15 de janeiro de 2023

A insuficiência é uma constante. Se não somos insuficientes, agimos com insuficiência.

9 de janeiro de 2023

bolsonalixo

em seguida que começou o governo Bolsonaro, pensei que seria uma boa ideia, venderia bem e ficaria famosa a pessoa que catalogasse cada frase, cada hipocrisia, cada desmonte, cada retrocesso, cada mentira, cada crime em andamento - e fizesse um livro. sucesso histórico.

mas eu mesmo creio que não conseguiria ler. relembrar cada angústia, cada raiva, cada desesperança gerada em tanta atrocidade, tanto ódio, tanto ataque, tanto descuidado, tanta negligência.

e diferente de outros registros ou períodos históricos que apenas imaginamos ao ver os relatos, no bolsonarismo vimos as mentiras em transe, o golpe em andamento, as atrocidades contra nossos próximos, contra irmãs e irmãos brasileiros, em desmontes, ataques, falta de ar, invasão de terras: destruição e terra arrasada.

2 de janeiro de 2023

A vida não permite roteiros, mas a falsidade que compõe a arte até melhora com eles.

O dono da pousada

Estava assistindo a um filme de ação. Algo com alienígenas nas ruas de alguma cidade, provavelmente nos Estados Unidos. Estava deitado em uma cama ampla em um saguão. Chegaram três rapazes, eram nossos hóspedes na pousada. A cama era bastante larga. Se espalharam entre canto dela e poltronas. Outro dia um grupo de atores falidos tentou passar cantada em minha mãe, mas ficou por isso mesmo. Pensei que se ela precisasse de um careca já teria meu pai para servi-la e não precisaria de novos velhos. Os rapazes ficaram entretidos entre conversas particulares e seus celulares. Só pelas tantas investigaram se queriam assistir a alguma coisa na televisão. Eles tomaram posse do controle, mas disfarcei o aborrecimento perguntando se poderia ajudá-los e que poderiam ficar à vontade. Eles não ligavam muito, mas pareciam insatisfeitos com a minha escolha de filme. Eu gosto muito de ver filmes, então estava particularmente satisfeito em poder assistir mesmo com o movimento do saguão. Quando achei que tomaram definitiva posse das regras televisivas, um de cabelos crespos me informou que o amigo dele estava chegando e que todos sairiam. Cumprimentei-os um por um e percebi mais um jovem casal que também estava em retirada da pousada para algum passeio, em coincidência de horário. Estava na hora de sair, era começo da noite.

Mal pude perceber a alegria da tomada de rédeas da televisão e um novo assunto surgiu. Bianca me surpreendeu com sua chegada ao salão. Eu não lembrava que ela morava conosco. Relembrou um episódio de conflito entre meu pai e eu. Eu fiquei envergonhado que ela tivesse presenciado ou ouvido falar, o que também era possível nas paredes auditivas do casarão. Perguntei sinceramente à Bianca há quanto tempo ela morava conosco. Só recordo que são alguns meses, digamos entre quatro e seis. Presenciou outras cenas lamentáveis de meu convívio com o pai. Logo tive que abandonar o filme e baixar a cabeça diante de Bianca. Fui para mesa pois serviriam o jantar. Não estava muito interessado na comida e passei a desenhar com meus lápis de cor. Quem realmente sabia ilustrar e pintar era minha irmã, mas eu estava focado na tarefa e a desenvolvia com minhas habilidades infantis. Lembro de fazer o fundo e uma pele em marrom. Lembro de uma roupa e um cabelo em laranja, em um ruivo que aparentaria completa artificialidade. As pinturas estavam inacabadas e eu gostava de imaginar que era um game show em que acabaria o tempo dedicado à pintura. E que os desenhos seriam arquivados em uma cápsula em suas formas e pinturas inacabadas.

Durante o jantar discutimos mais umas vezes. Minha irmã queria tirar vantagem de suas habilidades sobre meus empobrecidos desenhos. Meu pai acompanhava a relatora. Discuti com ele. Foram relembrados outros casos conforme Bianca tinha prestado atenção. Não recordo dela sentada à mesa, mas deveria estar espreitando e atenta às novidades que novamente corroíam minha frágil reputação. Mas meu pai se alterou de uma forma inesperada, talvez por efeito do álcool que ele já exalava em bafo. Me agrediu. E ao agredir ficou com medo. Medo de uma denúncia que muito seria justa. Eu ainda processava os efeitos do golpe, física e mentalmente. Aquilo é o tipo de pancada que não se esquece. Pode ser relembrada para sempre caso perguntem se os seus pais já lhe bateram.

Meu pai fugiu. Ficou realmente devastado pelo medo após a bobagem que fez. Ele partiu pela rua. Quis mudar de roupa nas ruas desertas daquela noite que avançava. Mas ele não tinha outra roupa. Então ficou seminu. E corria e delirava cada vez mais embebido em álcool que estava sendo perseguido pela polícia. Correu minutos. E talvez estivesse mesmo perseguido pela polícia. Ninguém lhe garantia. Ele ia pelas sombras das árvores, pelos vastos campos, pelo acostamento, tentando não chamar demasiada atenção dos poucos carros que cruzavam seu atabalhoado caminho. Começava a ficar exausto após uma boa meia hora correndo, com suor frio que poderia resultar em tremendo resfriado. Um carro antigo encostou. Eram três jovens nele. Mais jovens que os saídos de nossa pousada mais cedo. Papai ficou confuso mas não tinha muito tempo para raciocinar. Entrou na lata velha. Os jovens pareciam tão distraídos quanto os saídos da pousada. Pouco ligaram para a presença do sujeito tão ancião quanto o veículo. A polícia estava na quadra seguinte. Por certo o procurava. Passou inspecionando o carro a longas vistas. Deixou passar. Papai suspirou aliviado. Mas ainda estava seminu enquanto os jovenzinhos estavam arrumados para alguma saída noturna. Alguma festa por suas camisas abotoadas que lembraram o velho homem de seus tempos de discoteca. Por sorte um deles havia deixado roupa no carro. Ele vestiu. Não serviu com perfeição no tamanho mas era melhor do que ostentar sua larga cueca branca de muito uso.

O carro seguiu por aquela avenida que circundava, cortava atalho pelos matagais laterais. A iluminação dos postes oscilava entre fosca e boa. Os carros estavam alguns encostados ao acostamento. A polícia ligou um alerta em nova viatura. Papai sabia que corria perigo. Após desferir a pancada no filho ainda fugiu de forma covarde e inesperada. A mulher ansiaria por sua volta apesar de tudo. Mas ele fugia e não conseguia processar bem os planos, embebido em álcool que estava.

Os jovens subiram uma pequena rampa de areia em direção a um improvisado estacionamento. Era, por assim dizer, simplesmente um terreno de qualidade duvidosa - alguém poderia ficar atolado, pessoa ou carro. Os meninos desligaram o veículo em alguma vaga. O tio para eles desceu junto. Tentava embrenhar-se naquele ambiente jovem. Os rapazes de aspecto mais nerd do que os retirados da pousada possuíam óculos, cabelos pouco ou muito arrumados e camisas quadriculada ou cheias de botões. O tio sentia-se pouco à vontade e pelos dois motivos. Estavam passivo na perseguição e também em um ambiente naturalmente hostil para quem não o frequentava há anos ou nunca frequentara já que os tempos tanto mudam como seguem os mesmos.

Ele cruzou a festa em um galpão alto, lembrando uma alfândega. Ninguém parecia estranhar sua presença. Era natural presenças estranhas nesses ambientes questionáveis. Sempre aparecia algum louco, tarado, fastiado ou desavisado do evento. Nem suas vestimentas bermudas e camisas indignas chamavam atenção do público geral. Jovenzinhos e jovenzinhas conversavam. A música alta tocava. As luzes impediam melhores identificações. Por ora se sentia até mais protegido e talvez renovasse o estoque de álcool no organismo. A festa ainda estava mais para o início do que propriamente para o meio e ele agradeceu o tempo que teria para raciocinar. Mas precisava de pronto ir ao banheiro. Seguiu um pouco mais os supostos conhecedores do ambiente. Ele se embretava por entre outras alfândegas onde não havia festa. Porque a festa era em um único galpão, mas o conjunto fabril oferecia mais engenhos. A escuridão oscilava. As trevas da noite o faziam bem e as luzes o lembravam dos minutos seminu em que corria. Ali aumentava ou diminuía seus riscos na perseguição. Conhecia um jogo de vídeo game chamado GTA em que a polícia ficava no cerco do indivíduo. Quanto mais estrelas, maior o aparato para persegui-lo e ser pego. Ele devia estar em duas estrelas, se é que estava, mas a paranoia o sugeria três. O coração que subia pendular talvez denunciasse quatro estrelas em seu encalço.

Precisava ir ao banheiro pois a bexiga estava cheia desde a saída repentina no interrompido jantar. Para fora da festa subiu em uma escadaria e quis usar o banheiro como qualquer pessoa decente usaria. Mesmo tendo visto que alguns abandonavam a festa para urinar nas paredes dos engenhos abandonados ou extensos gramados. Subiu pela escadaria de infinitos degraus e reparou que o feminino era ao lado do masculino. Se constrangeu ter de esperar um pouco e ficar de imagem exposta aos julgamentos, tanto masculinos quanto femininos. Finalmente conseguiu seu tempo de esvaziar a bexiga e clarear as ideias. Quando saiu do banheiro percebeu em uma parede mais e mais jovens. Era uma seleção italiana que se reencontrava após o longo período de pandemia. Estava emocionados, alguns se revelavam mais do que companheiros de time, mas familiares. Trocavam beijos e abraços. As namoradas os acompanhavam. Eram jovens que se estendiam a dezenas. Os reencontros suscitavam emoções que ele não sentia. Estava mais preocupado em disfarçar-se. Achou um boné no banheiro e o enterrou na cabeça. Tentou ridiculamente se misturar naquele grupo esportivo. Notou que bem de perto não eram tão bonitos como havia respeitado. Sorriu internamente e prosseguiu pela fileira que se deslocava para algum evento, talvez outra festa logo ali. Dos engenhos abandonados rapidamente e estranhamente voltou a observar a civilização. Mas o anonimato da cidade também poderia lhe fazer bem. O jovem que deu carona para ele na festa nunca mais veria aquela roupa. Ele estava disfarçado é, ironicamente, agora o dono da pousada precisava de uma pousada para ficar.

1 de janeiro de 2023

Vou sempre encarar minha vida como uma vida ruim com pontos bons e não uma vida boa com pontos ruins.

A não ser que um dia eu tenha elementos suficientes para inverter essa narrativa.

O desespero

Também vai me bater aqueeele 

Aquele desespeeeero 

Quando mais ou quando menos espero

Aquele desespero 

Éééééé 

É o que menos quero

Mas grita na cabeça como um berro

Torna tudo falso, só é vero 

Aquele desespero 


Como um chamado do clero 

Como um ataque anti aéreo 

Chega pra me tirar do sério 

Pra mexer na tranquilidade zero a zero 

O zen vai logo pro espaço

O maço é enrolado num amém 

Porque bateu logo o desespero

O erro é uma neura do além 


Clemeeeeencia 

Peço um pouco de paciência 

Pra dentro da minha cabeça 

No naufrágio das ideias

Êxodo da minha Judéia

Pra voltar todos correm 

Mas o naufrágio das ideias

É uma sentença séria 

Centenas não retornam  

E assim tantos sofrem 


É quando bate o desespero 

Isso tem nada maneiro 

É janeiro, é fevereiro 

Quando vê já é dezembro 

E você menos jovem

Veeeeeem, vem que vem o desespero 

Como um grito que é liberto 

Quem não tá desesperado 

Por favor que fique esperto

Pode ser próximo trem