21 de maio de 2015

Dias nocauteados

Caminho pelo meu bairro em direção ao centro. Do centro, sei que, no fim de tarde, vou voltar ao recanto e repouso de minha casa. Com os fones de ouvido preenchidos pelo que mais me satisfaz no quesito música, conduzo meus tênis por onde já passei outras vezes.

Os cachorros da vizinhança se incomodam quando saio com camisas do Grêmio e acho que jamais entenderei o porquê.
As pichações estão mais corretas do que erradas, só precisam estar no lugar certo, por questões de respeito ao próximo e visibilidade.

Comemoro comigo mesmo a cada vez que cruzo por alguma escrita das ruas com um valor interessante ao cidadão que passe e a veja. Cunho político e social nas paredes. Há quadras que percorro sem que apareçam outros pedestres, mas muitos carros me ultrapassam seja qual for a marcha que esteja engatada neles. Em outras ruas, prefiro estar com a segurança de meus fones e meus óculos escuros enquanto driblo a multidão apressada.

Cruzo por postos de gasolina e, em ambos, os frentistas conversam descontraidamente, trocando anedotas e causos. Nem parece o mesmo cenário apocalíptico de dias atrás, quando motoristas formavam filas quilométricas na busca por combustíveis.

Mais adiante, funcionários de uma loja de colchões estão loucos para testar os produtos pelos quais são responsáveis. Eles apenas esperam o sol se por novamente para regressarem a seus respectivos lares. Talvez estacionem na ciclovia quando a ciclovia já puder ser ocupada como estacionamento, ao anoitecer. Talvez jantem em uma pizzaria ou algo assim, com o olhar voltado à tela do celular e sem agradecer devidamente ao garçom.

Alguns libertam-se da rotina de trabalho e trocam as vestimentas para se prender à rotina de correr pela avenida Dom Joaquim. A luta pelo salário e contra a balança é constante. Alguns criminalizam umas drogas e ingerem outras, adquiridas com receitas médicas nas 'drogarias'.

Eu desvio sempre do que os cachorros de uns deixam no caminho. A maioria está nem aí. Na verdade, nem aí em relação a todos os aspectos que me chamaram atenção pelas ruas. E, após ver pessoas de mais ou menos idade, mais ou menos condição física pela Dom Joaquim, retorno para meus aposentos.

O sol, cercado por um emaranhado de fios presos a postes, se despede em um mergulho teatral. O tempo, implacável, nocauteia mais um dia no manicômio a céu aberto.

Foto: Henrique König

 

19 de maio de 2015

Sistema implacável

Uma sensação derrotista me invade. Li, há poucos dias, um texto de um sujeito com alguns problemas de ortografia e de invasões da crise existencial no cair das tardes de domingo. Eu, a um passo semelhante, sinto o aprochego dessa incômoda sensação no findar de uma segunda-feira.

"O que a traz ao meu encontro?". Prontamente, eu me questiono. Ter muito o que fazer e sem a mínima vontade de prosseguir nos afazeres me parece uma resposta simples e justa. Adiante, encarar a derrota momentânea na disputa entre o que eu quero fazer e o que eu tenho de fazer. Mas, o sentimento que era passageiro encontra apoios para prosseguir na sequência existencial.

Na sociedade em que nos encontramos, parece difícil driblar essa questão e, por vezes - muitas -, vejo-me cercado pelas paredes da rotina. Diversos artistas e filósofos já se confrontaram quanto a isso, mas a sensação é de atingir meus limites de paciência por agora, no exato momento em que dedilho estas presentes linhas.

Encarcerado entre os prazos de produção e dar respostas, encontro-me na saída de, primeiramente, desabafar o pequeno testamento, via em que os leitores trafegam com os olhos. Contra minha vontade, hei de prosseguir minhas tarefas.

Aos que por aqui deixam seu status de visita, peço-lhes desculpas, pois sinto um empobrecimento tremendo em assunto. Mas não seria essa a lógica produtivista na qual nos situamos? Produção, produção, prazo, prazo e pouco tempo a preencher com reflexões e sobre a lógica... do próprio sistema inserido para não refletirmos.


Peço perdão, portanto, pelo tempo de leitura e produção que minha escrita virtual os/me roubou. O sistema vai me/te castigar.

11 de maio de 2015

Spy Vs. Spy em Satolep


A banda australiana Spy Vs. Spy, fundada oficialmente em 1981, atravessou boa parte de nosso planeta geóide e apareceu pelas terras satolepianas. Após um desacordo, parece que deixaram o compromisso de São Leopoldo, na região metropolitana de Porto Alegre, e desceram o sul brasileiro até Pelotas. Na cidade do doce, outro entrave tirou o show deles planejado para o grande Theatro Guarany e colocou o bar/pub João Gilberto como destino.

Ao saber no próprio dia (07/05) sobre o evento, minha reação foi a de buscar informações que me credenciassem a participar. Sem a devida divulgação, ao menos as poucas infos que eu dispunha serviram para conseguir garantir presença. Uma certeza era a de que também seria possível comprar a entrada na hora do show, marcado para começar às 23h30 min.

Sem grande atraso, os músicos do Spy Vs. Spy tomaram os instrumentos colocados à frente do casamento entre a bandeira da Austrália e do Brasil. Apesar do público desconhecer as letras, eles não pouparam energia.

Os maiores sucessos não poderiam ficar de fora e animaram os presentes, mesmo que a imensa maioria sequer conhecesse All Over The World, Hardtimes e Clarity of Mind. Em comparação à produção de estúdio, Spy é uma banda que cresce com as atitudes e o carisma no palco e nem a falta de conhecimento em língua portuguesa atrapalhou o vocalista.

"Boa noite", "obrigado" e "mais uma" são algumas das expressões de aprendizado do pessoal da Oceania. Sempre fico a questionar o ponto de vista de quem vem de fora até algum lugar e procuro passar boa impressão. O João Gilberto reuniu um público de idade média entre 30 e 40 anos. Caçula no local, também observei a predominância de vestimentas mais consideradas elegantes e para proteção do frio, que já caracteriza um inverno em pleno outono.

De mangas curtas durante a exibição, os australianos foram bem atenciosos na saída. Com meu disco Demolition II, consegui passar as barreiras para conhecer um pouco mais da banda da noite. Cada um dos integrantes deixou a assinatura no compact disc. Um dos produtores do atual quarteto até deixou-me a setlist utilizada no evento.

Com meu inglês enferrujado, arranhei alguma coisa para compreensão mútua deles e minha, também com a ajuda de um amigo que me acompanhou. Outro ponto exótico foi ver o pessoal do outro lado do mundo bebendo Skol com tamanha naturalidade.

Quando questionei o que eles achavam do Brasil, a resposta de bate-pronto foi a de que amam o país. Demoramos a encontrar o vocalista após o show, pois o mesmo, sem perder tempo, já havia se direcionado ao bar - como poderia ser imaginado. Na breve conversa, listei algumas bandas da Oceania que tem minha singela aprovação, tais como Midnight Oil, formação com a qual o produtor do Spy trabalhou durante 10 anos, além de Jet e Australian Crawl.

Por fim, a recepção e o bom atendimento só melhoraram o que já se destacava como uma boa noite de pop rock, ska e pub rock (segundo os gêneros de classificação da banda). Os integrantes devem ter ficado felizes de receber algum feedback do público, já que levei meu CD comprado em sebo e meu amigo comprou um de aspecto artesanal que eles estavam vendendo a 20 reais, contendo a apresentação realizada em Newcastle. Além disso, contentes pelo nosso interesse em registrar os momentos, com vídeos durante o show e fotos após.
Enfim, ladies and gentlemen, da Austrália ao sul do Brasil: Spy Vs. Spy.