências? Me sinto muito inteligente quando capto, embora muitas vezes seja apenas questão de ter acesso. Nada a ver com a capacidade de estabelecer a conexão. Quando desconheço ou quando desconhecia, me sinto limitado. Somos duros demais com nós mesmos.

Me pego pensando também que muitas vezes as referências são mais óbvias. Eu, por exemplo, gosto muito do filme Forrest Gump (1994). Fiz até trabalho da faculdade sobre. Aliás, quando me debruço sobre assuntos recorrentes a mim, me sinto trapaceando, o que é errado. No fundo, parece correto explorarmos temas de nosso conhecimento prévio. É importante. Claro, sem perder de vista que podemos nos aventurar em novos temas, desafios mais distantes.

"Para alimentar o seu coração selvagem.

Para alimentar o seu coração selvagem."

Meu coração selvagem procura filmes e livros fora dos mais vistos e dos mais vendidos. Faz parte da sede por descobrimentos. Por explorar algo que os demais não tenham acesso. Sou muito movido dessa forma. Reconheço que seguidamente é solitário, pela falta de com quem debater. No meu blog é comum eu trazer referência a livros de traduções mais raras ou do cinema latino-americano ou do leste europeu. De certa forma, ponho para fora as reflexões que desejo estabelecer sobre essas obras apreciadas e procuro fomentar a vontade dos leitores em buscar casos semelhantes. Ao me pedirem dicas de filmes ou livros, não hesito em deixá -las.

Minto. Sempre hesito, porque assisto a tantas obras que minha primeira reação sempre é de parar e tentar trazer da memória o melhor que tenho visto. Orgulhosamente os temas também são muito variados. As pessoas são distintas. Há temáticas de ação desenfreada, roteiros vencidos e requentados que não me chamam atenção. Ao passo que as missões estritamente filosóficas, as aproximações com a vida real que muito me saciam podem aporrinhar a opinião alheia. Aí eu sinto muito.

Gosto de explorar os processos antropológicos, os limites da mente humana, os desafios da vida real nas páginas dos livros e nas telas em filmes. Quem procura por ficções que muitas vezes fogem do meu interesse pode se decepcionar com minhas dicas. Mas busco ser bastante autêntico, honesto e reflexivo, a cada análise e a cada conselho. Disso espero não reclamarem. Assim me justifico.

De alimentar o Coração Selvagem que me coçava a começar esse texto, lembro aqui do documentário Super Size Me, popularmente conhecido como A Dieta do Palhaço - em alusão ao Ronald McDonald. Vejam bem, aqui está um exemplo dos próprios Estados Unidos. Bom para vocês? Pois este documentário tenta, no início do presente século, detonar com a abastada fama das lanchonetes, em especial o McDonalds. O personagem principal e diretor propõe a si mesmo o desafio de comer somente na lanchonete mais famosa do mundo durante um mês. Os resultados contra sua saúde são alarmantes, embora não o suficiente para desmanchar o hábito do fast food, que só cresce pelo planeta.

Me chamaram a atenção alguns dados, como na época haver 58 restaurantes McDonalds em Nova York. Ao passo que não me deixou de surpreender o dado de que os nova iorquinos caminham, em média, uma boa quantidade de quilômetros por dia. Menos mau nisso tudo. Enfim, sobre o documentário, vi algumas análises negativas em sites 'especializados' em criticar. Por outro lado, eu procuro ser bastante defensor dos documentários, porque entendo suas limitações de orçamento, principamente quando criticam os verdadeiros endinheirados orçamentários, e também entendo a importância dos temas trazidos à tona. A luz que procuram jogar sobre os cegos olhares da sociedade.

Dessa maneira, defendo o Super Size Me, por questionar a chamada epidemia de obesidade nos Estados Unidos, criticar a indústria cruel da propaganda e, de certa forma, se preocupar com a saúde daquela e das próximas gerações. O autor procurou entrevistas com autoridades, buscou saber dados das lanchonetes, expor a indústria comandada pelos lobistas, a indústria da publicidade desvairada e incontrolável e o impacto nas escolas e na saúde dos jovens. Tudo isso intercalado com a sua proposta de, a cada dia, tentar somente se alimentar com os lanches nada ou pouquíssimo nutritivos desse verdadeiro e avassalador conglomerado.

Alguns procuraram diminuir o filme por uma ou outra colocação que fugiria do considerado bom padrão do politicamente correto. Acredito que algum deslize que venha a ocorrer nessa questão não diminua o tamanho e a importância do documentário. Uma exposição que certamente preocupou, mesmo que por limitado espaço de tempo, os donos da barganha, das mentes e dos corpos, dos Estados Unidos e de seus mais ou menos controlados quintais. Concluo após assistir a essas assustadoras exposições que, novamente, fica a impressão da tal liberdade defendida nos Estados Unidos suterrar a saúde de seu próprio povo. Além de, é claro, influenciar em uma derrocada dos seus "ali(en)ados" países.

Me refiro assim porque é recorrente pensar na destruição do povo dos Estados Unidos através das epidemias de drogas, como heroína, que matam dezenas de milhares de pessoas por ano, além de outras drogas, regularizadas ou não, à venda em farmácias ou não, além do conhecido álcool, bem acessível a nós brasileiros, e além obviamente das milhares de mortes anuais por armas de fogo, de homicídios a suicídios. Embora aqui eu não traga imediatamente dados dessas mortes todas, todos esses números são facilmente acessíveis na internet. Mortes por heroína, embriagados na direção ou armas de fogo que disparam e sepultam.

Soma-se a esses problemas crônicos na sociedade dos EUA, a quantidade absurda de sódio e gordura trans e outras consumidas pelas pessoas diariamente. Silenciosamente agindo em seus corpos. Modificando-os, interna ou externamente. Riscos à saúde. O barato que sai caro. A comida rápida que vagarosamente os leva aos mais diversos problemas. Diabetes, safenas, cálculos renais. Muita coisa acumulada no organismo.

Enfim, acredito que os homens à frente de seus tempos, David Lynch e Wander Wildner dimensionem que muito além dos corações selvagens está o capitalismo selvagem dessa maneira algoz e matreira, agindo na autodestruição da nossa espécie. Ah, certamente eles sabem disso. E quem mais lucra com isso também sabe.

21 de abril de 2022

Aqui jaz a juventude

Eu achei que duravam mais

os tais vinte e poucos

Veja bem, eu imaginava

Mas a verdade é o que te conto


Crises de saúde, exames lombares

Hospitais e sufocos

Injeções de vitamina

No futuro insulina

Ou outros farmacológicos


Eu achei que duravam mais

os tais vinte e poucos

Veja bem, eu imaginava

Mas a verdade é o que te conto


Eu me sinto velho 

Quando me tiram a saúde

Eu me sinto estéril 

A caminho do ataúde

Nenhum grito, nenhum berro

Pra fazer com que isso mude


A idade já diziam ser mera convenção

Número para controles burgueses

Através da certidão 

Muitos dirão "mas você é novo"

Cagando opinião

Mas eu me sinto velho

Quando me tiram a saúde

A cama de hospital, o sono, o soro 

Aqui jaz a juventude


Eu achei que duravam mais

os tais vinte e poucos

Veja bem, eu imaginava

Mas a verdade é o que te conto



19 de abril de 2022

18 de abril de 2022

Nesses dias cinzas

Um pássaro esgravota no telhado vizinho. Não sei o que ele procura, mas ele encontra. Ele é mais bem preparado do que eu.

Me tornei um adulto frágil. Tão frágil quanto meu guarda-chuva pelas esquinas de ventos imponentes da rua 15 de Novembro. Ele enverga, se dobra todo. Eu ando corcunda, tentando passar despercebido pelo mundo.

O pássaro consegue o que procura e voa para outro telhado ou para seu ninho, para onde deve ir. Eu não sei o que procuro, não sei se consigo e continuo a vagar envergado, dobrado pela umidade e chuviscos da rua 15 de Novembro, desviando das pessoas protegidas pelas marquises, recolhendo meu guarda-chuva no espaço estreito entre as paredes e os postes. Cuidando os novos sinais de trânsito que indicam quantos segundos nós temos. Sem saber quanto tempo temos nesses dias cinzas.

6 de abril de 2022

Jogo Jogado

O Carpe Diem contra o Cadavérico.


Vamos sorrir pelas vitórias de hoje porque há o conformismo de suas finitudes. É até empírico que o outro lado vencerá no final.


1 de abril de 2022

Até a Hora de Parar

O tempo passa

Como qualquer um sabe

Como qualquer indivíduo percebe

Cedo ou tarde

Longe ou perto de sua sede

Por fatos que comprovam 

Mais fácil ou mais difícil o que se mede

Mas percebe


Que o tempo passa

O caminho retrospectivo da memória 

Se torna mais longo 

A bagunça é maior 

Demoramos um pouco 

O que estava ao redor 

Agora é só um ponto 

Distante talvez oculto 

Outro mundo

Inalcançável porque - já passou


E o tempo segue a passar

O trem apita na madrugada

Faróis na estrada - luz alta

Logo passa na devolução 

Da escuridão que se alastra

Por todos os lados até a alvorada

A luz que penteia o relvado

E diagnostica sem sombra

De dúvida 


Que o tempo passa

Que os bois que pastavam agora são

Carcaças; que quem os governava 

Já não ameaça mais o mundo 

Porque se fundiu com a terra 

Partiu - sem assinar acordos em Genebra

Sem combinar com os demais habitantes

Microscópicos nos submundos utópicos 

Que não enxergamos e mesmo assim

São nosso destino - a todos humanos

Entra ano e sai ano em calendários 

Gregorianos nas paredes e nas telas 

De smartphones e alofones que pronunciamos

Sem saber as regras da morfo ou da fono

Logia - magia que as cordas de movimentos vocais 

Pronunciam; e anunciam 

Enquanto tenho lenha para queimar

E vocabulário a gastar: poesia



O Trem Partiu

Trem,

O Nicolau Fico é tua casa

Por onde tantos jogadores

Tanta gente passa

E és eterno


Acompanhaste o Farroupilha

A cada verão, a cada inverno

Contigo a bandeira de três cores

E a paixão por onde fores


Trem,

Construíste os teus próprios trilhos

Pelo futebol gaúcho, um andarilho

Tua estrela guia é o Farroupilha

Teu amor por ele o mais lindo filho


Pelo Nicolau ficas na história

Na memória do campeão por 100 anos

Pela paixão, pássaro ufano

Mais vale um amor do que 100 glórias