25 de julho de 2016

Esvai

Há muito tempo não escrevia sobre meus sonhos enquanto durmo, somente os sonhos enquanto acordado. Desta vez, recorro ao da noite passada por necessidade e para buscar evitar as inevitáveis traições da memória. Foi mais ou menos assim...

Estávamos encerrando uma transmissão de futebol que logo percebi ser um jogo paulista entre Portuguesa de Desportos e São Caetano, no estádio do Canindé, em São Paulo. Quando me deparei, estava com a equipe da rádio em uma mesa. De forma surpreendente, não tratava-se de uma cabine, mas de uma mesa de restaurante, como uma pizzaria. Com minha consciente preocupação de não falar bobagens ao microfone enquanto estamos no ar, perguntei, atônito, algumas vezes se já havíamos encerrado a programação, repassado ao plantão, coisa e tal.

Tão surpresa quanto a sequência de fatos, um de nossos componentes da equipe era meu ex-colega de escola, Pedro Ruas, que nada tem a ver com futebol ou suas transmissões. Já tomado a observar o então ambiente do restaurante, havia em volta uma estrutura extremamente chique, coisas de primeira classe, decoração, plantas, luzes amarelas que davam um ar quente ao ambiente. Tão quente quanto as impressões que a iluminação proporcionava, eram as mulheres da mesa em frente. Em um seleto grupo, estavam conscientemente vestidas para ocasião, diferente de mim que sei lá o que vestia.

Troquei olhares e me sentia incomodado/motivado com tamanha beleza. Me lembro de cutucar o amigo de escola como se recordasse de outras ocasiões a alguma ou algumas delas. Após ter me levantado, ao tentar retornar para mesa fui antecipado por uma delas, a qual me segurou pelo braço e me conduziu. Executamos uma coreografia ridícula e mal ensaiada enquanto atraíamos a atenção de todos em volta. Daí então não reparei mais nos companheiros de equipe. O último gesto destinado a eles foi um ~~será que dá~~?

Pois a líder do grupo não me conquistava ou trazia beleza que fascinasse minha razoavelmente crítica e própria opinião. Apesar disso, ela seguiu o ritual, a me conduzir para o lado de fora da noite, em uma espécie de pequeno pátio ou jardim.

Havia um gramado e a iluminação já em nada lembrava o interior chique do restaurante. Entretanto, cada vez me dava mais conta que me acercava de um verdadeiro objetivo. Apesar de inicialmente, ao relacionar o estádio do Canindé, da Portuguesa, se tratar de São Paulo, pensava que elas e eu éramos estrangeiros. Consciente de minha condição de intruso, entretanto, não as relacionava a um lugar específico, embora pensasse que poderiam ser de uma cidade mais perto de minha natal do que da distante São Paulo. Amadurecia-me a impressão da cidade da proveniência delas ser Porto Alegre.

A então capitã da procissão toda organizou me dar a oportunidade de conhecê-las e, em via disso, poder escolher (só em sonho). Enfim, a primeira que se aproxima de mim é cada vez mais evidente ser uma pessoa a quem espero e esperaria muito tempo. Nosso primeiro contato é com os lábios, um beijo extremamente quente, mais quente do que qualquer outra sensação, como quando uma comida chega ao nosso paladar com o calor tão intenso que mal deciframos o gosto.

Outra das moças está próxima e, a associando a uma amiga da primeira na vida real, que AQUI CHAMAREMOS DE A____. Peço privacidade e se ela pode se afastar. Após esse beso de meu apreço, sinto a necessidade de sanar a dúvida da origem da autora com a qual quero privacidade.

Pergunto, meio ou, melhor dizendo, completamente enrolado: "de que cidade vocês são?". Ela não entende direito, mostra a desaprovação e que não sacou a questão. Tento repetir, consigo olhar profundamente em seus olhos. Com certeza é ela! Aqui a chamaremos de P____. Tento me comunicar com ela. Trocar mais frases, dialogar, extrair mais informações, mas em vão. Tento então beijá-la novamente, mas não consigo, a odisseia chega ao fim.

Tento regressar ao momento, a língua dormente e ainda quente, a lembrança tão perfeita, clara e cristalina que quase se volta o momento, mas tudo se esvai. E a ex, vai?

16 de julho de 2016

Curitiba em Imagens - Fotos: Henrique König












Fotos: Henrique König

Análise do texto "Que 'negro' é esse na cultura popular negra?", de Stuart Hall

Mediante as mudanças em políticas de inclusão na Europa e nos Estados Unidos durante os anos 1990, o autor jamaicano Stuart Hall propõe questionamentos presentes acerca de Que "negro" é esse na cultura popular negra?, de 1996. O estudioso da comunicação traz as indagações sobre a cultura popular e a forma como o negro é visto na sociedade.

Stuart Hall aponta para a cartada de alguns autores em evidenciar um sistema imutável, de um modo que a crítica ao modo contemporâneo exista, mas não evolua. A preocupação do autor é que a tomada de consciência e as críticas feitas consigam avançar em soluções aos grupos não hegemônicos. Ele aborda que "o que substitui a invisibilidade é um tipo de visibilidade segregada, que é cuidadosamente regulada" (HALL, 2003).

Hall também demonstra atenção aos contrários às mudanças sociais, centrados, reunidos em políticas conservadoras. Nessa geração de conflito, há o ataque direto de quem deseja a manutenção da hegemonia, do nacionalismo como pilar, por exemplo.

Em relação à segregação de uma cultura de elite e uma popular, Hall cita Peter Stallybrass e Allon White sobre o mapeamento do alto e o baixo em formas psíquicas, no corpo humano, no espaço e na ordem social. O autor jamaicano problematiza a questão da cultura negra popular como "um espaço contraditório". Isto porque defende que ela não pode ser reduzida a uma oposição do baixo versus o alto, do informal versus o formal, de ser a oposição versus a homogeneização. As definições binárias não bastariam, pois existe uma grande complexidade sobre seu leque de manifestações. Hall crê essencial a contextualização histórica e cultural.

"O momento essencializante é vulnerável porque naturaliza e desistoriciza a diferença, confunde o que é histórico e cultural com o que é natural, biológico e genético. No momento em que o siginificado 'negro' é arrancado de seu encaixe histórico, cultural e político, e é alojado em uma categoria racil biologicamente constituída, nós valorizamos, pela inversão, a própria base do racismo que estamos tentando desconstruir". (HALL, 2003)

Hall também considera fundamental mapear as diferenças dentro da cultura negra. Somente assim caminha-se para um nível satisfatório de análise. Não satisfaz apenas diferenciar o negro de outras formas de cultura, mas é necessário estabelecer as diferenças entre gênero, sexualidade e classe, por exemplo.

Justamente com esse ponto em debate, Hall encerra Que “negro” é esse na cultura negra? Reduzir a questão da identidade negra pe desvalorizar diversos fatores que atravessam diretamente o processo cultural, histórico e social onde estão os indivíduos.

As mulheres negras podem combater o racismo ao mesmo tempo que são diferentes suas posições na sociedade em relação aos homens negros. Entre os homens negros, difere-se o tratamento social em relação aos hetero e aos homossexuais. Há, sem dúvida alguma, a distinção de classes entre indivíduos, como na questão financeira.

Um caso interessante a ser explicitado é o do rapper Gustavo Black Alien. Na infância, o fluminense morou em Niterói, em contato com uma população de maior poder aquisitivo. Era visto como diferente, pois era um negro em um cenário de predominância de brancos, mais ainda do que a divisão étnica da atualidade.

Ao mesmo tempo, Black Alien visitava a parte mais pobre da família, na cidade de seu nascimento, São Gonçalo. Desta maneira, mesmo entre negros, o preconceito existia, pois não era da mesma classe econômica dos demais. Sempre estudou em boas escolas e aprendeu inglês antes dos 12 anos, situação distante para grande maioria dos negros e pobres do Rio de Janeiro durante os anos 1980.

Outro exemplo é o funk e sua problematização enquanto movimento cultural. A origem do funk remete aos Estados Unidos, quando o termo era utilizado por negros estadunidenses, para designar odores corporais durante as relações sexuais.

"Foi por volta de 1968 que a gíria “funky” perdeu  seu significado pejorativo e passou a remeter seu sentido a algo como orgulho negro. Assim, conforme apresenta Hermano Vianna, tudo pode ser funky: uma roupa, um bairro da cidade, o jeito de andar e uma forma de tocar música que ficou conhecida como funk" (VIANA, 1988, p. 20).

O movimento funk, quanto à sua chegada ao Brasil e, principalmente, por sua disseminação até os dias atuais, perde característica inicial de movimento exclusivamente negro, embora continue construído em sua maioria como um movimento periférico, marginal na sociedade. Mas nem a este ponto deseja-se chegar na exemplificação. Uma das questões remetentes ao funk é o debate entre o machismo que muitas vezes é presenciado nas letras.

Mais um ponto complexo dentre os já observados no texto de Hall e que pode-se trazer à tona. Neste presente trabalho, como apenas um parênteses aberto como exemplificação, fica a citação do teórico Bertold Brecht:  "Primeiro vem o estômago, depois a moral". Na interpretação de que o funk, de elementos das comunidades carentes e da sociedade em geral, onde está inserido, traz letras com o machismo presente, mas, ao mesmo tempo, onde caberia uma moral de julgar compositores que apresentam trajetórias de violência, baixa escolaridade e falta de instrução, quando buscam sustento das poucas formas que os são possíveis? Fica o questionamento.

De modo conclusivo à presente análise, observa-se a complexidade do tema inserido em Que "negro" é esse na cultura popular negra?, quando o próprio Stuart Hall questiona o tratamento às minorias feito pela sociedade, pela comunicação e autores que abordam tão polêmicos assuntos.

Passadas duas décadas desde o texto de Hall, de 1996, os cuidados nas abordagens permanecem e se ramificam conforme o avanço nos estudos de comunicação, antropologia, sociologia, psicologia e outras áreas. Uma possibilidade de cruzar teorias com as propostas de Stuart são os trabalhos voltados à temática de gênero, em conceito e descontrução, da estadunidense Judith Butler.

Visto que a temática da identidade negra passa por atravessamentos de gênero, classe e outros aspectos, o que fica notável é a impossibilidade de uma unificação dos indivíduos de etnia negra em uma concepção, em uma conceituação.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

HALL, Stuart. Que “negro” é esse na cultura negra? In: HALL, Stuart. Da Diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003.

RODRIGUES, Carla. Butler e a desconstrução do gênero (resenha). In: Revista Estudos Feministas, Florianópolis, 13(1): 179-199, janeiro-abril/2005.

ROLIM, Gabriel. Black Alien - Irradiando Luz na Escuridão há uma Década. MonkeyBuzz, 2014. Disponível em: http://monkeybuzz.com.br/artigos/12455/black-alien---irradiando-luz-na-escuridao-ha-uma-decada/. Acesso em 13 de julho de 2016, às 22h17. 

VIANA, Lucina. O Funk no Brasil: Música desintermediada na Cibercultura. Revista Sonora. Unicamp. Vol. 3, 2010.

VIANNA, Hermano (1988). O mundo Funk Carioca. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.

7 de julho de 2016

Separar pra pensar

Creio que a gente precisa separar as coisas. De um lado realmente há os gastos absurdos com dinheiro público, superfaturamento de obras e a cegueira para vários problemas sociais com uma Olimpíada. De outro há a visibilidade a atletas que deveríamos enxergar sempre. Histórias de educadores, gente ligada ao esporte por projetos de inclusão, gente que encontrou o esporte como opção, alternativa, superação e motivação de viver, que participam do tal revezamento da tocha olímpica. Creio mesmo que a gente não possa descontar/respingar nesses indivíduos as frustrações criadas por outros. As coisas precisam ser bem direcionadas a verdadeiros responsáveis, caso contrário acabam até mais perdendo apoio do que recebendo.
Final do revezamento da tocha olímpica na cidade de Pelotas (Divulgação / Rio 2016)