Escrevo mais uma madrugada envolto de pouca saúde física. Creio que em algum momento terei um ataque fatal que me deixará sem defesa, de cartas postas na mesa. Algum dia não poderei mais escrever aqui. Queria ter chegado aos 30 anos, mas não me parece que será possível. Encaro a proximidade com a minha morte como um processo natural, mas não deixo de lamentar o fato de que ainda sou um pouco jovem para isso. A expectativa de vida na população é entre o dobro e o triplo da minha idade.
Penso que alguns amigos e outros tantos conhecidos estarão vivendo os efeitos do tempo, alguns mais gordos e flácidos, outros calvos. As mulheres também perdem sua juventude. É assim há mais séculos do que temos registros precisos.
Caso não estivesse escrevendo nesta madrugada, estaria assistindo aos desfechos de O Poderoso Chefão em 1990. Desta vez os Corleone se envolvem com Mancini, que força a entrada para família também em busca da filha de Michael Corleone. Os tribunais forjadamente injustos e os dramas familiares me desinteressam, para desespero dos demais críticos ou de quem possa parar aqui. Não é uma sequência de filmes que me despertou, que me deixou atinado. Para além dessa frieza que contrasta com o sangue que ferve pela família, estava mais envolto na atmosfera de algum Scarface, queimando tudo por Miami.
Também aqui queimo as linhas que logo depois posso me arrepender. Mas como comecei sem saber até quando terei a saúde e a condição da escrita, me permito alguns (des)embaraços e exageros. Com a minha vida, para quem desconheça minha condição de saúde, sigo desempenhando mais tarefas do que a maioria seria capaz. Um dia, ou não, isto será grifado. Se eu tiver um obituário como me sonha desempenhar para os outros que partem, minhas atividades serão supervalorizadas, o que contrasta com meu salário mirrado e com a falta de interesse deles hoje pela obra que deixarei.
Talvez infinidades sejam melhores do que eu, mas confesso que onde pus esforço e algum raro empenho, me saí sempre entre os melhores. Desde a prova do IFSul no final de 2009, em que ingressei em 2010 talvez com a ou uma das melhores notas de toda região sem passar por cursinho preparatório. Sem estudar mais do que estudava na escola, calculei meu desempenho como o 15⁰ melhor da região, caso me engane. Sem curso preparatório - nota, em mais de um sentido, do autor.
O vento sopra forte lá fora. Acho que desisto de pensar que significa algo porque o tempo nessa cidade está sempre aprontando. Discuto com ela e vento. Falece um familiar e chuva. Minha tia briga com alguém e vento. Vejo uma cena tensa na televisão e chuva. Gol do colorado e vento. Gol que leva o Grêmio e chuva.
O Inter não vai levar o Campeonato Brasileiro 2022, mas está cada vez mais maduro para voltar a conquistar algo grande. Não podemos dizer que não aproveitamos os últimos seis anos em que isso não ocorreu. Nem estadual levaram. Mas logo levarão. O Grêmio é uma incógnita com a troca de direção. O panorama é péssimo. É mais fácil imaginar que volte para segunda divisão do que para uma conquista mais ligeira. Entretanto, ainda defende os títulos estaduais das últimas cinco temporadas. Até que não é pouco. Pelo que se espera deles - quase nada - é muito.
Os últimos meses provam que até tenho condições de morar sozinho, apesar de minha preguiça, falta de perspectiva, saúde e empenho. A falta de perspectiva é o principal adversário de momento. Perdão. Com certeza é a falta de saúde. A falta de perspectiva foi em outros tempos. Hoje ela vem necessariamente acompanhada da falta de saúde. A falta de saúde me impede de sair dessa. Mas, permanecendo nessa, tento não sucumbir tão cedo. Primeiro é passar a eleição. Depois é tentar assistir à Copa do Mundo.
Me arrependo de nada. Só da lesão pontual que me traz até aqui. Creio que poderia ser evitada. Mas na época eu não sabia. Não sabia de muita coisa. Às vezes penso que sou castigado pela quantidade de vezes que eu quis morrer anteriormente. Achava que a morte buscava mais rápido. Parece que para mim será uma longa viagem de despedida. Enquanto ainda não embarco nela, ou enquanto posso escrever nesse longo transportar, aqui permaneço.
Havia feito uma previsão, pessimista, por suposto, de que por ironia a vida começaria a me abandonar quando dela eu me apetecesse. As coisas hoje brilham como luzes de aviões ao longe, em um céu neblinado. Brilham foscas como a luzes vermelhas do alto de prédios que avisam os mesmos aviões. Nós as ignoramos no cotidiano. Eu tento me apegar a essas luzes que todavia me impedem de desistir. Se eu as ignorar, serei um avião definitivamente sem rumo. Serei um piloto automático a caminho da morte. Serei um voo de menos escalas que me são permitidas.
Serei. Serei algo confuso e difuso quando meu horizonte tiver fim. Não sei se serei bom ou serei ruim. Por ora apenas sou. Não sei se sou o goleiro ou quem perde o gol. Não sei se sou o piloto ou quem se joga do voo. Não sei se arranco ou se perco o marfim. Não sei se serei bom ou serei ruim. Por ora apenas sou.