25 de dezembro de 2020
Se Chamava Antônio
19 de dezembro de 2020
Crônica insaciada
11 de dezembro de 2020
Adriane
Adriane tinha 22 anos. A conheci por ela ser torcedora do Sport Club Internacional, embora eu seja gremista. Mas fiquei sabendo de todos seus acontecimentos. Era bonita, uma moça que chamava a atenção, mesmo que sua autoestima fosse baixa. Era morena de cabelo e mesmo com a pele pouco bronzeada se sentia no direito de me chamar de branquelo.
Ela havia terminado o ensino médio e, por influências dos demais e necessidades que ela mesmo imputava, começara a trabalhar cedo, tão logo se formara. A escassez de locais para estudar na sua cidade, no norte do Rio Grande do Sul, e na região, em geral, fizeram com que preferisse o trabalho e o dinheiro imediato. Queria também ajudar a mãe e, afinal de contas, a irmã era mais nova. Não muito, mas era. Eram até parecidas, mas eu nunca as confundira.
O pai havia partido ainda na sua infância. Deixou como legado a oportunidade de torcer para o Internacional, que vinha forte naquela década, levando tremenda vantagem sobre seu maior rival, o Grêmio. Mas aos poucos as conquistas se tornaram apenas estaduais e depois nem isso. O pai não voltou. Na velha metáfora de que saiu para comprar cigarros e nunca mais deu as caras. Talvez tivesse cruzado a fronteira em direção à Argentina ou mais provavelmente até ao Paraguai. Mesmo que o norte da Argentina também fosse uma opção plausível para planos desconhecidos de distanciamento. A família agora era composta por ela, sua mãe e sua irmã mais jovem, esta já também encerrando os estudos do nível médio.
Adriane iniciou sua vida sexual rapidamente. Após anos apenas ouvindo relatos das amigas, quando teve a oportunidade, não parou. Isto por um determinado tempo. Logo ela perdeu o interesse naqueles despropositados. Em cidade pequena, quis evitar a má fama que, embora não combine com os tempos progressistas a que nos propomos, ela existe, vocês queiram, concordem ou não. Então, ela parou. Mas podemos afirmar que o ocorrido se sucedera por experiência e vontade próprias. Ela já não sentia essa atração em que iniciara por influência de terceiros e que depois persistia pelo gozo pujante das primeiras tentativas. Foram alguns êxitos, outras decepções, nada demais a salientar nesse ponto.
No fim das contas, nossa heroína se estabeleceu com um rapaz alto, de meio bigode, olhos semicerrados e meios cabelos, daqueles nem longos nem curtos. Ela afirmava que eu parecia com ele. Não lhe dou nem retiro o diabo da razão nessa comparação. Entre idas e vindas, não moravam na mesma cidade, eram dois interioranos, ou seja, necessitavam da estrada para encontros em finais de semana que se apimentassem, mas mantinham a relação que lhes era benéfica. Ele precisava dela, pois enxergava em Adriane o potencial de inteligência atrelado ao sentimentalismo. Ela, embora ocultasse esse coração escorregadio, se interessava por ele e encontrava o lapso da proteção em meio a um mundo despedaçado, que cedia, que perdia centímetros de altura na areia movediça e sugadora chamada humanidade. O planeta, e sobretudo o país daquelas decisões políticas dantescas, se recolhia à mediocridade enquanto ela tentava meios de sobreviver. Precisava superar a ausência do pai, aconselhar e ficar feliz pelos acertos da irmã, sobremaneira procurar seus próprios acertos, dos quais ela se convencia de que o gremista de bigodinho estava de bom tamanho para suas ambições presentes.
O trabalho. Adriane tinha experiências profissionais. À essa altura em que parou de conhecer pessoas e manteve-se com o gremista de nome e sobrenome estranhos, podemos afirmar que Drica (para variar os termos) possuía mais histórias sobre seus encargos trabalhistas do que sexualmente ativa. O simples fato de levantar pelas manhãs - com sorte antes do almoço para labutar turnos da tarde - fazia com que ela nunca soubesse o que esperar quando cruzava a catraca, batia o ponto, realizava suas tarefas. Companheiros de trabalho malucos, chefes inconvenientes, clientes propriamente sem noção, lunáticos à solta desde que botava o pé para fora de casa, até girar a chave com o tempo anoitecendo no final de cada expediente. Era uma rotina que testava suas habilidades mentais nos campos da sobrevivência.
Voltava a questão à tona de que Adriane era, sim, muito bonita, caso não tenha ficado claro no começo dessa explanação. Novamente quer vocês concordem ou não, isso atrai os mais diversos tipos perversos. Alguns talvez a perguntar o que estou fazendo aqui. Ora pois, de imediato sou apenas o narrador. Além do mais, convinha a ela que eu fosse algum braço da segurança necessária quando me relatava os diversos episódicos amalucados aos quais ela era submetida e precisava sair pelas tangenciais, escapar das garras daquele averso e nefando dia a dia.
Para se entender Adriane... considero impossível. Não serei eu, à distância, que relatarei os pormenores que lhe passavam na mente. Ela própria, controladora ou controlada pela própria mente, não conseguiria definições plenamente satisfatórias, por estar tudo em fase de ensaio, sem conclusões. Além do mais, mesmo com o fechamento de capítulos, ela observando em um degrau diferente da altura do acontecimento, seja qual for, nem ela própria conseguiria manifestar e julgar suas decisões como acertadas ou errôneas, suficientes ou insuficientes, necessárias ou inventadas, fantasiosas ou inevitáveis. Desculpem o excesso de pares, em vista que justamente desistimos de enumerá-los e apontá-los entre uma coluna ou outra. Em casos específicos, traremos situações em que ela usufruiu de uma distante noção de felicidade, que conseguiu aninhar-se junto a momentos alegres, válvulas de escape a uma rotina tão implacável, intervalos do cômico-trágico que ela vivenciava. Faço relatos por admiração a Adriane, por sua perseverança, por acreditar que no fundo era uma boa alma, uma alma necessária ao encontro do que eu procurava, uma pessoa normal e miraculosa, exagerada pelas minhas hipérboles e diminuta pelo relógio e pelas paredes do tempo-espaço em geral. Em resumo, Adriane era jovem, sentimental, embora com todos seus motivos para não gostar transparecer, aparentar que fosse sentimentalista. Era colorada e bonita. De forma e alma.
4 de dezembro de 2020
Verbas
Verbas aos "Vermes"
É o que o governo
A cada inverno serve
Entre parapeitos e soleiras
Longe das estufas e lareiras
E os juízes e seus auxílios
Em seus corruptíveis exílios
Champanhe aos chefes
Tribunais e seus blefes
Siglas terminadas em Efes
Federais
Ai Ai Ai
Ai Ai
Os bingos clandestinos
E os destinos oficiais
O que segue funcionando
E o que se esconde pelas capitais
Ai Ai Ai
Ai Ai
3 de dezembro de 2020
Só a luz no fim do túnel para nos salvar do invisível
Quem já teve o privilégio ou sacrifício (ou mesmo sacrilégio!) de conversar comigo sabe como gosto de alterar (e alternar) os assuntos rapidamente. Uma troca de marchas sem pisar na embreagem, uma arrancada rumo a outro pensamento sem ligar a seta para o lado que estamos nos deslocando. Eu troco constantemente de assunto e arrisquei minutos antes a propor alguns tópicos para a discussão de hoje.
A ideia, esse conceito abstrato de pandemia ao qual vamos nos adaptando em 2020 me traz em dezembro definições entre as tantas indefinições que estamos vivendo. Seguidamente em casa, com a minha família, debatemos sobre as incertezas do personagem do ano, o - novo - coronavírus. Invisível a olho nu, microscópico e somente podendo ser visualizado através daqueles microscópios eletrônicos, das últimas gerações científicas. Ou seja, nada de saber onde ele está, pelas superfícies, produtos de supermercados e armazéns, corrimãos, bancos de praça, frutas e demais artigos de feiras, obras de arte, mãos amigas, mãos inimigas, mãos desconhecidas, nossos próprios parentes. No ar. Não sabemos onde o coronavírus está.
Depois, outro debate que temos seguidamente em casa é sobre os sintomas. A incerteza de quais os sintomas gerados por essa doença nova, a covid-19, em adultos e crianças. Na semana, o que tem chamado atenção da mídia é a possibilidade da covid causar posteriormente uma síndrome inflamatória multissistêmica. E a mortalidade dela, que tem sido comum em crianças e jovens em geral, é maior do que a taxa da covid-19. Isso desperta a revolta de professores e familiares quanto à abertura das escolas, determinada em portarias pelos estados de nosso Brasil. Para completar a confusão, o Ministério da Educação ainda assinou pela volta das universidades a partir da virada do ano, no primeiro andar do janeiro de 2021. Os reitores são totalmente contrários e classificam incluso como absurda a decisão governamental.
Estava falando dos sintomas biológicos e intrometi o diabo da política. Queria me referir à incerteza dos sintomas provocados pela covid-19. A paranoia dessa pandemia nos faz pensar que qualquer dor pode sim ser a doença. E devemos tomar todos os cuidados para não estarmos com ela em sintomas brandos e acabarmos infectando outras pessoas. Um problemão. Problemas na garganta, difculdades respiratórias, dores de cabeça, a dor no corpo que tive no início da pandemia e que não sabemos o que pode ter ocasionado, eu que nunca tive dor no corpo anteriormente. Mas era recém o começo da pandemia, os casos na cidade eram abaixo dos 500 (no nosso universo de mais de 300 mil pessoas), eu já não saía de casa desde o cancelamento das aulas da universidade, fazendo meu trabalho em home office. A possibilidade de eu ter sido atingido pela pandemia global era diminuta. Mas não impossível, portanto não sabemos.
Ok, caso eu tenha tido, ou meus pais tenham tido, ou minha irmã, que chegou a realizar teste por apresentar sintomas, mas obteve resultado negativo, caso ela tenha tido, ainda existe o raio da possibilidade da reinfecção. Possuir a doença, curar-se, isso não te livra de readquiri-la, ou seja, mais pitadas de paranoia na nossa conturbada receita. Inclusive, na carência de estudos mais detalhados acerca de tão nova doença, alguns companheiros haviam questionado sobre a taxa de reinfecção no Brasil parecer bastante alta em relação ao que se comenta e se traz de notícias de outras partes do mundo. Ou seja, além do Brasil ser um dos países com maiores taxas de contaminação, com a ainda segunda maior mortalidade do mundo (deve ser ultrapassado em seguida pela Índia), ainda convivemos com a possibilidade de, mesmo se livrando da doença uma vez, pegarmos novamente a dita cuja.
Como não sabemos onde está o coronavírus, não temos a garantia de encontros em segurança com parentes, amigos, nem demais encontros afetivos. A possibilidade de respirar o vírus, emergido por meio da fala, da saliva, impossibilita essas reuniões presenciais. Ao menos manteremos essa logística para o mês com a chegada das festas de final de ano. Seremos apenas nós os quatro em casa e os demais familiares em suas residências (e resistências). Em meu círculo de familiares, obtiveram a doença minha prima, após muitos testes negativos e com sequelas graves, as quais ela segue combatendo, meu padrinho, irmão da mesma prima, mas que foi confirmado com a doença tempos depois, por alguma saída ou mesmo no serviço presencial que ele continuou executando na central de alarmes para casas ou veículos automotivos. E para completar as ameaças à minha avó, matriarca hoje da família aos 87 anos, a vizinha de prédio delas, justamente a responsável por um dia alugarem endereço no final do centro, a Dona F. acabou adquirindo a doença e passou pelo período de total isolamento, tendo se recuperado, apesar de sua idade considerável para torná-la grupo de risco e demais doenças que poderiam acometê-la. O pior é que terminar esse longo parágrafo em nada nos submete a garantia de que o pior, antes das vacinas devidamente virem, principalmente para nossos velhos de grupo de risco, nada garante que o pior já tenha sido ultrapassado. Tanto minha prima segue em recuperação de seus sintomas e debilidades mais graves, quanto a cada dia, a cada semana, a cada mês voltamos às atenções à luta para não cruzar com o vírus sem eliminá-lo por meio do álcool em gel ou da lavagem muito bem executada com sabão neutro e água corrente.
Alheio e ao mesmo tempo intrínseco a isso temos nossas batalhas psicológicas, nossa relação com o distanciamento e isolamento sociais. Nosso afastamento de procedimentos rotineiros, cotidianos que gostaríamos de realizar. Pessoas que gostaríamos de rever, outras que gostaríamos de conhecer, atividades físicas negligenciadas pelo risco de contaminação, como nos desportos coletivos, nos passeios em grupo, nas festas, nos cortejos de formaturas, aniversários e outras realizações. Tudo isso em que estamos impedidos. A espera pela vacina dita o ritmo dos próximos passos e, retomando rapidamente o despertar político que ora me surgiu, que Ministério genocida nenhum intervenha no que hoje seria uma vitória calamitosa em favor do vírus. Sigamos em nossas batalhas, unidos pelo distanciamento até que a luz do fim do túnel seja uma agulha em nossos braços com princípios ativos corretos pela imunidade comprovada. Até lá, continuaremos nos esbarrando nesses assuntos e desviando deles com distrações que nos façam bem. Exatamente agora me deu saudade de perder no Scrabble pra ela.
-
Mediante as mudanças em políticas de inclusão na Europa e nos Estados Unidos durante os anos 1990, o autor jamaicano Stuart Hall propõe ques...
-
Não sei porque certas histórias nos cruzam ao caminho, se por destino ou mera coincidência. Essa é uma das dúvidas que movem a humanidade. E...
-
De Cierta Manera é um filme cubano que já inicia polêmico por sua data. Gravado substancialmente em 1974, foi concluído apenas em 1977. Dire...
-
O trabalho obrigatório poda a criação liberta. Tive que guardar umas poucas coisas antes de deitar para escrever essas linhas e quase perdi ...
-
Acabo de ver o filme Vale das Bonecas, direção de Mark Robson, de 1967. A primeira crítica que leio sobre foi a de entregar a direção nas mã...
-
O filme é assinado pelo diretor do presente filme da Barbie (2023), Noah Baumbach. Escolhi assistir sem essa importante referência, mas fui ...
-
"Havia um tempo em que eu não sabia se era feliz ou infeliz. Sinto falta dele." "... disfarçava suas falhas por trás das pret...
-
Meu pai conhecia desde sua infância, nos velhos muros que, contrariando lógicas e passadas enchentes, mantém-se de pé. Vermelho e branco, pe...
-
Tenho medo de não amar-te E perceber que nada amo Perceber que toda vida Solamente solidão, engano Tenho medo à parte Durante a arte em que ...
-
caralho, já é quase o meio do ano e nós o que mudamos? hoje foi minha caneta que me deixou falhou até isso ser tudo seu estado natural ...