27 de março de 2015

Tato nas Teclas

Quero molhar com saliva
O dizer das últimas palavras

Abafadas e absorvidas
Pelas meias horas da madrugada

A galopes os ponteiros troteiam
E os loucos em um tiroteio
De tirar palavras com alguma lucidez
Mas a cobertura e o recheio
São de pura e doce loucura

E molho minhas palavras
Como molharia na saliva a pena
E molho minhas madrugadas
Em tua pele suave, morena

E busco no tato
Só tenho o tato das teclas
E busco o contato
Com o tanto de metas
E busco o contrato
Com o tato nas teclas
Queria seu touchscreen ativado
Queria seu touchscreen atiçado
 

20 de março de 2015

Semanas Ensacadas

Sexta-feira. Um pessoal faz hora, na espera pelo "anúncio oficial" do fim de semana. Enquanto isso, pelo centro, saio com o objetivo de me desfazer das franjas e do cabelo que, de tão comprido que deixei dessa vez, já nem sabe mais como e para onde crescer. Os fios capilares copiaram o dono e se sentiram indecisos e perdidos na jornada do amadurecimento ombro abaixo.

De forma inédita, corto em novo endereço, recomendado pela minha tia, que vai cortar também o dela, dali uns 20 minutos, conforme hora marcada. Outra vez procurei o local, indicado pela rua tal entre a rua X e a rua Y e não encontrei. Acompanhado dela pela quadra, dessa vez ela me aponta com exatidão. Me despeço dela, com outros afazeres corriqueiros antes do horário reservado a ela.

Converso com o cortante desde a lavagem sobre o futebol e o Farroupilha, clube que ele, como muitos pelotenses são, revela admiração e respeito. Sempre curto ouvir isso do próximo, embora fosse muito mais confortante ouvir do outro lado expressões de torcedor fiel e aficionado, como são poucos o do Grêmio Atlético onde faço estágio.


Pelos papos, vão e vem nomes do folclórico futebol pelotense. De boêmios a gênios e vice-versa, pelos bastidores, dos quais arrancamos algum background information. Quanto ao cabelo, ele pede minha opinião, eu o aconselho e saio satisfeito pelo corte, em 20 dilmas de preço.

Aliás, bom ou ruim não termos falado de política? As forças andam antagônicas nesses papos. Pró-governo é petralha, anti-governo é coxinha, bradam os enfiadores de certeza pela goela. Sabemos que não há resumo tão fácil de explicar e contextualizar. Mais cedo, li que o congresso nacional (culpa da Dilma, companheiro?) pretende reduzir a maioridade penal. Solução de jogar para baixo do tapete os problemas de formação de jovens infratores em periferias. Socá-los em presídios é mais viável para uma bancada conservadora e umbiguista, como a que temos. Aquela mesma que aumenta o salário sempre como a convém. Gente, descentralizem o problema político brasileira da figura da sra. Rousseff e depois conversamos, ok?

Por fim, saio de lá com 20 pila a menos e o desejo de abastecer minha quase nula (mas iniciada) coleção de camisas de bandas. Vou ao local certo e encontro meu sonho da passagem anterior. "And Justice for All", ilustração de estampa da capa do álbum do Metallica, o único que possuo da banda. Pelo som mais do que gabaritado e pela estampa com mensagem também social, levo a camisa ensacada na sacola. Ensacolada existe?

Com a justiça para todos ainda ensacada, a gente vê e sente coisa errada nos passos a seguir até em casa. A sirene de ambulância corta o trânsito e o veículo passa em alta velocidade na avenida principal. Mais adiante, um rapaz de pele negra enche um saco com mais do que o dobro de seu corpo, ao procurar conteúdo reciclável em um contêiner de lixo.

Cruzo por um hospital, que habitualmente reparo, mas hoje não. Possivelmente seriam mais exemplos de onde quero chegar (neste texto). E assim se estende a caminhada por entre gente em trabalhos pesados e gente acomodada em cadeiras de praia na tarde findando. Gente com carro do ano e gente com transportes do tempo do show de meu recém adquirido dvd de Elton John na União Soviética (1979).

Entre os sorrisos e chimarrões da avenida Dom Joaquim e os buracos e desníveis nas calçadas - quando há calçadas - no meu bairro Areal. Mesmo ao chegar em casa e mostrar contente a minha nova camiseta, a sensação é de que a "Justiça para Todos" segue ensacada.

5 de março de 2015

Vida de Gado - Povo Marcado - Povo Feliz

Cá estou no meio de mais uma madrugada, completamente desinteressado pela vida. Acúmulo de derrotas disfarçadas nos últimos tempos. São tumores alojados na alma esperando pela ação benéfica do relógio. Receita minha, na ausência de remédios. Fisicamente, somam-se algumas picadas de mosquito nas pernas, referentes ao bar em frente ao campus pelo voltar das aulas.
 
A primeira semana de março começa pouco agradável, na tentativa em eufemismo de explicar o momento. Preciso realmente de espaço e já não o tenho, rodeado pelas cercas pontiagudas da rotina. A instabilidade me percorre os passos, envolvidos de muitas incertezas e a nada posso confiar de maneira estável. Já pensei a respeito de coisas que parecem naturais no cotidiano de outras pessoas parecerem alguma prática de tortura para mim. Realmente são pesares carregados em forma de uma densa e imensa cruz no dia a dia.
 
O peso da existência. A angústia na pesarosa passagem. Dias longos cortados por noites mal dormidas. Noites mal dormidas alimentadoras de mau humor, preguiça, falta de memória e péssimo desempenho no que me obrigo a desempenhar. Não sei mais onde vou parar. A incerteza poderia ser uma benção por ser surpreendido, mas são trevas onde assustadoramente desconhecemos o degrau do próximo passo.
 
A curto prazo, a semana passa da metade e se encaminha a um final. Um final pouco desejado e de poucas expectativas. Final que, na verdade, é ligado a outro início: cíclico. Nem o carpe diem e nem grandes planejamentos me atraem momentaneamente. Pode ser, e espero ser, passageira a tal náusea formadora do sentimento atual. Após este breve desabafo, espero encontrar-me com o sono, mas sem ainda definir minha última atividade antes do repouso de mais um ciclo diário completo. Me sinto bastante incompleto.
 
Tá faltando peça no quebra-cabeça. Não sei se são pedras de bingo que não vão ser cantadas novamente. Não sei se são horizontes inalcançáveis. E, nesta improvisada reflexão, é bem possível que sejam inalcançáveis. Tudo bem, mais um dia. Ou menos um dia.

Queria atravessar as madrugadas como o povo gado. Povo marcado, mas povo feliz. Poeta Zé Ramalho, pessoas.