18 de maio de 2024

Longe do Vietnam (1967)

Um grupo de diretores franceses, compositores da chamada Nouvelle Vague, fez apontamentos sobre a guerra do Vietnã em 1967.

Enquanto a guerra transcorria na Ásia, debates sobre as imagens e os sentimentos gerados também ocorriam. Segundo as próprias vozes oficiais dos Estados Unidos, era a primeira guerra com uma cobertura completa de imagens, televisão e telejornais. Correspondentes que acompanharam as movimentações do local voltaram zonzos. Uma repórter relata que não aguentava mais o som de motores, helicópteros e bombardeios.

Era a guerra do exército mais rico do mundo contra um pobre país. Uma guerra ideológica. Uma guerra para tentar servir de exemplo a todos que dessem oportunidade para a corrente do comunismo. Um pequeno país campesino se organizando para se defender de toneladas de bombas lançadas diariamente. Um país agrário em sua própria defesa, pois ali os soviéticos não quiseram esquentar a mão no que ainda hoje se chama de Guerra Fria.

Os vietnamitas se organizavam como podiam em suas pequenas cidades e vilarejos. Também tentavam encenações, peças de teatro para distração mas instruções. Foram cavados milhares de túneis e de abrigos individuais subterrâneos. Em caso de alarmes de bombardeios ou invasões, os vietnamitas se escondiam em alojamentos concretados abaixo da terra. Milhares devem ter sobrevivido a partir dessas construções rústicas e muito úteis. Os Estados Unidos eram o exército mais rico do mundo, com equipamentos tecnológicos até hoje para muitos países. Porém, os jovens mandados à guerra sabemos quem são. Não são os de famílias abastadas. São negros, latinos e pobres de estudos atrasados. Esses foram a maioria dos chamados voluntários. Muitas vezes coagidos e esperançosos por um emprego ou algum orgulho para suas chorosas famílias.

Protestos ocorreram longe do Vietnã. Na França  o vice-presidente dos Estados Unidos foi recebido a protestos, cartazes, correria e confrontos policiais. Ignorava os constantes "Go home". Ao mesmo tempo discursava seu discurso pronto de falso bom acolhimento, receptação amistosa e bem sucedida. Ao mesmo tempo os franceses viviam naquela década os confrontos com a Argélia, por exemplo, tema de filmes da época, como O Pequeno Soldado, de 1963, de Jean-Luc Godard.

Recentemente falecido, Godard é um dos que mais aparece em minhas citações. Ele encabeça essa lista de diretores responsáveis pelo drama documentário em questão. Godard afirmou que pensava fazer um filme específico sobre o Vietnã. Pensava colocar sua visão sobre a guerra, uma visão francesa e distante sobre a guerra. Percebeu que não adiantaria e isso é colonizar culturalmente, como os próprios Estados Unidos costumam fazer. Em seu relato, o diretor compara as lutas. O Vietnã em uma luta desesperada para sobreviver e ser seu próprio país, com seu próprio costume e seu povo humilde e simples de sempre. O cinema de Godard e de outros franceses e europeus travavam uma luta contra o domínio hollywoodiano do modo de fazer cinema. Comparações à parte, uns pela sobrevivência direta, outros pelos afazeres em modo de pensar e refletir cinema, para um ganho sim da comunidade intelectual europeia, ambos viviam aquela urgência para escapar das garras norte-americanas. Godard então não fez o filme direto sobre o Vietnam e comentou que era melhor que a visão vietnamita chegasse até eles, até a distância europeia para guerra. Aprender com eles ao invés de impor o ponto de vista sobre aquele distante conflito, que chegava apenas por imagens captadas e editadas para uso pelo mundo ocidental.

Um norte-americano de nome Morrison se suicidou nos Estados Unidos ateando fogo em seu próprio corpo. Foi um protesto pela forma como muitos vietnamitas morriam na Ásia, queimados pelos soldados dos EUA. A esposa concedeu entrevista que não se surpreendeu com a atitude de Morrison, pois era assim que ele reagia ao ver as imagens da guerra. Impotente, mas jamais desinteressado. Suicidou-se em gesto lembrado até hoje. Uma família vietnamita em França deu entrevista sobre o ocorrido, agradecendo ao norte-americano que se sacrificou por eles, pelo seu povo.

Em tempos de refletir quem conhecemos, quem tem fama, sabemos então que o suicida chama-se Morrison. Mas quantos vietnamitas conhecemos? Quais figuras públicas nos chegam ao conhecimento? E os milhares que lá morremos que conhecemos apenas por "os vietnamitas"? Quantas histórias de agricultores, pescadores, motoristas e trabalhadores de construção ou de organizações comunitárias lá foram ceifadas? Em Nova York houve enorme protesto, assim como em outras cidades dos EUA, calculando que mais de 500 mil pessoas foram às ruas pedir pela paz, pelo cessar fogo, para trazerem as tropas de volta para casa. Muitos ainda eram a favor da guerra e devolviam argumentos típicos da direita. Uma luta patriótica pela libertação do Vietnã. Libertação  de quem? Do comunismo? Dos sovietes que nem mais se meteram nesse conflito armado?

E todas essas mortes em nome do domínio, do imperialismo, da economia dos Estados Unidos ao longo do século 20? Por que chamamos guerra fria se tantos morreram? E essa economia dos Estados Unidos que cedo ou tarde seria ultrapassada e hoje chamamos o seu capitalismo de tardio? Valeu a pena?

Cartazes afirmavam frases prontas sobre os ricos ficarem mais ricos e os pobres na pior. É isto que ocorre. Empresas lucram de forma bélica e jovens são postos à morte, entregues a terrenos hostis e desconhecidos, em Vietnãs, Iraques ou Afeganistões. Ou Palestinas. Mais do que isso, esses confrontos em que os apertadores de botão não botam a cara, não saem de suas salinhas condicionadas, ceifam jovens, mulheres, civis, crianças do lado oposto, gerações perdidas eternamente. O Vietnã pontuou que seria resistência. Este era o pensamento nacional, pela sua própria libertação dos yankees, custe o que custasse, o tempo que custasse. A guerra declinava e para os Estados Unidos a desistência foi uma dura derrota. O sentimento nacional dos yankees debilitado, o rabo entre as pernas, a soberania afetada, o saldo sempre em mortes mais do que representado em cifras.

Os vietnamitas dos exércitos improvisados e desestruturados resistiram. Um pequeno país agrário, conhecedor de seu terreno, contra jatos, aviões, tanques e rambos. Um trecho do filme Longe do Vietnã convoca a todos formarem seu próprio Vietnã ideológico. Se você for dos Estados Unidos, lute pelos negros, pelos panteras negras, se você for da Guiné ou da Angola, lute contra os portugueses, se você for latino-americano, lute pela sua América, pela sua gente, pelos seus produtores. Não caia nas garras da dominação estrangeira que tanto tenta interferir e explorar o máximo possível o seu país. O Vietnã foi um exemplo positivo, como defendia o governo cubano, de que era possível resistir, mesmo a um preço tão caro, vidas acabadas pela guerra contra a dominação estrangeira com seu aparato tecnológico bélico.

O Vietnã ainda tão pouco estudado ainda pode ser visto por nós. Como em filmes como Longe do Vietnã, mesmo nós estando distantes. Estávamos distante territorialmente, distantes agora temporalmente passados mais de 50 anos, mas a dominação capitalista selvagem em nossas florestas, nossas cidades, nossas agências de notícias permanece. O que fazemos a respeito? Onde está o nosso Vietnã? Por que Elon Musk doa antenas ao Rio Grande do Sul? Por que o governo Biden doou 100 mil reais enquanto para as guerras em Israel ou na frente ucraniana são bilhões? Que interesse eles têm em ajudar? Ou permanecem esquentando guerras que só são frias porque não são no território deles? Perguntas que devemos nos fazer. Onde está o nosso Vietnã que poderíamos constituir no dia a dia?


Longe do Vietnã (1967)

Direção: Chris Marker, Joris IvensClaude LelouchAlain ResnaisJean-Luc GodardAgnès Varda e William Klein.

Sinopse pelo Filmow: Diversos cineastas da Nouvelle Vague documentam e expressam sua simpatia pelo exército norte-vietnamita, durante a guerra do Vietnã.






17 de maio de 2024

Wim Wenders

Filmes de Win Wenders 

Nem sempre vendem

Acrobatas, luz que apaga

Luz que acende

Pessoas de gravata

Pessoas que ninguém entende

Luzes que acendem 

Dentro da mente

Como em um típico filme 

De Wim Wenders


Alemanha repleta de anjos

No alto das torres e pelos cantos

Acrobatas que não usam cordas

Valores, ideias quase mortas

Como em um típico filme

De Wim Wenders 

Ideias desalojadas mudam de sede 

A vida descoordenada ao que se pede

O lamento, a angústia é o que se bebe

Como em um típico filme 

De Wim Wenders 


Sensibilidade pra entender

Trens e nomes de cidades

Pessoas achadas e que se perdem

Berlim, Wolfsburg, Nuremberg 

Como em um típico filme 

De Wim Wenders 

7 de maio de 2024

Arsèny Tarkovsky

Em O Espelho (1975)

... o destino nos persegue como um maníaco com uma navalha em mãos.

... a agulha veloz da vida me puxa pelo mundo como uma linha (poema Vida, Vida)

3 de maio de 2024

Compasso de Espera (1973)

"Toda nossa existência não passa do instante em que a lâmpada se queima em meio a esse infinito."

"Só lhe importam duas coisas: as composições artísticas e o que pode fazer pelos outros."