28 de maio de 2022

Música Sertaneja

Seu sofrimento é cadeia

Jogue a chave fora

Para não mais entrar


Hoje é sexta-feira

Dia de ir embora

Talvez nem mais voltar


Ouça, a noite te chamou

E lá fora já é tempo bom

Deixe o que for pra trás


Vem por essa noite

Pra curtir um monte

Direto da fonte

A ponte a atravessar


Sexta-feira é tempo bom

Sábado ainda tô pro som

E nos respingos de domingo

Antes do cachimbo cair


Seu sofrimento é cadeia

Jogue a chave fora

Para não mais entrar


Seu sofrimento é cadeia

Jogue a chave fora

Para não mais entrar

25 de maio de 2022

Bye Bye Brasil (1979)

O filme Bye Bye Brasil (1979) retrata o Brasil profundo. Já escrevo aqui enquanto assisto. Um circo que circula pelos interiores do Norte e Nordeste. Um novo membro que se junta à trupe pelo sonho de percorrer novos lugares e ver o mar. E de que outra forma um morador do sertão ganharia a oportunidade em plena década de 1970? Cacá Diegues na direção está atento a isso.

O Brasil profundo ainda pouco explorado no imaginário nacional ainda hoje, imagine na década de 70. Nos tempos de guerrilhas em Araguaia, de heranças bandeirantes que até os dias atuais pouco discutimos. Um Brasil de garimpos e outras explorações. De trabalhadores miseráveis e empresas milionárias. Um Brasil de talentos ignorados e cantores que lucram às custas de dinheiro público de prefeituras, como o sertanejo Gusttavo Lima com show de cerca de 800 mil reais em Roraima, me parece. Dinheiro de prefeitura que cada morador é contribuinte. E a saúde e a educação como andam?

Bye Bye Brasil contrasta as imagens da natureza de extenso e continental e inexplorado - ou explodado demais, como dito - país. Contrasta essas cenas com a gama de personagens que se angustia e se adapta aos desafios da estrada e da necessidade de público nesses sertões e rincões. Eles saem do Nordeste para seguir o caminhão de forma itinerante rumo ao Norte brasileiro. Mencionam o sonho da Altamira do Pará, mas sentem as dificuldades da longa estrada, da falta de recursos, da luta pela saúde, das distâncias de afastados cantos. Observam o rio Xingu. À essa altura já ganham novo companheiro, pois a acompanhante do sonhador sanfoneiro pariu uma criança em região inexata.

O rural e o urbano se contrastam. Os jegues e as pessoas dividem o centro das ruas e dos projetos inacabados de cidades. Os carros de som disputam espaço nos anúncios. As fachadas dos rasteiros prédios alegam consertos e vendas do que é possível e talvez impossível fazer. Os anseios dos personagens esbarram nas limitações de inequipados terrenos. É retratado um país de poucas regras, em que os personagens entram a ponto de conflitos violentos, sem quem os impedisse. É o Brasil profundo onde os fabricantes de lei andam por fora do círculo dela. Onde os fiscalizadores, se presentes estão, são subornados. Onde as testemunhas mantém outras formas de silencioso agir. Não há tribunais que deem conta. A banda toca em outros ritmos.

É um Brasil profundo de sonhos e anseios antigos, mas ainda atuais. A luta pelo salário e o sustento. O sonhar de viver em caravana, passando por vários lugares, morando em lugar nenhum. A angústia e o cansaço da itinerância. O conflito da trama de personagens de origens distintas que são obrigados ou escolhem estarem juntos. O sanfoneiro que se apaixona pela outra artista. O companheiro deles que coleciona aventuras. Os diferentes talentos e as diversas formas de encarar as situações e agir. Os diferentes temperamentos e as distintas escolhas. A vivência como maleável e inesperada.

Um grupo de uma única caravana (do diretor Cacá- Cacáravana) mas com cada personagem pensando de forma distinta seu futuro. Um Brasil que flerta com a prostituição como renda. Um Brasil que cede a desejos e ao indesejável. Um Brasil entre o aceito e o condenável em uma mistura de opiniões, que de fato são o Brasil. Um Brasil que descobria que Manaus poderia, tinha já potencial para ser metrópole, ao menos para os acostumados ao nada conectado a quilômetros de mais nada. O sonho de alcançar Brasília, jovem capital federal, mais jovem do que os diluídos sonhos juvenis das personas gratas ou ingrata da estranha caravana.

Um Brasil que une folclores, talentos, trabalhos, rendas e a busca por rendas. Um Brasil que destoa entre os sertões sem água, os ribeiros à beira do rio, os litorâneos da pesca do mar, os transamazônicos e os mais novos moradores das selvas pedrosas. Os novos citadinos já periféricos e prontamente excluídos, que a exclusão costuma ser mais rápida que a "in" na batalha de prefixos. Fixam-se e desafixam-se. Preços e pessoas.

Um Brasil profundo formado pelo que tem de mais diverso para além de sua fauna e flora: formado por interiorizados cidadãos brasileiros, do sub-mundo das entranhas sertanejas e amazônicas. Nativos miscigenados por obrigação ou opção. "Atenção, rapaziada, muito obrigado pela atenção dispensada e até a próxima" - anuncia o circense em mais uma despedida dele e em ponto final onde aqui também por ora me despeço.

24 de maio de 2022

Quem?

Será que vale a pena perder algo pelo caminho apenas pelo suposto prazer de reencontrar? Quem nos garante a sensação futura? Quem nos garante futuro? Quem nos garante reencontrar?


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Reflexões após o filme A Noite



Processos da loucura

Como não ficar louco em uma sociedade em que uma consulta médica custa 500 reais? Com desconto do plano de saúde 400. Nem a consulta o plano de saúde capta, absorve, abrange integral. Só um mero desconto. 500 reais, quase meio salário mínimo. Mais de meio salário para muita gente abaixo do mínimo.

Vai gastar meio mês para uma consulta em que o médico apenas olha para sua cara? Os médicos estão cansados da exaustiva pandemia. Concordo, muito eu penso neles. Mas muito penso em nossos abatidos pacientes. Atendidos com demora e muitas vezes atendidos de qualquer jeito. Chateados com os sintomas e com a forma como são tratados. Ou destratados. 

A pessoa muitas vezes volta para casa sem a resolução de seu problema. E ainda cansa mais o psicológico. E hoje em dia o que não cansa o psicológico? Na era de tanta informação. De tanta tecnologia que nos bombardeia assuntos. Imagina não ter assuntos, algo vai pousar para falarmos. De piadas às piores crueldades, mas algo vai. E aqui mesmo no texto de uma origem fujo pela tangente em outras raízes. Mas o psicológico. O psicológico cansado dessas notícias, dessa necessidade de interagir, da era do pós-trabalho para quem trabalha, de casa ou não, mas sempre sobrando para casa. Antes levava do restaurante um pouco de comida para o cachorro, hoje leva mais algum cliente insatisfeito que poderia ter sido tratado mais cedo. Consultorias e atendimentos. Preocupação e ansiedade.

A era do pós-trabalho para quem trabalha e quer garantir um sustento que lhe permita 500 reais em uma consulta particular,  ou 400 reais se você bancar a continuidade mensal do plano de saúde que não cobre todos os gastos, sinto-lhe muito. Como estiquei o ouvido para o caso da senhora que consultou as secretarias para tentar um atendimento o quanto antes porque depois que ela foi no dentista passou a sentir-se tonta. Será que é neurológico ou o que é? Ela, à beira de seus 90 anos, nascida em 1933, irá descobrir e minha fofoca ficará incompleta porque ela agendou retorno só para o dia seguinte, às 18 horas.

Não gostei das secretarias. Quando falaram do tempo, de casa ou apartamento frio e sujeito à umidade, ok, mas também falaram de outros pacientes, que uma mulher no exame dela nada apontava então não haveria necessidade de pressa na marcação de sua consulta. O desaforo. E eu ouvindo me sentindo tapeado porque eu mesmo havia sido remarcado já duas vezes, passando da suspeita de um ciclone que ao fim nem veio, e depois pelas prioridades médicas de atender um necessitado de cirurgia, sua especialidade, corta e corta. E lá se foi outro turno. E eu reagendado olhando ali cabisbaixo para meus próprios tênis que já foram mais brancos, sujam e já não limpo e minha roupa amassada e já não me importo se assim fica porque tenho prioridade é de resolver a minha saúde.

E cabisbaixo como eu aguardava, cabisbaixo eu saio porque sou eu reagendado, sem solução, não é com esse médico muito menos com as secretarias fofoqueiras que vou me resolver. Adio meus problemas e preocupações. Gasto tempo e dinheiro. E linhas que obviamente esse texto é sobre muita gente dependente de SUS ou apalermada mesmo na sorte de um plano de saúde, talvez incompleto. O texto é sobre mim  cabisbaixo, abatido e um pouco mais pobre, sim. Também mais pobre de espírito. Ah, o psicológico... Ainda não sou totalmente louco porque redijo essas linhas todas. Mas só por isso será?

23 de maio de 2022

Viver

Será que é melhor viver a vida sabendo que pode morrer amanhã ou despreocupado, nunca pensando na morte? Pode ser ou parecer uma resposta fácil a você, mas para mim não é.

9 de maio de 2022

Melhor amigo do homem

Mesmo que nada mais suceda comigo, que eu não tenha futuro, a certeza de que, com a minha idade, já vivi mais do que duas gerações de cachorros.

Isso é confortável do meu ponto de vista, mas também um pouco triste. As pessoas gostam muito de cachorros. Não hesitaríamos em trocar algumas pessoas que conhecemos por mais anos aos companheiros caninos.

Faz parte. Pensando que não gostaríamos de ler os pensamentos dos gatos, mas dos cães até me parece menos desapontador. Ou não? Aquela dúvida de se gostam da gente ou da comida, do conforto que oferecemos. As velhas relações humanas... E também relações caninas.

Por mais que eu me distraia, alguma hora tenho o inevitável encontro comigo mesmo.

5 de maio de 2022

Planos inclinados

Vivia distante das possibilidades 

A boca seca e cheia de saudades

A sociedade a surpreender

Nunca viu de tudo, nem na tv 


Vivia isolado ao lado do nada

O corpo descansado, mas insaciado

Na mente o macabro

E tantas saladas

Um candelabro

De luz disfarçada


Vivia e morria diariamente

Vivia igual, morria diferente

Vivia afinal

Subjacente, rastejante

Insistente, planos doravante

Planos que surgiam 

Planos inclinados... decadentes


Planos descendentes da zombaria

Da ironia... única saída

Vivia e morria diariamente

2 de maio de 2022

O que farei?

O que farei da minha vida?

Agora estou à deriva 

Não sei mais o que sirva 

Mas sei o que não vai caber


Escrever mais umas linhas

Enquanto houver-me tinta

No pincel disposição

Páginas, telas em branco

Nos convidam um tanto

Para uma opinião


O que farei da minha vida?

A ferida tão aberta

Faz perder outras metas

Que não sejam fechar

As malas e as maletas

Pra de novo viajar

Entre a ida e a vinda

Se vai ou se fica

E mesmo parado

Poder tropeçar


Pra onde irem os passos?

O que faço da minha vida?

Não se resolve com laços

Na berlinda, o fracasso

Um talagaço

Para cada noite vinda


Para cada noite finda

O dia vem no cansaço

O que faço da minha vida?

Pra onde irem os passos?

Moscas em Círculos

Agora não quero escrever

Sobre todas as coisas

Como uma mosca

Só uma a me perturbar


Agora me vicia a caneta

A careta na face

Como se não importasse

O resto do planeta


Não quero escrever

Mesmo que eu esteja a ver

Sobre o que quer que seja

Só maneja a caneta

Uma faceta de assunto


Eu escrevo o assunto

O assunto me escreve

Um breve despejo

Leva a lejos y lejos

De qualquer lugar


Uma mosca em círculos

O voo no cubículo

A ideia e o instinto

E o sentimento faminto


A mosca na janela fechada

Sem saída, sem escadas

A fome nada sacia

Sem ser fatias desse assunto

O decisivo presunto

No papel que aceita tudo

Até o inaceitável

1 de maio de 2022

Caminhando para a morte

Caminhando para a morte

Alguma hora me vou

Não sei se falta de sorte

Eu já perdi o norte

Para saber onde vou


Caminhando já fui forte

Do corpo fraco estou

Os órgãos vão reduzindo 

A marcha e o acelerador

Ponto morto parou


Caminhei para morte 

Às vezes sem saber 

Errando GPS

A gente até esquece 

Como chegou aqui


Depara a perdição

Cercado de uma floresta 

É como a grande festa

Da destruição


Um sentimento confuso 

Facão erguido em punho

Para cortar matagais

Exige força, insistência

Mas por experiência

Só sei que vem mais e mais


Caminhando para a morte

Alguma hora me vou

Não sei se falta de sorte

Eu já perdi o norte

Para saber onde vou