24 de abril de 2024

Vale das Bonecas (1967) e Terras (2009)

Acabo de ver o filme Vale das Bonecas, direção de Mark Robson, de 1967. A primeira crítica que leio sobre foi a de entregar a direção nas mãos de um homem. O filme tem total protagonismo feminino, através da história de três mulheres. Ou quatro. O destaque vai para cantora Nilley O'Hara, rejeitada de um musical por uma invejosa veterana, dona do espetáculo em Nova York. Ela busca a carreira na parte oposta dos Estados Unidos, em Los Angeles. Mas seu vício por pílulas vai colocar tudo a perder. É sobre ascenção e queda, o vício, a indústria, a substituição, a obsolescência programada. Pessoas substituíveis e uma engrenagem de espetáculo que não para, empilhando atrizes e atores descartáveis. Aqui a ênfase nas mulheres, substituíveis tão logo passem seus auges, suas mocidades. 

Mulheres que são usadas por homens ricos, por donos dos estúdios, das gravadoras, da programação. Homens que escolhem, apontam dedos quando ninguém os aponta. A crítica inicial ao filme é que o diretor aliviou a crítica para os papéis masculinos, consideração com a qual concordo. Pelo ponto de vista do mostrado no filme, que é baseado em um romance feminino da época (da autora Jacqueline Susann), parece que as mulheres brigam entre si, surtam entre si, enquanto os culpados saem pela tangencial da inocência.

Pois no mesmo dia recebo a fofoca de que duas ex-colegas de escola estão passando pela prostituição em grande centro brasileiro para serem investidoras desse dinheiro na cidade natal delas, no interior. Andam com magnatas, se vendem corporalmente em troca de pequenas ilhas de luxo, talvez carros do ano, quartos de hotel com boas vistas e relógios que custam mais do que minha conta bancária acumulada. Empreendedorismo bonito de rede social, com fotos chiques, roupas da moda, corpos bronzeados e autovenda no açougue aos olhos.

Interessante ter escolhido assistir a esse filme norte-americano na noite anterior a receber essa notícia. Interessante que as mesmas irmãs que agora são empresarias neste ramo aproveitem sua juventude ao passo que recordo criticarem na época uma colegial que já se vendia e usava drogas. Assim imagino outras da época. As que prosperam em carreiras de estudo e devoção a outros trabalhos mais bem anunciáveis são pouquíssimas. O que a tentação e o capitalismo não fazem? O prazer imediato de quem compra, o prazer quase imediato de quem vende e em seguida recebe em troca. Ou até durante. Ou até recebe antes, na troca de promessas. Corridas em carros de luxo, hotéis altos, cafés da manhã, sorrisos brancos consertados, publicações cheias em vidas vazias. O que farão futuramente? Terão história para contar. Ascenção e queda.

A carreira dos holofotes concorridos nos Estados Unidos, os perfis de Instagram com seguidores anônimos. Quem realmente liga para a história que está ali? Quem liga para o abuso de comprimidos, para os preservativos descartados a cada uso, para as pessoas que passam e não ficam sequer para arrumar a cama? O quanto os empresários ligam para suas supostas estrelas, para substituição entre um espetáculo e outro, às vezes entre um show e outro?

Para completar emendo assistir ao documentário Terras, de 2009. Imaginava algo oriental pelo nome da diretora ser Maya Da-Rin. Mas é amazônico. Amazônico na sua essência. As entranhas da floresta. A fronteira entre Brasil e Colômbia, sendo uma das cidades chamada Letícia. Anônimos que fogem de guerrilhas, que vendem batatas, cebolas, artefatos. Indígenas originários, brancos invasores. Quem disse que o modo de vida comercial capitalista é o correto? Quantas gerações de indígenas passaram? Ok, vivendo menos, até os 30 ou 40 que sejam, mas por milhares de anos, enquanto nosso modo de vida industrial acabará em ilhas enormes de plástico nos oceanos, terras e seres para cultivo exterminados, garimpo, gula, egoísmo, extração final de recursos. Nosso modo de vida proposto pelos industriários e verdadeiros capitalistas detentores acabará com o planeta em pouco tempo. Mais algumas décadas, mais tardar século, se não com as bombas, drones e guerrilhas armadas no Oriente médio, Ásia, Europa ou respingos aqui. O nuclear é potente.

Uma indígena afirma que antigamente tudo era compartilhado, enquanto o dinheiro hoje é um modo que cada ajuda, cada competência, cada correspondência entregue é cobrada ou nada feito. É o modo com que aprenderam dos brancos.

Quem está em capacidade de julgar atrizes excluídas e decadentes, prostitutas, indígenas corrompidos, indígenas que participam da corrupção ou dela são somente vítima? Quem está no julgamento de gente que perde o rumo seja pelo desespero da primeira fome ou pelos anseios de diamantes falsos da segunda fome, a espiritual ou só do mundo das aparências?

Certa vez cheguei a me indagar porque alguns poucos milhares de indígenas precisariam de áreas grandes do tamanho de estados, mas imagine a importância da preservação de terras, de natureza e o impedimento da ganância máxima. Por que os originários que tanto sofreram na mão dos brancos em matanças, escravização, imposições religiosas, imposições de costume não podem ter seu espaço de preservação enquanto empresários 1% mais ricos detêm a riqueza de milhões e milhões de nosso povo? Em terras, heliportos, empresas sonegadoras, financiadores de armas, de drogas escondidas e achadas, terras, terras e mais terras. Nós cada vez mais longe de devolver para os indígenas como hoje em dia só propõem da boca para fora, do sonho radiante, esvoaçante e passageiro como fumaça de cachimbo ou em postagens ligeiras de redes sociais. Para onde vamos e quem dá mais?

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