O filme Bye Bye Brasil (1979) retrata o Brasil profundo. Já escrevo aqui enquanto assisto. Um circo que circula pelos interiores do Norte e Nordeste. Um novo membro que se junta à trupe pelo sonho de percorrer novos lugares e ver o mar. E de que outra forma um morador do sertão ganharia a oportunidade em plena década de 1970? Cacá Diegues na direção está atento a isso.
O Brasil profundo ainda pouco explorado no imaginário nacional ainda hoje, imagine na década de 70. Nos tempos de guerrilhas em Araguaia, de heranças bandeirantes que até os dias atuais pouco discutimos. Um Brasil de garimpos e outras explorações. De trabalhadores miseráveis e empresas milionárias. Um Brasil de talentos ignorados e cantores que lucram às custas de dinheiro público de prefeituras, como o sertanejo Gusttavo Lima com show de cerca de 800 mil reais em Roraima, me parece. Dinheiro de prefeitura que cada morador é contribuinte. E a saúde e a educação como andam?
Bye Bye Brasil contrasta as imagens da natureza de extenso e continental e inexplorado - ou explodado demais, como dito - país. Contrasta essas cenas com a gama de personagens que se angustia e se adapta aos desafios da estrada e da necessidade de público nesses sertões e rincões. Eles saem do Nordeste para seguir o caminhão de forma itinerante rumo ao Norte brasileiro. Mencionam o sonho da Altamira do Pará, mas sentem as dificuldades da longa estrada, da falta de recursos, da luta pela saúde, das distâncias de afastados cantos. Observam o rio Xingu. À essa altura já ganham novo companheiro, pois a acompanhante do sonhador sanfoneiro pariu uma criança em região inexata.
O rural e o urbano se contrastam. Os jegues e as pessoas dividem o centro das ruas e dos projetos inacabados de cidades. Os carros de som disputam espaço nos anúncios. As fachadas dos rasteiros prédios alegam consertos e vendas do que é possível e talvez impossível fazer. Os anseios dos personagens esbarram nas limitações de inequipados terrenos. É retratado um país de poucas regras, em que os personagens entram a ponto de conflitos violentos, sem quem os impedisse. É o Brasil profundo onde os fabricantes de lei andam por fora do círculo dela. Onde os fiscalizadores, se presentes estão, são subornados. Onde as testemunhas mantém outras formas de silencioso agir. Não há tribunais que deem conta. A banda toca em outros ritmos.
É um Brasil profundo de sonhos e anseios antigos, mas ainda atuais. A luta pelo salário e o sustento. O sonhar de viver em caravana, passando por vários lugares, morando em lugar nenhum. A angústia e o cansaço da itinerância. O conflito da trama de personagens de origens distintas que são obrigados ou escolhem estarem juntos. O sanfoneiro que se apaixona pela outra artista. O companheiro deles que coleciona aventuras. Os diferentes talentos e as diversas formas de encarar as situações e agir. Os diferentes temperamentos e as distintas escolhas. A vivência como maleável e inesperada.
Um grupo de uma única caravana (do diretor Cacá- Cacáravana) mas com cada personagem pensando de forma distinta seu futuro. Um Brasil que flerta com a prostituição como renda. Um Brasil que cede a desejos e ao indesejável. Um Brasil entre o aceito e o condenável em uma mistura de opiniões, que de fato são o Brasil. Um Brasil que descobria que Manaus poderia, tinha já potencial para ser metrópole, ao menos para os acostumados ao nada conectado a quilômetros de mais nada. O sonho de alcançar Brasília, jovem capital federal, mais jovem do que os diluídos sonhos juvenis das personas gratas ou ingrata da estranha caravana.
Um Brasil que une folclores, talentos, trabalhos, rendas e a busca por rendas. Um Brasil que destoa entre os sertões sem água, os ribeiros à beira do rio, os litorâneos da pesca do mar, os transamazônicos e os mais novos moradores das selvas pedrosas. Os novos citadinos já periféricos e prontamente excluídos, que a exclusão costuma ser mais rápida que a "in" na batalha de prefixos. Fixam-se e desafixam-se. Preços e pessoas.
Um Brasil profundo formado pelo que tem de mais diverso para além de sua fauna e flora: formado por interiorizados cidadãos brasileiros, do sub-mundo das entranhas sertanejas e amazônicas. Nativos miscigenados por obrigação ou opção. "Atenção, rapaziada, muito obrigado pela atenção dispensada e até a próxima" - anuncia o circense em mais uma despedida dele e em ponto final onde aqui também por ora me despeço.