15 de julho de 2018

refaz

queria eu me desculpar
pelo poema passado
que deixei suspenso no ar
completamente incompleto
totalmente inacabado

deixei o poema no varal
corretamente esticado
a secar no sol
mas veio a chuva
fazendo o que a chuva faz

que azar o meu, mas que paz
aquele poema todo molhado
abandonado, encharcado
mas novamente enxugado
pelo sol que refaz

13 de julho de 2018

sinto muito

sinto tristeza quando não consigo
sinto tristeza quando não conseguem
sinto muito

sinto quando o prédio ergue
tão imponentemente cheio nesse mundo
sinto o vazio de um vagabundo
deitado
sem saber onde se insere
sinto muito

sinto quando a febre vem, vem feito lebre
vem pesar a cabeça antes leve
vem cabecear de tourada minha pele
nessa toada adentra como um germe

sinto muito

8 de julho de 2018

Dois Trintas

Era mais um aniversário. O trigésimo da parente que conheço desde a infância. Todos nós envelhecemos. Ela sempre foi mais popular, jogava voleibol, se bronzeava e teve namorado na adolescência. Teve poucos até os 30 que somou de idade, mas tinha e tem.

Faltou luz antes de meus pais e eu sairmos. Era também aniversário da cidade que nos acolheu. Mesmo dia. A fiação elétrica em tamanha localidade pampeana e úmida jamais foi consertada. Estávamos em dúvida se o salão alugado em um condomínio mais novo estava com luz. Felizmente às festividades, os bairros atingidos pelo apagão não incluíram o do evento.

Antes de sair, obviamente quase refuguei o convite. Contato social é um grande cansaço e me pergunto se ainda o sei fazer sem a companhia do álcool. A verdade é que, independente da minha tentativa de demora, partimos na hora pré-programada, porém erramos a rua em que deveríamos entrar, ligamos para celulares e finalmente encontramos a entrada correta, com meu pai demorando minutos para decidir o estacionamento que mais lhe agradava. Então descemos pela cortina de frio da noite com uma leve garoa, a tônica do final de semana e talvez de todo o inverno na cidade.

Os familiares que chegaram antes escolheram uma mesa no canto do salão, com minha avó, minha tia e sua acompanhante de anos, quase década se bem me lembro. Mas logo as mesas foram juntadas, justapostas com outras pessoas. Foram menos convidados do que eu pensava, mas acho que a vida é assim quando se chega aos 30 anos. Não sou de planejar e muito menos executar esses tipos de festas, por não querer e nem poder, cá pra mim. Não teria saco para a mesma responsabilidade. Esse lance de receber convidados e dividir atenções nos intermináveis contatos sociais. Ser o primeiro a chegar e o último a sair. Não me agrada e precisaria talvez de uma semana para recuperar-me em repouso na companhia dos mais significantes silêncios e introspecções.

Uma senhora que até agora não sei exatamente a ligação com a família da parente apareceu e veio se chegando à nossa mesa. Sequer tivemos a oportunidade de nos entreolharmos e questionar sua presença assim tão próxima e, para alguns, invasiva. Mas o julgamento rápido do ingresso dela na bolha logo dá lugar a uma espécie de pena por perceber-lhe a solidão. A solidão que hoje carrega seja pela idade ou pela ineficiência de seus mais recentes contatos, a falta de com quem conversar e nosso papel de interlocutores enquanto rola a música e começa a festa.

Ela logo se mostrou mais fã do quentão do que deveria e a pena se estenderia para reavaliar seu estado de saúde debilitado, causado pela quantidade de álcool ingerido. Eu, tão jovem, não sinto o impacto das cervejas bebidas em teor não recomendado pelos demais familiares, mas que não me causam estranheza mesmo diante da mistura do pouco de quentão do início da festividade.

A senhora essa puxa assuntos de quando em quando ao se aproximar da gente. Ela pergunta por meu trabalho na rádio e nada me motiva a falar muito sobre, mas esclareço que meu turno é da noite e ela afirma gostar do horário para o serviço. Sobre não gostar de acordar cedo, outro de nossos pontos em comum, ela brinca que eu seria seu filho roubado da maternidade. Até me divirto e simpatizo com a conversa.

Ela cuida de uma menina pequena que tem apenas um menino pilchado e agauchado como companhia para as brincadeiras. Tentam se esconder pelo salão, mas o local não é tão grande, nem dotado de opções para esse jogo estratégico e embaixo das mesas é um esconderijo incômodo aos pares de perna cruzados em volta. Até arriscam a brincar um pouco na volta do salão, onde há uma espécie de pracinha. A menina tem problemas de fala, um pouco gaga, problema que talvez se acentue pelo nervosismo e alguns julgamentos que ora recebe das demais crianças. O menino, por sua vez, me parece hiperativo, corre, pula e às vezes grita. Gostou mesmo é de jogar o famoso voleibol com balões, bons treinos para os reflexos e coordenação desses pequenos atletas.

Lá fora eles fizeram amizade foi com um cão de rua (ou de condomínio, um laço comunitário dos novos moradores do local?). Só os descubro assim após a terceira ida ao banheiro, ocasionada pelo efeito diurético do que ingeri por meio das latas. Ao estar na rua em determinado desses momentos, meu padrinho chega acompanhado da sua e me perguntam se estou na rua fumando. Logo abro os braços em questionamento dessa anedota e me vem à mente que meus pais jamais me viram em posse de um cigarro. E procuro manter minha lógica de jamais comprá-los, mas, às vezes, casos esporádicos, sofro a baixa moralizante que me faz tragá-los mediante convites.

O horário avança comigo com pena de diversos personagens presentes. O taxista que perdeu uma das pernas e usa prótese desde 1998; minha tia, viúva há quase 10 anos e sem acompanhantes posteriores, seus filhos às vezes tão desunidos e às vezes unidos somente superficialmente ou perante testemunhas, como ocorre na internet; meus pais que pouco dialogaram na noite em questão como se o relacionamento deles próprios fosse um quentão ou um café frio. Minha vó divorciada faz uns 30 anos e que perdeu o companheiro para a velhice tratada em lar de idosos na capital do estado. Converso sobre isso sob o efeito do álcool e noto seu olhar distante, talvez memorando o passado ao seu lado. Se bem que agora me recordo que ela o trouxe à conversa quando determinado negro de chapéu adentrou ao salão, um dos músicos da banda que animou a noite com os clássicos do samba, entoados pela maioria, acompanhados em instrumentos por alguns e dançado por ainda alguns outros, e estes se revezando enquanto bati meus pés no maior tempo sentado, nas proximidades do ex-taxista Ricardo e sua prótese que não mais se reclina, não articula como sugeriria um joelho, além de outras pessoas mais contidas, seja pela idade ou pelo rubor de tampouco não saberem dançar.

Semeando essas diversas mágoas, a noite se termina na costumeira desculpa que minha mãe insiste há mais de década, apesar dos últimos longos anos de ineficácia. Colocar a culpa nos filhos para ela, a interessada, se render ao sono ou ao descanso que sua mente também pouco disposta às assembleias lhe exige. Embalado pelo álcool, distribuo franqueza de que ela, na verdade, nos invita a sair e não sou eu o culpado, como ela sugere. Ademais me despedindo dos organizadores e das demais pessoas, as sendo mais ou menos conhecidas, a senhora lá do início da festa se retira conosco, passando um pouco mal. Ela segue tagarela atiçada pelo álcool anterior e, mais tarde, minha mãe afirma que a ajudou a vomitar um pouco no pequeno pátio ao lado do salão. Coitada. Fragilidade que assim nos comove.

Na companhia desses jovens idosos, me retiro da festa antes da uma hora da manhã. A senhora essa mora na avenida mais movimentada da cidade, onde atravessamos um trânsito de motos barulhentas sem escapamento, alguns carros com som e bonés e capuzes que escondem fisionomias suspeitas sob eles. Ela desce sacando a chave de casa e felizmente consegue terminar essa parte da missão não sem antes agradecer-nos. Em uma noite de tantas reflexões e espaços na filosofia, espaço que circulava e circundava na extensa pista de dança desocupada do salão, com exceção de uns dois casais por vez, percebo a tão óbvia constatação de que logo chegam os 30 e destes para o dobro, os 60, são passos mais curtos do que podem parecer. Castiga-nos o tempo que tão rápido nos assola, enquanto o vento lá fora, en una nueva noche fría, assobia e cantarola alguma cantiga que nos empurra novas percepções, descobertas e significados.

3 de julho de 2018

ou não é?

a vida nos depara páginas
em que lamentamos a não perfeição
e logo em seguida
nos deparamos com os fins
a tortura
a fome
a pobreza
a riqueza irregular
as leis da natureza
gatos comendo cabeças de pássaros
rabos de lagartixas
depois miam fino e pedem mais
mais comida
bocas que beijam avós e mães
saboreiam pães
lambem paus e vaginas
nas diferentes páginas
repaginadas da vida
 

2 de julho de 2018

festa junina

estávamos juntos na zona de rebaixamento
com pensamentos cruzados
enfeitados ou enfeiados naquele momento?
eu que amodeio rotina
e não curto compromisso
comemorava ou só lamento?
eu estava ao seu lado
mas você não estava
ao menos
do meu