25 de julho de 2023
Portugal em "Frágil como o Mundo"
5 de julho de 2023
Touki Bouki e Vidas Secas - Semelhanças e Diferenças
Touki Bouki foi apresentado recentemente por este escriba. Um filme que se passa em Senegal, retratando um jovem casal que sonha em deixar o país e suas mazelas, para uma vida melhor na Europa, desejando Paris. Em Vidas Secas, aqui se tratando do filme de 1963, com direção de Nelson Pereira dos Santos, inspirado diretamente na obra Vidas Secas, do escritor Graciliano Ramos, o casal também almeja uma vida melhor, tentando fugir dos rincões mais escassos de despovoado Nordeste.
Enquanto o casal em Touki Bouki - A Viagem da Hiena - é mais jovem, sem filhos e, portanto, com menos compromisso, os nordestinos brasileiros carregam consigo duas crianças, sendo dois meninos, e mais o cachorro da família, ironicamente chamado de Baleia, visto que a comida geralmente era escassa para todos os envolvidos.
No filme senegalês outrora apresentado, o casal discute seus sonhos à beira do mar, sonhando com outro continente. Estão dispostos a viver à margem da lei, aplicando golpes seja em quem for: autoridades, pessoas ricas ou mesmo artistas de rua. Como fuga, possuem uma motocicleta adaptada em que se destaca um dos símbolos máximos do filme: o crânio de boi - visto que são feitas várias metáforas entre a vida de gado dos humanos senegaleses e a vida dos bichos sendo ancorados rumo aos abatedouros.
O casal brasileiro, Fabiano e Sinha Vitória, procuram viver dentro do que é possível nas agrestes terras. Eles conseguem um lar temporário, mas precisam trabalhar para o dono das secas pastagens, mais um jagunço que tenta passá-los para trás, depositando menos dinheiro do que o prometido, com a desculpa de que estão descontados os juros pelo 'empréstimo' de ter onde morar. Além do mais, Fabiano é analfabeto, jamais frequentou a escola, cena evidente quando defronta-se com o patrão, alegando que o dinheiro está a menos. O patrão mantém sua posição inflexível, reiterando que a soma está correta. Fabiano abaixa a cabeça, pede perdão e lamenta que a esposa, espécie de financeira da dupla, tenha feito conta que não devia. "Não é necessário barulho", se desculpa o peão vaqueiro.
Ainda dentro das regras de injusto jogo, o casal não consegue vender sua pouca produção de carne animal sem escapar de rigorosos impostos cobrados por prefeitura de pequena cidade - concentração de casas e gente. Fabiano é perseguido pelas autoridades, pois um metido oficial se envolve com a vida do vaqueiro, lamentando que ele tenha pulado fora em um jogo de cartas em que eram dupla. Assim, Fabiano perde o dinheiro, que a mulher acredita tenha sido desperdiçado em apostas, sem saber das injustiças que sofria com as corruputas autoridades locais. O jagunço sofre chibatadas, é vítima do abuso policial.
Na história senegalesa, a dupla vai conseguindo conquistar seus objetivos, almejando algo maior do que o Senegal recém independente após século de colonização francesa sobre aquelas africanas terras. Enquando Vidas Secas é rodado em uma espécie de conto cíclico, em que trilha sonora e paisagens iniciais e finais do filme se misturam, existe alguma perspectiva a mais na surrealista França imaginada pela jovem chamada Anta, no filme de África. Entretanto, o cíclico também está presente em Touki Bouki, pois o jovem Mori é vítima da vida emboscada em que são cercados os bois rumo ao matadouro.
Os bois. São figuras traçadas em ambos os filmes. As terras secas, o trabalho repetitivo e atencioso dos grosseiros vaqueiros em ambos os continentes. Semelhanças que aproximam um Brasil e um Senegal rurais, em épocas parecidas, sendo os filmes rodados com distância de exata década, o brasileiro em 1963, o senegalês lançado em 1973.
Em comparação, para finalizar breve análise, os pôsteres dos filmes em que as duplas protagonistas se destacam contra paisagem seca.
3 de julho de 2023
Y apareci en un barrio del que no puedo salir
Era um show de rock, mas eu não havia definido ainda se tratava-se de um teatro, do ginásio Gigantinho ou outra acomodação. Fato é que a plateia se desenhava abaixo de uma espécie de mesanino (palavra a qual detesto) sobre o qual estávamos. O mesanino, na verdade, era um bar totalmente decadente, com um atendimento lixo, com um suposto dono da espelunca em aspecto carrancudo, ao mesmo tempo que pouquíssimo interessado nos acontecimentos que o rodeavam. Tão pouco se importou que os simulacros de brigas que ocorriam eram ignorados. Eu lembro de discutir com ela ou por causa dela, e assim arremessei meus óculos no chão, pela primeira vez, nesses três anos, destruídos, com um rompimento impossível de encaixar na lente.
Os óculos dispensados ao solo seriam somente meu primeiro problema naquela noite maluca. Meus familiares também se desenharam por ali, de uma forma bastante surpresa fiquei, porque não era costume deles aparecerem em qualquer evento noturno, naquela espécie de casa noturna recebendo um show uruguaio de rock, em que eu imaginei primeiro Cuarteto de Nos, mas descobri tratar-se de Attaque 77. Meu primeiro seguidor desconhecido em internet, ao menos na rede social que mais usei nessa vida, Diego Antônio - ou Diego Lokura - estava lá para setenciar que, sim, tratava-se da banda argentina Attaque 77, da qual ele era exímio fã. Éramos minoria naquela noite, pois os torcedores de bandeiras e camisas vermelhas estavam abaixo do pobre mesanino. As tribunas não estavam cheias, evidenciando um insucesso nas vendas ou divulgações, ou vendas e divulgações. Um show em casa noturna incompleta, com espaços para assistir, com bandeiras em vermelho e branco que tremulavam, tremulavam, e eu brinquei que levaria algumas daquelas para o maior colorado do mundo, o Hercílio Luz da cidade de Tubarão, cidade de meu pai.
Eu, bêbado, gritava impropérios que logo causariam algum simulacro de briga. Gritava que nunca havia visto tantos torcedores da Croácia ou do Hercílio Luz. Só faltou citar o Náutico para provocar ainda mais o pobre lado vermelho porto-alegrense. Cruzei com algumas figuras, pois lá estava o Lucas Pacheco, hoje dentista, com a mesma cara de quando o conheci na escola e um relógio de pulso que deveria custar mais do que meus futuros salários. Qual não foi minha surpresa quando pintou o aparecimento de meu colega Matheus, que havia sido agredido com um chute. Isto foi o que ele contou enquanto mancava. Eu pensei que tratava-se de uma brincadeira, ele praticamente imitando o mascote deles, um saci. Mas baixou um pouco a lateral de sua calça para constatar um tremendo roxão no quadril, algo que recorria a urgência da procura de um hospital na equipada capital gaúcha. Ofereci ajuda nos cuidados, o que ele negou e logo prosseguiu sabe-se lá para onde. Nisso tudo, eu precisava carregar a bateria do meu celular naquela casa noturna putrefata. Novamente surpreendido eu fui, pois haviam muitas tomadas, nos mais diversos formatos e posições daquelas paredes mal pintadas. Tentei plugar o aparelho com meu carregador desmanchando-se, o que em realidade assim está, bem ocorre, tive insucesso nas primeiras tentativas, mas logo consegui uma posição exata e delicada em que a barra de bateria poderia subir para meus gracejos.
Deixei o celular ali depositado sobre uma cadeira no canto do bar improvisado sobre o putrefato mesanino. Continuava a checar o movimento, sem prestar atenção se o esperado show havia começado, ou, se já começado, prosseguia, sem reparar mais na quantidade de camisas coloradas, muito menos nas bandeiras. O mesanino parecia uma espécie de mundo à parte, um espelho da desgraça, independente do que ocorreria no palco. As mesas eram poucas, os móveis velhos, sujos ou estragados. O horário da noite avançava sem maiores incidentes, quando eu percebi que amanhecia e precisava dar o fora dali, sem perder o que fosse: a carona da minha família ou o ônibus de excursão.
Percebi que meu celular faltava, pois havia só a cadeira branca, de madeira mal pintada, e, sobre ela, o velho carregador em frangalhos. Onde estaria o aparelho? Surgia assim meu segundo grande problema, o terceiro, se contar o coitado que levou o suposto chute que lhe causou tremendo roxão. Recolhi o carregador branco que tinha certeza ser o meu, sem nem pista do aparelho que alguém, naquela espelunca, havia roubado, obviamente sem sinal do enxugador de pratos ter presenciado o ato. Sem óculos, sem celular me dirigia para o lado de fora, quando avistei um casal que achei ser o de meus colegas de jornalismo, Wagner e Vitória, belos nomes quando posicionados juntos, diga-se de passagem. Comentei com uma terceira pessoa que achava que se tratava do Wagner, mas que na verdade era até uma mulher quem acompanhava a suposta Vitória. Erro meu.
Ao mesmo tempo reacendia a dúvida de que eram Wagner e Vitória lado a lado na porta de saída, pois Larissa, também do jornalismo, me puxou de vez para fora do estabelecimento, para uma noite que virava dia. As pessoas dispersavam-se em seus rumos, trôpegos bêbados, alguns motoristas, intactos ou não, eu ainda em busca de encontrar minha família ou o coletivo que me trouxera, eu pouco sabendo como. Larissa queria me mostrar seu filho pequeno, que brincava inocentemente na rua, alheio ao desconvidativo horário e a todos os demais acontecimentos.
Cheguei sim a reconectar-me com minha família, mesmo sem o melhor dos sentidos da visão na ausência de meus óculos, aproveitando o novo dia que raiava, feliz por encontrar meus pais. Mas logo os perdi novamente de vista, com o agravante de agora não contar mais com o celular para comunicações. Meu pai não sabe usar o whatsapp, minha mãe sabe, mas eu precisaria do quê? Pedir algum aparelho emprestado, encontrar o mito do orelhão de rua? De um posto de gasolina eles partiram sem mim, ou seria que em um posto desses me esperariam? Fato é que não encontrava mais o tal posto. Encontrei postos abandonados, casas abandonadas, todo o panorama de bairros pobres e sem-teto nos Estados Unidos, seja em Detroit, Cleveland, Baltimore, Nova Orleans ou algum recanto da Califórnia. Eram rincões do mundo ou da própria Porto Alegre que eu não conhecia. Nem seguidores perdidos da internet, nem ex-colegas de jornalismo, nem amigos agraciados com chutes, ninguém mais me libertava desse labirinto enquanto o dia, veloz, caminhava para novo anoitecer.
Touki Bouki (1973)
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