29 de abril de 2023

Eu impreciso

Eu preciso marcar a consulta
Eu preciso de remédio
Eu preciso levar uma vida adulta
Eu preciso ser levado a sério

Preciso pagar pra não levar multa
E ser pago pra comprar remédio
Preciso de alguém que me escuta
Eu preciso me levar a sério

Preciso de alguém que não me refuta
Mas de alguém que dê acréscimo
Não me sentir só dentro dessa luta
Elevador ao quinto dos infernos

Idealismo fica no 'Eu Preciso'
Olho em volta, não vejo remédio
Comecei versos com 'Eu Preciso'
E nesse aqui 'Eu Preciso' é o término
O universo é confuso
Eu preciso terminar o verso


... Você me cobra literatura sobre você, mas você é mais bonita do que a literatura ...

22 de abril de 2023

Tudo é caótico, a ótica se engana, mas serve... Acredito que hoje sou um dos maiores autores vivos do Rio Grande do Sul... Os que a gente estuda em literatura não oferecem tanto a mais do que eu... São vírgulas, migalhas, medalhas e anos de diferença.... Existe a crença... E existe a ilusão... Quando trago a ilusão e trago, e ninguém mais acredita em mim... Enfim...

A plebe

Ela também me destruiu mas nem percebe

O herói anda cabisbaixo, vai e bebe

É a plebe 

É a plebe

O amor idealizado como uma invenção burguesa... Mas a gente também sonha que os smartphones cheguem a todas as mãos ... nau à deriva...

... acordou disposto a derreter o gelo que ainda os cobre.... acordou como se não tivesse motivo... ou um motivo nobre... acordou como se devesse a um traficante... paranoid android...

... gosta de admira-la com uma certa distância, porque constata o quanto é bela, depois volta a abraça-la, porque já não o importa admirar sem sentir...

... acordou com a boca tão seca, como se tivesse testado a resistência de um camelo sem água, ou houvesse acordado com o sobressalto da notícia de que não existe mais ela...

... Levava tudo muito a sério, como se em todos os lugares, durante todo o tempo, houvesse fichas e atas de registro...

19 de abril de 2023

Quem sabe faz (será?)

Pensando em um programa radiofônico, televisivo, um texto, uma aula, o que for. Claro que uma boa produção que dê conta e favoreça os encaixes é satisfatório.

Mas eu gosto do underground.

Do improviso.

Do chiado do rádio AM.

Do ruído de fundo que comprova o ambiente.

Do bagaceiro. 

Do imprevisível.

Do coelho que salta da cartola.

Da carta surpresa.

Da aventura.

Da imaterialidade.

Do anti planejamento.

Da organicidade.

Do fantasma que assombra o plano.

Do ao vivo.

Do equilíbrio sob pressão.

Do problema.

Desde que resolvido.

2 de abril de 2023

Longa caminhada de 2023

Uma caminhada longa, das mais longas que pude fazer desde que um dia me mudei para os lados do Porto/Centro - preferencialmente Centro em questões de preços de fretes, preferencialmente Porto, em questões poéticas e mesmo geográficas, desafiando as placas de ruas. A saída na rua coincide com a venda de garagem no vizinho, que utilizou a escrita em inglês "GARAGE SALE" para se exibir ou chamar atenção não sei de quem - a minha talvez, para criticar a desnecessária forma estrangeira pra informar que tá vendendo uns itens velhos e vintage. Bom que os vizinhos desconhecem estas linhas traçadas. O vizinho da casa da frente, um sobrado em que na parte de baixo está instalada uma ferragem, sr. Nelson está desta vez no alto, sobre a casa, como assim o vejo pela primeira vez, parece mexer na caixa d'água e cumprimenta outros vizinhos que por ora passam na rua. Sorrio para essa curiosa cena.

Parece que Pelotas finalmente conseguiu e, com exceção da praça principal, no afastamento pelas ruas, o número de catadores e vasculhadores de lixo é maior do que o de pedestres à paisana. Que dessa vez não me culpem a Lulas, porque Bolsonaro governou os quatro anos anteriores a este texto e essa criação bizarra é de obra dele, angariada pelo biênio de Michel Temer entre 2016 e 2018. Trechos do centro da cidade estavam tão vazios que recordavam os meses mais agravados de pandemia de covid-19, praticamente em um formato de lockdown - por hoje não mais obrigatório. Quase ninguém nas calçadas e ruas. Durante essa caminhada, me dirigi rumo ao bairro Areal, onde morei quase toda a vida, desta vez para constatar, certificar de que não sinto saudades daqueles lados. Mas em parte estive errado, porque a nostalgia carregada naquelas ruas promove efeitos inevitáveis. Foi por onde muitas vezes andei, cumprimentei vizinhos, contornei por desconhecidos e por animais caseiros ou de rua. Na oportunidade tive a sorte de cruzar com três gatos pretos, que eu talvez componha foto ao final deste texto. Eles apareceram um a um, talvez a compreender em breves segundos que eu não seria ameaça a suas integridades. Apenas um se aproximou mesmo de mim e rocei pela nuca dele meus dedos e também a chave que carregava já nas mãos, pela não confiança justificada por um furo que só tem aumentado em meu bolso.

O trio de gatos causou reação, talvez mesmo de inveja, de um gradeado cachorro. Deixei-os para trás. Cumprimento a torcida gremista que massacrou sem dó nem piedade o Internacional em número de camisas na rua. Uma goleada talvez não antes vista sem que se trate propriamente de um dia de jogo. Um placar elástico em oito ou nove ou mais camisas contra uma solitária. Lembro das camisas porque por ali, visualizando minha dantesca cena de aceno aos gatinhos pretos estava um possível uber reclinado em seu banco e a utilizar uma camisa do Grêmio. Ao menos se fosser vizinho ou parente de alguém naquela localidade da Gonçalves Chaves, não demonstrou qualquer movimentação referente a isso. Quando retornei a passar pelos gatos, ele arrancou o carro e foi para outro lugar.

Entre ver os gatos pela primeira e pela última vez, fui até minha antiga casa no Areal, pelos lados da avenida São Francisco de Paula e fim da Gonçalves Chaves. A casa permanece na mesma cor em que meus pais a conservavam. A casa dos vizinhos está cada vez mais feia, como pude constatar. Por entre o mato que cresce desrregrado pelo final da Gonçalves, cruzei com o velho senhor de apelido Pica-Pau, que segue magro e montado sobre uma motocicleta. Aproveitou alguns metros na contramão da rua, que agora dispõe de sentido único, e logo tomou a São Francisco, talvez percebendo que nas minhas mãos brotava um celular para testemunhar mais momentos de nostalgia.

Outra casa que moramos naquela região está ocupada e transformada completamente, agora com o adereço de piscina à frente da casa principal, manutenção de apenas algumas das árvores frutíferas que eram conservadas. O asfalto finalmente cobre o final da Gonçalves Chaves, como nem sei bem se um dia sonhamos, mas não é o visual dos mais bonitos, embora funcional. Creio que meu pai, para não escangalhar o carro nas pedras desconjuntadas, aprovaria e muito esse asfalto onde alguns devem voar baixo aproveitando da honorária imprudência que podem se permitir. 

Passei pela casa de minha tia Arita. Ela revela ter 88 anos, idade que eu ponho dúvida, mas por ora acredito a ponto de reproduzi-la aqui (Na revisão foi dada sua idade em 92 anos). De seus filhos, nenhum está em casa. Revela que o que melhor conheço está pescando. Reconheço que o dia, de sol, embora um pouco de frio, era favorável a isso. Proponho no assunto o asfalto advindo na rua, em que ela, sem se lembrar, me questiona se já estive por aquelas bandas desde a nova conservação da via. Digo que sim, estive próximo do Natal, em dezembro, com meus pais, já naquela semana de distribuição de presentes, porque depois rumaríamos a Santa Catarina, onde meus pais hoje moram.

Pois bem, a chegada do asfalto naquela rua, fazia tempo que se reclamava do pouco cuidado prestado ao esgoto, às calçadas e às pedras desconjuntadas do meio da rua. A constatar que dentre esses três problemas, o das calçadas irregulares permanece, mas pelo visto não se pode ter tudo. E logo no trecho da rua em que morou o governador do estado. Foi antes de ser reeleito que veio a verba e a aplicação finalmente do asfalto. Também aproveito para osbervar tia Arita, que antes possuía grande disposição e vigor físico. Revela que a avó dela passou dos 100 anos. Ela ainda tem chance, embora tenha reduzido um pouco essas esperanças, mas ninguém sabe por antecipação do futuro. Chegou quase aos 90, a exemplo de minha avó, para finalmente o trecho da rua onde mais moraram ganhar a nova camada asfáltica, na transição do bairro Areal rumo à modernidade. Percebo também grades que meu pai fez naquela região, nos seus tempos de trabalhador autônomo. As grades feitas por meu pai duraram mais do que algumas vizinhas que por ali moravam, como recordo de uma senhora até bem abastada financeiramente, oriunda de Canguçu. Esta já foi. Outras pessoas da região simplesmente se mudaram. Parte estrutural das casas permanece. Às vezes o material dura mais do que as pessoas. Às vezes as pessoas veem grandes transformações, e duram mais do que o material. A vida é cíclica e imprevisível.

Não sei se tenho mais muito o que acrescentar em relação ao texto. Discuti com um policial ao querer colher informações sobre um acidente de carro em um cruzamento no centro da cidade. Penso apenas depois que poderia ser até enquadrado em desacato à autoridade. Depois dei dois reais para um sujeito que revelava sua necessidade de voltar de ônibus ao Laranjal. Reclamou que a passagem estava cara. Ele sem direito à meia-passagem ou qualquer outro auxílio. Por fim, na quadra seguinte, já bem no centro, no coração da cidade, presenciei um pai desferir um tapa forte contra a cabeça de uma criança. O chamei de mongolão e que não deveria fazer isso. Não sei o quão alto falei porque estava degustando música em fones de ouvido. Aliás, a playlista das músicas que um dia cliquei em curtir foi quase que totalmente satisfatória, o que revelo em tom de surpresa e contentamento.

Passados todos esses pormenores em episódios, consegui chegar até minha rua e concluir minha missão, minha caminhada de volta para casa. Não havia mais Nelson mexendo na caixa d'água, em lugar onde agora eu já o tinha visto. Mas havia fumaça em direção às últimas casas do bairro, praticamente ribeiras ao canal São Gonçalo. Porque a vida é assim: um incêndio após o outro.

Não escrevo se não pelos oprimidos e pelo oprimido em mim mesmo

um coitado

me olho no espelho e vejo apenas um coitado 

alguém que um dia teve ambição e percebeu suas limitações, as limitações da sociedade e a realidade

deixo a água do chuveiro correr sobre meu corpo, mas parece que sou eu e não ela que vai pelo ralo