26 de fevereiro de 2018

Funestos do Ofício

Por vezes tenho vergonha de algumas manias. Em outras eu acabo mencionando-as como forma de assunto. Por exemplo, antes de escrever este texto eu posiciono a caligrafia do site para Verdana e assim vamos até o ponto final. No próximo texto, provavelmente vou seguir a mesma regra. E talvez um dia eu mude. É o que posso conferir sobre essa temática por enquanto.

Multiplicam-se nas ruas as pessoas que catam lixo para trocar por mais um pouco de sobrevivência. Multiplicam-se os textos em que menciono isso. Multiplica-se o fato de que observá-las nessas condições desumanas me deprime fortemente. São velhos sem emprego e sem outra renda. São famílias inteiras dependentes. São crianças algumas dessas pessoas. A cidade, o estado e o país conferem o tríplice abandono. Outro dia, uma charrete cruzava o centro conduzida por um jovem colorado e um jovem usuário de camisa do Farroupilha. Raridades nos atuais tempos.

Também multiplicam-se os assaltos a celulares. Passei praticamente um ano com um muito antigo que apenas sintonizava rádio como forma de entretenimento quando eu saía a pé de casa. Tenho receio de encontrar novamente um assaltante como encontrei em uma madrugada de um descuidado fim de janeiro. O preço pago foi andar com o celular velho durante o ciclo anual seguinte e somente agora retomar um aparelho mais convencional às minhas atividades jornalísticas e de forçada socialização.

A cor que eu mais reparo nos fones de ouvido pelas ruas é a cor branca. Justamente a cor de meus fones. Será que são mais visíveis? É possível, pois sei de fones de ouvidos de diversas cores ou mesmo a simplicidade dos pretos. Outras pessoas não estão usando fones e gritam no celular por áudio ou ligações. O áudio não deixa de ser uma ligação, no ato de ligar. O áudio não deixa de ser uma chamada, no ato de chamar. Mas vocês entendem as diferenças.

Capto alguns assuntos na rua e tento lembrá-los depois. Às vezes surgem pérolas sobre perdedores de chaves, pessoas com contas a pagar, marcação de encontros, gente que espera outras para jantar ou caronas mal combinadas. É interessante ouvir. Uma criança acompanhada da mãe estava com o cabelo azul e um cheiro esquisito, provavelmente de algum produto, talvez o responsável pela coloração atípica de seus pelos. Esqueci de driblar as lixeiras abarrotadas em uma rua perpendicular a 15 de Novembro. Não recolhem o lixo há tempos por ali e um pouco está pela calçada. O cheiro é desagradável, é claro.

Meu cabeleireiro admira o zagueiro argentino do meu time. Afirma que só assiste aos jogos do meu time por causa dele. "Joga como eu gosto." Ao mesmo tempo, ele conhece e se dá bem com a pessoa mais desprezível das que trabalham comigo. Ao mesmo tempo dei a sorte de cortar o cabelo no dia em que ele selecionou previamente uma playlist de rock. Uma das primeiras que identifiquei foi a voz do vocalista do Iron Maiden. Logo depois vieram outras ótimas canções, entre elas Losing my Religion do R.E.M., que tocou na rádio esses tempos por intermédio de nosso conhecido em comum, além de Beds are Burning, clássico dos anos 1990 do grupo australiano do Midnight Oil, do qual tenho um disco em casa. Foi merecidamente a música de maior sucesso da banda. Injustamente a única conhecida pelas pessoas por aí.

Um prédio histórico de esquina na cidade está sendo completamente reformado. Tomei um ou outro susto em algumas dobras de esquina nessa caminhada. Será que ando mais distraído ou apenas a presença repentina simplesmente surpreende? É sempre desagradável invadir o espaço pessoal do desconhecido, com o risco de pisar-lhe o pé ou te pisarem o pé, ou mesmo trombarem, tentarem inutilmente ocupar o mesmo espaço na contrariedade às leis da física. Tropeço em algumas calçadas mal conservadas. Já comentei em outros episódios que elas pioram em direção ao meu bairro. Como muita coisa piora, certamente devem pensar.

Na rua do partido político que tenho sido procurado e, tão logo, eu procuro, há muitas funerárias. Um cheiro forte de cigarro por toda parte. Prédios antigos e baixos, colados uns aos outros, revendas de moto, pizzarias, tudo muito bizarro. Contornei um carro de funerária que estava estacionado sobre a calçada e ocupava toda a passagem que eu gostaria. Mesmo tão magro, me espremi entre a parede e o porta-malas, na dúvida se aquele era um dos veículos que transportavam mortos, caixões, caixões com mortos, etc. Desagradável.

Enfim, cruzei com a morte e cruzei com a vida. Ainda com a morte, algum desconhecido geral se encontrava deitado sobre a calçada ao lado do estádio da área mais central da cidade. Despreocupado com o horário e, logicamente, com o que iriam pensar daquela cena. Alguns têm pena, outros gostariam de descarregar uma camaçada de pau no sujeito e outros ainda apenas contornam o corpo estendido, improvisam pelo meio da rua. Quem sabe? O que não muda é que ele continua ali no chamado horário comercial. Do outro lado da rua, muitas vezes fui abordado por jovens ou mesmo adultos, como dizem? À flor da idade? Pedindo moedas. Geralmente bato nos bolsos e sinceramente lhes mostro que não tenho trocados em níquel. Fazer o quê?

Nos encontros com a vida, um jovem casal, adolescentes que não cruzaram a maioridade, caminhava uma quadra à minha frente ainda pela mesma rua e puderam ser alcançados pelos meus passos através das paradas em que uniam seus lábios sem muito pudor. Eu tento passar impassível, mas eles sabem que chamam a atenção. Ou são casais constituídos recentemente ou claramente possuem esse objetivo de chamar atenção. Ou são as duas opções. Os ultrapasso e sigo a mesma rua. Sempre em frente.

No fim do trajeto, uns velhinhos agora deram para o hábito de estacionar suas cadeiras de praia sob as árvores que lhes fornecem a estimada sombra. Fica em frente a uma grande casa à venda, na quadra onde eles moram. Do outro lado da rua, muitas vezes, está sentado um sujeito magro que já se assemelhou mais a meu pai. Pela casa dele, gatos exibidos percorrem despreocupadamente o caminho estrito da superfície sobre os muros. Trapezistas natos. Conto no máximo dois felinos. Por vez. Talvez sejam mais. Cumprimento ao dono da casa e aos velhinhos sempre que os vejo. Não tenho assunto a mais com eles além de um cordial aceno. E não tenho mais assunto para com vocês dessa vez. Encerro como Raul Seixas encerra a canção Eu Também Vou Reclamar: - e fim de papo.

morg

morg
teu olhar sobre
é um voo nobre

morg
ong
nesse mundo ciborgue

nesse mundo pobre
you' re a song
morg is morg

nesse mundo pobre
you're only one
dog eat dog

23 de fevereiro de 2018

reticências

finitude é um zíper chegando ao final
definitivo e cortante
o eco desse vocal
______________________________________________________________________

reticências são pontos
seguindo outros caminhos
partem do mesmo encontro
e migram do seu vizinho
______________________________________________________________________

reticências são tudo
menos retas
são projetos be(s)ta
sem escudo
e sem profeta

21 de fevereiro de 2018

Janeiro em Imagens - Praia do Mar Grosso

Laguna (Foto: Henrique König)
Solitário (Foto: Henrique König)

Laguna (Foto: Henrique König)

Solitário (Foto: Henrique König)

Passeio (Foto: Henrique König)

Flowers (Foto: Henrique König)

Beleza e perigo (Foto: Henrique König)

O velho e o novo (Foto: Henrique König)

Beleza Oculta (Foto: Henrique König)

Rock City (Foto: Henrique König)

Quadricolor (Foto: Henrique König)


Habitável (Foto: Henrique König)

O verdadeiro significado de tanto faz (Foto: Henrique König)

Isolamento (Foto: Henrique König)


Bela vista (Foto: Henrique König)

Laguna (Foto: Henrique König)

Futuro (Foto: Henrique König)

Laguna (Foto: Henrique König)
Last (Foto: Henrique König)

quanto mais atemporal a poesia
vai ajudar em mais e mais dias
como a reza que eu rezo
ou que tu rezes
geralmente escondida
mas emergia às vezes

Mário Quintana

ar-Mário
de poesia
guarda-roupas de Nárnia
guarda poucas, guarda muitas
estações loucas
cores pri-Márias
e outras muitas, outras várias
chaves de outras portas
ar-Mários
poesias em cabide
grid de largada
de um rio imagiMário

resumário

ar,
Mário,
elemento do vento
o elemento do tempo
organiza o sumário
organiza o lamento
que vai no obituário
quem não viveu este tempo
será que adianta glossário?

16 de fevereiro de 2018

jazidos e túmulos

começo a brincar com a poesia
que é tudo
que imita o meu dia
tudo que não existia
quando amanhecia
tumulto
no ventre do dia
truco
quando anoitecia
túmulo
ao findar do dia
se estás lendo
não me irrita
me irrita
tu estar lendo
e não seguir a dica

trancei

trancei dois poemas
um no outro
duas tranças
de um poeta louco

transei uma ideia
veio sem consentimento
quase tudo que assim é
é sintoma sofrimento

ganam ciosos

do papel
ao penpal
o pagamento
objetivo final
de quase tudo que é feito
feito animal

prazer em velas

o conto dura bem mais
do que a poesia
o conto é pombo
com asas que chegava
onde todo mundo ou ninguém ia
enquanto a poesia
mesmo brava
é chama que brada
arrasa, abrasa e termina

até pode ressuscitá-la
em nova hora aquarela
diferente agora daquela
para novas feridas
novas chagas e novas sequelas
novas queimaduras
atravessa a armadura
o prazer em velas

quitando quintana

quintana
nem comecei a lê-lo
e já fiz o elo
será que agradeço
ou apenas espero?
será que mereço
teu fruto tão belo...

poema que se apresente

parei quintana
na página vinte e dois
o sono me chama
então leio depois

o tempo presente
é o galanteio
está no seio
da atividade

melhor deixá-lo
no poema
assim conservado
no seio da raridade
do tempo presente

pra unir
ao mesmo tempo
do passado a saudade
do futuro a vontade
do presente o presente

go away

américa?
leias bem
essas leis
não te pertencem

não são de metal
o sorriso dessa gente
não é o final
teu ponto entorpecente

américa?
leias bem
jamais foste
e jamais serás
dessa gente

you're lost
in the middle
where I'm think
different

américa ama rica

américa
ama rica
de dentro do seu barraco
à rica oferece tudo
estende a mão: o tato
trabalha a mão: o trato
limpa a mansão: olfato
"sim senhora": acato
enquanto a rica
devora
devolve pra sempre
o agora
que é a fome
no prato

américa calminha

américa caminha
do meu sono
do meu sonho
de meu sangue
e de américa do sul
américa calminha
repousa
não ousa
mais sangue
não ousa
ser mais do que
império yankee

américa daninha

a américa latina
caminha sem pernas
sobrevive
entre hérnias e ervas
economia
daninha
caminha
minha
américa latina
latrina
das trevas

Quintanices

"O poema
é, ao mesmo tempo, um disfarce do poeta: ele parece falar de alguma coisa (aparente) mas, na verdade, está a tocar em um tema bem mais profundo e certo. A poesia, por seu lado, é um encantamento: o poeta se vale de palavras como fórmulas mágicas, criando uma atmosfera que desvela/revela o mundo, produzindo o que poderíamos denominar de enobrecimento do cotidiano. Sendo a poesia irredutível, ela se constitui na invenção da verdade, a partir de um procedimento fundamental: a indagação.
O cerne da obra de Mario Quintana se apóia exatamente nisso: o espanto da descoberta, colocando-se o interesse do poeta menos na realidade do entorno em si mesma e muito mais nas mudanças que ela sofre, com o passar do tempo, A poesia, por conseguinte, concretizada na forma do poema, é como um pacote que deve ser aberto: a leitura do poema é a revelação da surpresa que ele contém, a própria poesia, mas que não é delegável a ninguém mais, senão
ao leitor mesmo. Daí a afirmação que encontramos em certa passagem de Na volta da esquina: Os verdadeiros poetas lêem os pequenos anúncios de jornais, ou seja, é a partir da realidade mesma, a realidade anônima e cotidiana, que se concretiza a poesia, por aproximação."


Notas sobre Baú de espantos - 1986

13 de fevereiro de 2018

ala alada alameda

lá vai
a ala
alada
que vai

lavai
a alma
samba
sabão
só vai

lá vai
a ala
que entra
e que sai

saudando
avizinha
faraó
pescador
samurai

saudando
liberto
coberto
campos
serras
litorais

saudando
a minha
a sua
e de quem mais?

11 de fevereiro de 2018

Dezembro em Imagens

Só um filete (Foto: Henrique König)

Humor (Foto: Henrique König)


No rádio e avante (Foto: Henrique König)

Laranjas (Foto: Henrique König)

Indignação (Foto: Henrique König)

Parceria (Foto: Henrique König)

Calor do cão (Foto: Henrique König)

Teias (Foto: Henrique König)


Azuis (Foto: Henrique König)

Cielo (Foto: Henrique König)

Papéis dobrados

Queria dormir o domingo após passar a madrugada chapando e falando bobagem na internet. São coisas que costumo fazer com moderação, mas acredito que passei um pouco dos limites. Inclusive dormir. Era para ter acordado bem mais cedo, mas acordei, após o almoço, só no meio da tarde.

Meus sonhos foram dos mais esquisitos. Estava caminhando nos Estados Unidos e lembrei que não falava inglês. Praticamente não falo inglês. Até leio, entendo algumas coisas em diálogos, mas falar é complicado. Então estava de bicicleta e ela não tinha freios. Imagina causar um acidente no trânsito dos Estados Unidos. Um maldito sul-americano ciclista. O que contribuiu com a economia, esse maldito? Eles iriam pensar. Aí depois lembrei que havia passado no supermercado e fiz compras e usei dólares e um amigo meu me ajudou. Ele não estava mais comigo depois, mas lembro que ele me ajudou anteriormente nessa missão. Por último, entrei numa sala de reuniões numa rua e todos falavam português, embora eu ainda estivesse no país estrangeiro. E contei uma experiência que foi a de ter que narrar um jogo sabendo absolutamente nada sobre os times. Inclusive, a parte engraçada foi que me passaram para narrar o segundo tempo no estúdio e a televisão, ao meu entendimento, nem sequer estava sintonizada na partida e eu comecei enrolando as informações de onde era o jogo e quanto estava o placar, mas eu não me dava conta de que aquela era de fato a partida. O uniforme dos times deve ter me confundido. Tudo muito estranho. Durante a transmissão, parei de narrar e deixei a rádio à mercê do silêncio e outros funcionários me encaravam, mas eu não ligava se perdesse o emprego naquela oportunidade. Empregos praticamente voluntários. Ora essa.

Acordei e as situações seguiram acontecendo como nos desastres desses sonhos. Pequenas coisas que dão errado. Por exemplo, querer cagar e estar com o pênis duro. Pensei sobre a quantidade de sexo que as pessoas fazem ao redor do mundo. O mundo de bilhões de pessoas é muito composto por chineses e indianos. São maioria. Os Estados Unidos, bem ocidentais de cultura, ditadores de culturas, imperialistas de culturas, estão distantes em números absolutos de população. São muitos chineses e indianos. Muitos mesmo.

Enfim, as culturas são diferentes da liberdade que é encontrada no Brasil. E penso como o Brasil é visto pelo mundo como sinônimo de liberdade, apesar dos fortes preconceitos enraizados e pouco discutidos aqui dentro. Mas, quanto à liberdade de sexo, parece um país em que as pessoas transam bastante em relação aos demais. Imaginei países da alta qualidade de vida, como os nórdicos, mas que não devem transar tanto. Ouvi sobre abusos como de álcool e algumas políticas para conter isso. Talvez pelo clima soturno, solidão, comunidades fechadas. Não sei. Outras culturas são extremamente monogâmicas. Parecem até mais monogâmicas do que monoteístas. E em outras o sexo é apenas após a união com as espécies de casamento, o que limita a quantidade de parceiros, por exemplo. Limita completamente, se for ver.

E comentei sobre comunidades fechadas. Bem, comunidades pequenas em que as pessoas julgariam - principalmente mulheres - por suas escolhas sexuais são constantes pelo mundo todo. Mesmo nas culturas consideradas mais abertas e ocidentalizadas. Pequenas comunidades em que dizem que o modo de vida é mais tranquilo e as pessoas se conhecem. Isso me dá nos nervos, porque não quero que muita gente me conheça e não quero conhecer a fundo muita gente. Isso serve para arquitetar os julgamentos. Ter mais motivos ou razões para te analisarem ou criticarem. Para eu, que gosto de escrever, isso parece bom, estar do lado observador dos binóculos. Mas estar do lado observado, quando muitas vezes a crítica é negativa pelo simples prazer de te aporrinharem ou de sentirem superiores mediante à depreciação do próximo, é uma verdadeira droga.

Penso que eu detesto tanto os julgamentos dos outros que os antecipo e julgo a mim mesmo. E muitas vezes exponho meus defeitos antes que os descubram. Eis! Aqui estão! Olhem para eles! Convivam com eles! Malditos. Nas comunidades maiores é possível conviver maior tempo no anonimato ou com detalhes menores sobre a sua vida. Aquelas situações, coisas, lembranças, experiências em que não há o desejo de compartilhamento, de divisão, até porque em nada acrescentam, em geral. Apenas geram a bola de neve dos raios dos julgamentos. As pessoas estão sempre prontas para achar defeitos e jogar contra ti depois. Sempre estão.

Bolei a maior parte desse texto enquanto estava dobrando papéis higiênicos no banheiro. A maioria dos escritores descreve coisas nojentas. Deve ser porque aproveitam tudo quanto é tipo de assunto. Se levam essa lógica de aproveitar, devem dobrar o mesmo papel várias vezes antes considerar que devem ir à lixeira.

8 de fevereiro de 2018

Pra onde e por quê?

Uma geração que procurou se diferenciar. Diferenciar das passadas e entra ela mesma, estabelecendo diferentes grupos para assunto, interesses e experiências em comum. Mas acabou se assemelhando bastante. A oportunidade do acesso à informação ou a diferentes entretenimentos não necessariamente modificou os hábitos ou gerou grande mudança das portas escolhidas.

Os trending topics seguem ditados pela grande mídia. Dos reality shows de confinamento, comida ou gente pelada no mato. Do esporte ao vivo, do futebol nacional ao produto dos Estados Unidos que cada vez mais chega às nossas telas. Assim o jovem nascido nos anos 1990 e começo dos anos 2000 está se formando e pensando seu futuro. O consumo midiático aumentou, inevitavelmente. Maior alfabetização, mas maior acesso aos meios digitais. Favelas e comunidades com extremas carências, mas com condições de parcelar um celular, ter um acesso à internet mesmo que do wi-fi vizinho. TV a cabo por gato ou por algum enroscar de fios que desperta meu toc apenas por ver imagens dos postes.

Enfim, esse alto consumo da mídia germina sonhos de infância e adolescência. A vontade de aparecer do outro lado da televisão, enquanto produtor de conteúdo. O desejo de ser visto, de ser lido. Muitas vezes pessoas que se espelham em ídolos criados nesses formatos. Raros esportistas, raros jornalistas, raros humoristas com espaço integral de aparição em horário nobre na TV, em grandes canais na internet. Mas a impressão na infância e na adolescência é que é bem possível chegar lá. E MAIS: de que vale a pena e é importante (pra quem?) chegar lá.

Por um período considerável de minha vida em cérebro infantil, considerava que os programas de auditório e grandes besteiróis televisivos poderiam ser jornalismo. Somente o amadurecimento (mesmo que tardio), o contato com diferentes realidades (necessitadas - de serviços públicos, de ajuda e não de solidariedades vendidas e gravadas) e o entendimento do que realmente pode ser essencial na vida dessas pessoas mudou minhas concepções, apontamentos e direcionamentos.

É uma questão complicada. Muitos dos jovens se fecham a essas realidades, negam a observação e consideração ao próximo e seguem seus sonhos inicialmente egocêntricos e aparecidos. "Me vejam, me notem, me leiam." Parando para a reflexão neste determinado momento, muitos chegam a esse ponto por alguns desses fatores comuns: 1) pais que incentivaram esse sentimento de especialidade; 2) ilusão de que os caminhos são largos e é bastante possível atingir objetivos desse porte, sendo que há poucas vagas de aparição tais quais as desejadas (basta ver que os poucos ídolos dessa geração são os mesmos e as pessoas que queriam estar em seus lugares são muitas, milhares para cada ídolo); 3) necessidade de atenção e/ou carência, nas necessidades familiares, em formações cada vez mais diluídas, assim como a maioria das relações; 4) egocentrismo em busca do chamado sucesso 5) em algum lugar, obviamente, o considerado altruísmo de querer ajudar e um mundo melhor.

Embora o quinto item possa ser atingido em outras profissões de soluções mais diretas, resultados fisicamente palpáveis ou irreparáveis e menos debulhada ao campo simbólico. Quanto vale seu texto, sua imagem, sua denúncia de problemas que serão ou não solucionados? Os quais serão apenas apresentados ao público ou trarão soluções práticas para resolução dos conflitos? Quanto vale seu trabalho de pesquisa e apuração? Seu desgaste de conta telefônica ou de disponibilidade para procurar e ouvir fontes? Por que o seringueiro recebe tão pouco no valor pífio de uma borracha? E o trabalho escravo, porém prático, segue a existir? E outras pequenas peças dotadas de valor simbólico extraviado custam fortunas?

O quanto ajudamos? O quanto queremos ajudar? O quanto é necessário ajudar? Salvar a própria pele? Salvar a pele de quem? O árduo e frio bronze da estátua dura mais. Mas ninguém quer saber.

3 de fevereiro de 2018

sinto falta

(daquela ignorância que me permitia errar mais jovem)
 
daquele cerveja bebida sem compromisso. daquela noite com a permissão da perda temporária do juízo. como um amigo que chegasse junto na festa e só fosse reencontrado ao final. num espaço de tempo para desfrutar da ausência. sinto falta daquela noite em que a cerveja e o papo fluem naturalmente, que o julgamento passa distante, sejam os meus ou os teus - sobre mim mesmo.

aquelas noites em que o presente não faz cobrança. ultimamente, sempre aparece ele como o maior credor, inquisidor, indagador do que ando fazendo. por vezes, o passado também recorre às suas cobranças. o passado bate à porta, aproveita o inquérito, o interrogatório do presente e deixa suas contribuições. um cheque não descontado, uma transação não autorizada, um boleto vencido.

o presente aparece primeiro sorrateiro pelo meio da noite e, daqui a pouco, se agiganta arrogante a grasnar de que é o único existente. porém, o passado coloca o dedo em riste, um pouco mais tímido, mas acreditador de que merece seu espaço. "também estou aqui". com esses dois cobradores implacáveis, por que não despertar a chegada do futuro? incerto do que ele é, inseguro de si mesmo, o futuro se sente autorizado a nos questionar o que vai ser. a tríade montada contra o sossego. a amargura ao fundo do copo.

ao remontar essas três personagens: passado, presente e futuro - que irônico e curioso o fato de nem sempre chegarem nessa ordem, geralmente com o presente se adiantando a estacionar sua viatura e a bater na porta - cada pessoa leva a seu lado suas aflições. suas aflições e cobranças de presente, passado e futuro. há cobradores aos montes. ao menos esses três garantidos para cada pessoa.

ao nos identificarmos com uma personagem - no caso com a atormentada nas primeiras linhas pelos cobradores presente, passado e futuro - nos identificamos com nós mesmos. a generosidade sentida muitas vezes é a que gostaríamos de receber. a empatia por evocarmos em nós mesmos situações semelhantes. e o consolo pela ocorrência da ação de consolar, esperando a lembrança futura de que nossos gestos sejam reconhecidos e consagrados. o futuro, repartidor de tantas dúvidas conosco, embora esporro como os demais, ainda encontra um espaço de esperança para piscar o olho antes do completo abandono e a despedida pela permissão de algum sono. em alguma ação confiamos de que foi feito um bom trabalho e isso pode lograr êxitos futuros. se assim não o fosse, por que haveria de prosseguir?

2 de fevereiro de 2018

Novembro em Imagens

Foto: Henrique König
Pôr do Sol (Foto: Henrique König)

Pores no mesmo dia (Foto: Henrique König)

Bird (Foto: Henrique König)


Melancolia (Foto: Henrique König)

Centro de Pelotas (Foto: Henrique König)


Melissa (Foto: Henrique König)
Invertido (Foto: Henrique König)


Anglo - Pelotas (Foto: Henrique König)