Às vezes quero ser como todo mundo, às vezes quero ser diferente de todos. A segunda opção sempre é mais fácil, porque de fato sou. No íntimo, no âmago. Me desperta interesse ir descobrindo pontos em comum com as pessoas. Não ser totalmente distinto, embora seja. Enquanto escrevo, penso na máquina de escrever em que não poderia retroceder ao que confesso, nem escapar dos erros ortográficos. Vou adiante.
Penso que meus sonhos sempre são mais belos do que a realidade. Dificilmente a vida os supera, embora já tenha feito. Talvez eu esteja no mundo para sonhar, para a partir dos sonhos criar, não necessariamente para realizá-los. Talvez a realização ofusque parte dos sonhos.
É que depende o sonho. Uma realização por terceiros talvez seja sim a coisa mais bela. Um lar para crianças. Para animais de estimação. Idosos bem alimentados e com os medicamentos que precisem. Vaquinhas virtuais para a realização de cirurgias, transporte de qualidade para quem quer e para quem precisa ir. Isto tudo me parece absoluta e incontestavelmente bonito.
Mas alguns sonhos mais individuais, mais subjetivos podem se perder por esses campos imaginativos. Aí que talvez eu os crie e não os realize. Se existem na minha imaginação existem. Mas serão possíveis? Serão realizáveis? Serão um dia palpáveis? E valem a pena ser ou ficarão suspensos para sempre no incrível e indescritível varal de minha imaginação?
Há sonhos que não serão concretizados. Para além das mortes naturais, do fechamento dos ataúdes, todos os dias, todas as horas sonhos estão sendo ceifados. Caem dos pregadores dos varais dos sonhos. Descem ao chão, sujam-se com o solo das verdades, onde pisamos e onde, sobretudo, a vida nos pisa. Não os realizaremos, embora ainda me seja, por ora, possível lembrá-los, com os filtros amarelados do tempo, com os photoshops que a mente nos fornece, mais belos do que me seria possível.
Novamente termino pensando o quanto sou semelhante aos demais, agora indagado por tudo isso que confesso e escrevo. E também me pergunto onde me distinguo, onde isso tem uma relevância ainda não vista, por minhas ondas, nuances e linhas criativas. Vivemos por esse equilíbrio de associações e distanciamento, concordâncias e discordâncias, procurando nosso melhor lugar ao mundo possível. Onde conseguiremos fechar algumas contas, alargar um pouco a sombra do descanso na aba da sobrevivência e tentando por entre esses estreitos amar. O amor que inaugure e sustente na seiva os jardins. O amor que interrompa o calor sol do meio-dia mas que traga alguma luz nas trevas da meia-noite. O amor que como uma baldada lave as manchas da calçada ou como um rio desinfecciona uma ferida ou arranque histórias de uma roupa.
Onde me aproximo e onde me distancio? Onde me é possível realizar e onde estou restrito ao campo dos sonhos? Arrisco de algumas formas como se escolhesse a próxima pedra onde pôr a mão ou o pé em uma escalada vertical. Experimento e tento entender que errar o movimento não é necessariamente definitivo. Todos vamos, um dia, novamente, recomeçar. Dentro dessa vida há provas de ocorrer isso toda hora. Assim como sonhos são ceifados, outros estão sendo todas as horas abertos. Alguns realizáveis, outros não. Alguns concretizados, outros não. Vivo enquanto crio. Sonhos que não necessariamente realizarei, mas muitas vezes os observo faceiro, como a fotografias em um estúdio de revelação.
Alguns sonhos eu revelo a vocês, outros não. E enquanto conto e não conto, vivo. Marginalizado à vida alheia, central aos temas que, na verdade, só nós sabemos quais são, quanto eles pesam e como os carregamos. Desejo do fundo do coração que saibas lidar com os seus caso tenha chegado até aqui. A caminhada é árida e a água escassa, no solo rachado, abaixo de onde os sonhos ainda se dependuram acima de nossas cabeças, às vezes alcançáveis, às vezes inalcançáveis, mas sempre visíveis. Que assim seja.