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25/07/2022

Violência 1x0 Esporte

Produzo o jornalismo local do esporte para o segundo jornal da região. Visto que a vizinha cidade de Rio Grande também fechou seus departamentos impressos, Pelotas concentra os jornais mais afamados do extremo sul. Com muita tristeza, além de meu deteriorado estado físico, produzi a página para terça-feira, 26 de julho de 2022. Não temos mais edição impressa de domingo para segunda-feira, de modo que as informações do fim de semana concentram-se em nosso cardápio apenas para edição de terça. Vamos ao que ocorreu. Os dois times locais em campo perderam. O Grêmio Esportivo Brasil praticamente deu adeus para Série C. Precisa de 100% de aproveitamento nas últimas três rodadas para manter-se vivo na terceira divisão nacional e não se preocupar em ter onde cair morto. O Farroupilha, por sua vez, jogou a primeira em casa no estádio Nicolau Fico e perdeu a primeira em casa, ao ser superado pelo Riograndense por 2x1, com o gol da vitória, que desequilibrou o Grupo da competição contra o Farrapo, marcado aos 48 minutos do segundo tempo. Com o resultado, o Fantasma tem um ponto em três jogos e um Grupo com quatro equipes que duelam em turno e returno, dentro e fora. Passada metade das partidas, nenhuma vitória e a necessidade, também, de algo próximo aos 100% de aproveitamento nos jogos que restam. Praticamente sem chance.

Dados os apitos finais ou do lado de fora ou ainda do lado de dentro dos gramados, os motivos que completam a melancolia. O Farroupilha em briga campal, como se fossem garotos de rua brigando. Chutes, socos, violência gratuito aos olhos das crianças ou idosos que foram ao estádio. O Farroupilha quase não tem mais torcedores. Eles encolhem em número a cada ano. Muitos dos mais idosos já faleceram, ainda mais agora com a situação de pandemia da Covid-19. Outras, as crianças, dificilmente serão capitaneadas a torcer para um clube de Terceira Divisão Gaúcha. Ver a equipe perder em campo já atinge, demonstrar violência gratuita acresce em nada. Tristeza marca o fim de semana no estádio Nicolau Fico no bairro Fragata. Detalhes ainda que somente eu percebo. O patrocínio no centro da histórica camisa tricolor é um desenho animado. Como combina o desenho animado (uma raposa ou animal assim?) com as cenas de brutalidade entre os atletas. Uma imagem que poderia acrescer leveza ao ambiente contrasta com os socos e chutes trocados pelos ditos atletas. O Farroupilha perdido no futebol e eticamente.

No Xavante, a única diferença é o nível da competição. Joga a terceira divisão nacional, mas o vexame se repete. Jogou em casa e diante de um público histórico, acima das 8 mil pessoas. Não sei se tão histórico, mas mediante a diminuição da capacidade dos estádios, a falta de procura dos torcedores aos jogos, foi sim um público histórico, contextualizado pela situação na tabela de classificação. O Brasil era (e ainda é) o último colocado na competição. Ficou com 14 pontos através de 16 jogos disputados. Nos últimos três precisa de um aproveitamento de campeão. De lanterna a campeão, penso aqui que pode se tornar uma manchete caso milagres aconteçam.

Após a derrota em campo, onde até houve polêmico, mas definitivos acertos de arbitragem, um pênalti bem marcado no primeiro tempo e um gol bem validado para Aparecidense no segundo, a confusão decorreu na saída do improvisado túnel visitante. E novamente chamo atenção para cena que poderia acrescer alguma leveza e sai justamente o tiro pela culatra, a situação pela tangente. O túnel inflável encobriu imagens da briga entre atletas e comissão técnica. Como se não bastasse, torcedores organizados adentraram com suas jaquetas e calças brancas, roupas que para alguns permanecem na moda. A cena dantesca desta vez foi corretamente estancada pelos seguranças mas principalmente pela Brigada Militar. A mesma Brigada Militar, em outros batalhões evidentemente, que atacou gratuitamente o rapaz Rai Duarte em Porto Alegre, após a partida entre São José e Brasil pelotense pelo mesmo campeonato. Rai Duarte foi retirado de dentro do seu ônibus, foi levado pelas mãos militares, por essas mãos foi covardemente agredido. Desta vez, nenhum torcedor que estava dentro de campo detinha a razão.

Eis que o Brasil na mesma Série C teve casos de briga entre torcidas, com o São José, em Porto Alegre, denúncia de caso de racismo por parte de um lateral, Zé Carlos, do Atlético Cearense (e pasmem, em jogo que o Brasil ganhou de goleada, qual a necessidade se ocorreu isso?), e finalmente o caso da briga após o jogo com Aparecidense, com o mau exemplo vindo institucional de empregados do clube até o torcedor que, num volume de mais de 8 mil torcedores em torcida do interior, era evidente que alguma situação ruim poderia ser gerada a partir da derrota, da confirmação da lanterna na rodada e, pelo calor do momento, a insatisfação com o rendimento e a derrota.

Me atento ao caso do sofrido e quase falecido na ocasião Rai Duarte. Não participou de briga, mas só foi vistoriado o ônibus pelos incidentes anteriores. Só foi confrontado em função do que outros provocaram antes. Óbvio, mas óbvio, torcedor, que a polícia não tem um pingo de razão nisso tudo. Não tem. Nunca teve. Jamais vai ter. Mas Rai foi vítima da sequência dos fatos e sobrou para ele. Não adiantam campanhas pela paz nos estádios, faixas, balões brancos e frases bonitas, cartazes e campanhas de conscientização se jogos depois não houver o exemplo sendo seguido. As campanhas e as frases mergulham num abismo e são soterradas. É para torcida, para sociedade entender que não pode abrir precedentes, não pode dar margem, tem que fugir dessas temáticas, diminuir as margens errôneas. A polícia é truculenta e logo pode ocorrer um novo caso. Pode sobrar para quem fez algo, o que é mais comum, ou pode sobrar para um inocente vimitado pela violência que nos cerca. Termino essas linhas em reflexão e apenas tentando me livrar da tristeza que me somatizou durante o dia. Respira também por aparelhos o esporte e a ética na cidade pelotense.


31/01/2022

A enterrada

Relação de estar lúcido, raciocinando sobre o sonho, mas ainda não estar totalmente acordado. Como o que se diz de um sonho dentro de outro sonho. Consegui enterrar no basquete. Consegui encontrar pessoas do Jornalismo. Percorri a pé minha cidade em busca de minha antiga casa e haviam feito crateras na rua, para escoar o esgoto, em um serviço porco, mal feito, com os dejetos a céu aberto, difícil de acreditar. Falta de respeito com o contribuinte, com o dinheiro dos impostos, a Gonçalves Chaves com seu calçamento detonado, cortado por uma linha bizarra que abria caminho para o subterrâneo esgoto. A linha que prosseguia incômoda como uma rachadura numa parede e talvez eu mais a percorresse por curiosidade de onde acabaria tamanho absurdo. Mas obviamente terminaria na casa onde morei a suprema maior parte de minha vida. E o panorama lá nada melhorava, com a confusão cloacal. Cruzamos por um vizinho, antigo vizinho, morador da região, apenas sabíamos que ali morava porque saiu logo reclamando, indignação que logo compartilhamos. Declarou sobre o absurdo daquele córrego defeituoso, imundo, gerador de asco. Replicou nossa prévia ideia de desrespeito com o contribuinte através dos impostos.

Este era o desfecho asqueroso de um sonho um pouco menos assim. Começou até promissor. Jogávamos basquete no ginásio da escola. Seria um jogo que combinei marcarmos em algum dia inexistente, marcar de marcar, com João Antônio, pela internet. O assunto com ele surgiu porque mencionou em um jogo da NBA que o time do jornalismo, nos jogos da Universidade, mesmo atuando com apenas quatro, era mais digno. Dali puxamos assunto. Me ofereci como participante em futuros joguinhos que desde a conversa já consideramos impossíveis de ocorrer. Quase ninguém liga. Pois ainda imaginei muito mais.

Estávamos com turmas antigas formando time. Havia apenas seis em quadra à espera do início. Era horário marcado no ginásio. Propusemos um infeliz 3x3 em meia quadra. Como correr a quadra inteira com apenas três jogadores em cada time? Aí já estávamos batendo bola. Meus arremessos curtos e sem força, e sobretudo sem noção da distância até o aro. Aí chegaram mais dois e começava a se ajeitar o jogo. A bola de basquete ora virava de futebol, ora voltava a ser de basquete. Ora a chutavam, ora a buscamos novamente só com as mãos, como a boa regra do jogo. Eu já havia saltado no aquecimento, um salto preciso, voltei a me pendurar no aro de basquete, Shaquille O'Neal de meu vasto imaginário. A trave, a sustentação da estrutura, tudo balançou sob meu triunfo. Fiquei muito contente por ainda conseguir saltar bonito, como sempre consegui e chamei atenção. Eu talvez fosse o melhor saltador em altura na escola. Mas não gostava de fazer o ritual do início dos jogos de basquete. Não gostava de jogar de pivô. Não gostava de pegar rebotes. Não gostava de arriscar saltos por cima dos perigosos degraus em piscinas. Mas saltava muito, demais em altura. Por isso, apesar da minha faixa de estatura, conseguia alcançar o aro.

Mas recordei, lúcido, que não conseguia alcançar o aro enquanto manobro a bola. Ou seja, eu não conseguia enterrar. Mas dessa vez consegui. Colega meu lançou a bola em um chute de três dedos. Peguei a bola no alto, na altura da cabeça, mais ou menos, e fiz o movimento, os chamados tempos, passos rítmicos em direção à cesta. Consegui subir à altura quase do aro e apenas largar a bola na posição correta para dentro, mas, com a bola já emaranhando-se na estreita redezinha, antes de cair de volta ao solo, eu ainda subia, senti como se o ar me permitisse mais um salto dentro do salto e alcancei o aro, talvez até com sobra. Será assim uma enterrada? Provavelmente não. Mas a sensação foi. 

Após a enterrada em que dali recebia os respeitáveis aplausos pelo salto, o movimento, a cesta, todos bem concluídos, eu estava fora da quadra. Chega! Basta de às vezes chutar a bola, às vezes jogar basquete seguindo as regras direitinho. Encontrei pessoas ligadas ao Jornalismo em um quiosque, o que me poderia fazer pensar que se tratava do mercado público de nossa cidade, ideal para acomodar encontros boêmios como o da ocasião. Ou ao menos é o local que recorro à memória para aderir a um quiosque fora de praias. No meu convívio seria no mercado, enfim.

Encontro pessoas ligadas ao Jornalismo. Tento descrever a façanha recém (?) executada de enterrar a bola de basquete na cesta. Ninguém parece ligar. Percebo que me encontro tentando narrar a cena pela segunda vez para eles. Mas ninguém dá bola. Pessoas vêm, pessoas vão daquela mesinha, pessoas cumprimentam outras pessoas mais do que a mim. Azar é o meu. Fico perdido entre os vácuos e meus pensamentos, levando comigo somente a façanha de ter enterrado uma bola de basquete e, talvez, o gosto amargo da bebida, bebericada a cadinhos no copo que eu pareço jamais ignorar.

13/12/2021

Papéis no Mundo

Queria ser uma pessoa que não gostasse tanto de estatística, embora às vezes elas sejam apenas estatísticas descontextualizadas. Para quem está lendo este texto pelo meu blog, percebo orgulhosamente que é a postagem de número 900, sendo que temos pelo menos 45 rascunhos em uma lista de espera que lembra muito os concursos públicos em que o pessoal passa e jamais sabe quando será chamado para compor a vaga pela qual teria direito. Enfim, mas vim aqui para falar que gostaria muito de ser uma pessoa que focasse em apenas uma boa ação e a executasse com fluidez, com perseverança, com entusiasmo e êxito. Mas não é meu caso.

Balanço pelas ações pendulares da vida, sempre lendo, sempre observando, sempre querendo conhecer mais e mais, mas considero que pouco me aprofundo. Mesmo o futebol, o esporte em geral, que hoje me designa um emprego, não me descem tão a fundo. Faço pouco mais do que o necessário - talvez até menos do que o necessário às vezes. Se está muito vaga ainda a ideia deste texto, deixe-me exemplificar. Uma pessoa que se proponha a ajudar idosos e monte um pequeno centro, um centrinho para atender uma dúzia de idosos, esta pessoa está prestando um serviço essencial, glamouroso, fundamental para pelo menos essa dúzia de idosos para os quais os serviços são destinados e, ainda mais, está ajudando as famílias deles, se é que as possuem. São cuidados necessários, básicos, a alimentação, a saúde, o mínimo de satisfação e de, quem sabe, entretenimento. Todos precisamos. Alguém que destine muitas de suas 24 horas por dia para esses serviços está alinhavado com os melhores princípios cristãos de existência sobre essa Terra. Ou estou errado?

Mas até o presente momento não me entendo assim. Eu já trabalhei por um tempo com lar de idosos e outro pequeno tempo também com crianças em vulnerabilidade social. Minhas dificuldades presentes na neurodivergência (ou neurodivergências) que possuo acabam limitando minhas ações para com essas campanhas, locais, auxílios. Em resumo, tenho muito boa intenção, mas pouca execução. Enfim, poderia ajudar em campanhas textuais - não têxteis, visto que nem a costura me seria uma possibilidade - em divulgações, em conversas, em um poder de persuasão e convencimento que ora me aflora. Às vezes um político. Poderia ser este meu papel no mundo? Visto que, para além de idosos e crianças, acho importante ressaltar minha compaixão, minhas sinceras condolências por cães e gatos de rua, animais selvagens, florestas e outras vegetações devastadas pelo bicho homem, moradores de rua, pessoas em geral em vulnerabilidade alimentar, órfãos, doentes terminais, pessoas que necessitam de tratamentos de urgência ou de preço não-condizente com suas realidades financeiras. É muita gente, é muita ajuda que o mundo urge, pede, grita por socorro. São os avanços na medicina e na saúde que ao mesmo tempo nos sugerem uma imagem de tão perto tão longe. O que isso quer dizer? Que muitas vezes parece possível um dado tratamento específico, especializado, mas o preço que se paga, este às vezes é alto demais. Os esforços. O deslocamento de pessoas do interior para capital. E da capital de volta para o interior. E, vejam bem, outra segunda-feira e outra vez do interior para capital. E da capital para o interior. Acompanhantes que sacrificam suas vidas por familiares ou como voluntários, como anjos, em seus entre aspas tempo livre. Pessoas que batalham severamente, turno a turno, dia a dia, no turno inverso do trabalho que as remunera. Cuidadores, tratadores, acompanhantes, dos bebês ao anciões de 90 anos.

Todos esses exemplos citados creio que enumeram possibilidades de estarmos quites com os encargos da consciência, com as metas a serem estabelecidas e cumpridas sobre a Terra, nos princípios cristãos ou seja lá quais forem os seus princípios. Há muitas formas de ajudar: mas qual é a minha? Eu que, por piedade, poderia me encontrar em qualquer um desses ramos, desses nichos, mas que, por atuação efetiva, me vejo distante do auxílio fundamental, apegado, aguerrido, dos esforços hercúleos nessa batalha constante pela sobrevivência, pela dignidade, pelo mínimo, pelo básico, ou por aquele algo a mais que pode estar em um presente de Natal, em uma campanha de Páscoa, em um aniversário especial para uma pessoa ou para uma instituição - que atenda pessoas. Doações para campanhas, doações para cumprir a meta de uma cirurgia, doações para ajudar os voluntários a combater chamas, donativos para familiares que acompanham um doente terminal em um hospital de onde não é sua cidade. Onde me encontro nisso tudo?

Será que tenho responsabilidade sobre tudo isso? Qual o meu salário? Quem me ajuda? Como me ajudo? Mesmo neurodivergente, tenho saúde o suficiente? Por ter ainda dois braços e duas pernas, estou de aparência saudável para todas as ajudas e encargos? Qual o meu papel nisso tudo? O que os donos de grandes corporações e empresas estão fazendo? Patrocínios para quem? Investimentos onde? Para onde estamos caminhando, para um mundo associativo, de combate à miséria e à fome, ou para o aumento dela, em níveis totais e talvez também percentuais. Em níveis de desigualdade, de quem tem, tem muito e quem não tem, o que faz? Como sobrevive? Como se ajuda? Como essa pessoa será ajudada? Como eu posso ajudar? O que farei, ao final deste texto? Enquanto posso me dar ao luxo de pensar, refletir, filosofar sobre, mas a pessoa em si, que necessita minha ajuda, tem pressa, tem fome, tem, talvez, escondida em algum bolso se não rasgado, a esperança. O fluído do tempo nos pressiona. A consciência permanece incauta em nosso encalço. Eu, por ora, preciso cumprir minha página diária. As últimas do esporte. Em "Piano Bar" dos Engenheiros do Hawaii, Gessinger sugeriria ainda a "hora certa, os crimes e a religião". E disso tudo que fiz, de tentar explicar, que permaneci indignado comigo mesmo, será de tudo isso que ainda o meu "nada" é uma palavra esperando tradução?

Enfim, como resumo, gostaria de me sentir mais útil em uma única função de resultados efetivos, ao invés de vagar e vagar sem sentir essa construção toda. Mas também sei, oh, sei bem, que não me sentiria bem restrito a um único ofício, enquanto minha cabeça vagueia imaginando diversas e mais diversas possibilidades. Assim tento me manter em movimento, surfando essas ondas, saboreando o vento e tentando não me desanimar por completo, entre a busca por uma 'utilidade' em um todo que ainda me soa inútil.

05/09/2021

Identidades

Acabo de assistir ao filme O Gabinete das Figuras de Cera (Das Wachfigurenkabinett) (1924), produção alemã de Paul Leni, obra do movimento conhecido por Expressionismo Alemão, que tinha, entre outros grandes diretores, a figura de Fritz Lang. Uma ideia concebida no filme fixou-se em minha mente. A história de Ivan, o Terrível, o "Czar das Rússias". Na narrativa criada, Ivan estava condenado à morte por um empregado, que o condenou como último ato, porque estava para morrer. Mas Ivan, ao descobrir seu trágico destino, engana seus "ministros" Morte e o Diabo ao trocar de lugar com o cocheiro que o conduziria para uma aldeia. Dirigindo o coche, o acometido pelo final definitivo é o funcionário que estava vestido de Ivan.

A história prossegue com Ivan novamente condenado à morte por um suposto envenenamento. Ele novamente tentaria driblar seu destino, mas não posso afirmar que com tamanho sucesso. 'Spoilers' à parte, fiquei preso nessa ideia de trocar de identidade. Em tempos remotos, sem os usufrutos da tecnologia, seria mais fácil ou mais difícil partir para mudar sua identidade? Hoje observamos os dois lados nas redes sociais. Perfis fakes se passam por mulheres tentadoras, outros por simples bisbilhoteiros de perfis alheios e ainda há o tipo mais comum das últimas eleições para cá: os comentaristas de portal. Figuras aliadas ou contra os governantes que participam de foruns com os únicos intuitos de cravar suas bandeiras e/ou tumultuar na deposição de ideias.

Também como não lembrar da crescente onda de fake news - notícias falsas (ah é!) que inundam as redes sociais, os grupos do aplicativo verdinho e por onde mais puderem navegar. Difíceis ou praticamente impossíveis de mapeamento da origem, áudios falsos, vozes nada oficiais, crises de identidade, traições, mortes precoces, assinaturas falsas de governos, sintomas, causas e consequências inventadas e forjadas, porta-vozes das mentiras mais cabeludas que se possa imaginar. O internet é como o jogo do arrojado encanador Mario Bros, mas você é apulhalado inclusive pelas costas com maior frequência.

Seria mais fácil para Ivan trocar de lugar com o funcionário por não haver assim fotos dele espalhadas, em tempos anteriores à invenção da máquina fotográfica? Os registros eram feitos em pinturas, restritas às cortes ou às poucas composições de nobreza. Para a vassalagem seria ainda mais fácil escapar das garras ao trocar de identidade. Ademais, vemos histórias desse tipo. Relembro também aqui o clássico Conde de Monte Cristo, que retorna de sua condenação direta para um cargo visado de conde, invadindo palácios e buscando vingança. Desconfianças só de quem os conheceu em momento anterior da vida. Quem vê pela primeira vez não faz ideia. Ademais, também não existiam registros gerais (RG) ou outras formas de cadastros. Era (quase) tudo da boca para fora. Outros exemplos das épocas mais medievais eram de acusados, criminosos, fugitivos em dívida, ou seja lá o motivo, que partiam de suas terras natais para outros rincões, em busca da paz e do sossego, novas identidades, literalmente novas vidas pela frente.

Ivan, o Terrível, diante da ampulheta, tentando enganar a Morte
Filme: Gabinete das Figuras de Cera (1924)

Pois vejam Ivan na noveleta relatada, conseguindo enganar não só aos homens em um primeiro momento, mas incluso os "certeiros" (?) Morte e o Diabo. Que sobrará aos meros mortais diante de tal manobra dos fugitivos? Enfim, no filme vemos que pelo menos ao último movimento é impossível driblar em definitivo a Senhora Mortindade - para os não íntimos.

Seguidamente também penso sobre a quantidade de cadastros que afetuamos. Acesso a materiais artísticos, acesso a bancos, acesso a dados, aceso a documentos nossos ou dos outros. Acessos e barreiras e restrições. Senhas que cadastro com a obrigatoriedade de ter tantos dígitos, de conter letras, de conter mais ou menos números, de conter símbolos variados propostos com o auxílio da tecla Shift (ainda se chama assim? não sei, apenas a teclamos sem a chamarmos por nome algum). Sem a senha só em sonho - impossível alcançar - dizia Humberto Gessinger em canção do duo Pouca Vogal, na companhia de Duca Leindecker. Pois é, este texto começou com a filmologia alemã do século anterior, quase completando 100 anos da obra inspiradora no Expressionismo Alemão, e termina com os gaúchos descendentes.

Um último questionamento bobo: sobrenomes mais difíceis estão mais seguros nessa indústria toda, pelo entrocamento de consoantes nos emails, senhas e assinaturas? Fica a questão.

14/09/2020

Esquemas

Estava solitário bebendo em um bar. Primeiro apenas bebia, depois me percebi em solilóquio com minhas ideias e o copo de líquido espumado defronte. Olhei em volta para a agitação natural desses happy hours combinados, camisas de serviço, mangas arregaçadas, sorrisos esculpidos pela distração que mais a cerveja do que a companhia proporcionam. Eu estava só. Bebia a goles interrompidos, até que um cardápio diferente sobre o balcãozinho de canto, nem bem uma mesa, apenas uma prateleira de madeira onde apoiávamos os copos, quando muito alguma improvisada refeição, mas deparei-me com aquele folheto revestido de plástico que me chamou a atenção.

Não era um cardápio, olhei para os lados se mais alguém me percebia, mas seguiam todos no ritmar festivo e descontraído. Do topo da página, desci os olhos percorrendo sinuosamente o caminho antes digitado. Fiquei contente com o que vi. Era um anúncio promocional de um site que eu já havia escrito, a BABEL Brasil (solicitavam chamá-la em letras garrafais mesmo e sempre no feminino, não O site Babel; tinha inspiração na torre maluca aquela). Na promoção, em troca de algum préstimo ao site, você concorria a uma viagem para congresso de jornalismo e afins onde quer que fosse em todo o mundo. Fiquei pensativo quem bancaria os custos, já que o comum era não remunerarem seus colaboradores, uma escola para o aprendizado, mas longe de qualquer sustento no mundo real. Enfim, o espanhol de Madrid ou alguém aqui do Brasil arcaria com as vantagens de quem vencesse a referida promoção. Eu entornei meu copo, pousei-o com certa força em atitude de súbito raio de confiança e resolvi que iria participar.

Participei. E venci. Formado na área e sem maiores interesses em contínuo estudo em jornalismo, após longo período enclausurado em função da pandemia de coronavírus, queria aproveitar a maneira turística. Pensava em países distantes, mas sabia da dificuldade para driblar as barreiras dos idiomas, então, ao que me parece, optei mesmo pela Espanha. Transportado para as terras ibéricas, percebia que só me ressarciam pelo tempo de congresso, geralmente curtos em três ou, com otimismo, cinco dias. Mas igual fui, com o pensamento totalmente voltado para o turismo, sem ao menos saber a programação exata do congresso. Será que levei a vaga de outro mais interessado? Me perdoava que merecia, após o sofrimento da monotonia de anos vindouros em desfazimento.

Mal largava minhas tralhas no hotel e tentava caminhar o máximo possível pelas ruas ao redor, encontrando-me com um dia nublado com nuvens grosseiras e aparentemente aproximadas com a superfície terrestre, além de árvores altas, mas com pouca folhagem. Um bálsamo em ar pesado envolvia o ar, prosseguia com a dificultosa respiração que retardava meus passos. Olhava em volta em busca de bonitas paisagens e arquiteturas, as quais costumo fotografar por onde viajo. Passeava pelas calçadas largas que me lembravam certos bairros de Porto Alegre. Os prédios também possuíam fachadas semelhantes, notava em janelas amplas e colunas de sustentação. Grafites e pichações me acompanhavam como um trailer de um filme. Terrenos baldios começavam a aparecer conforme eu me afastava da segurança hoteleira. Comecei a perseguir, a esmo, os matagais que cresciam até quase a altura de nossos joelhos. Contornei o que percebi ser uma praça próxima a uma biblioteca. Na verdade, a biblioteca como figura central, que se erguia como motivo maior para a extensão concretada do chão da praça. Ali, em breves degraus, que saltei, dormiam ou se preparavam para isso, moradores de rua. Enquanto o crepúsculo não denotava o encerramento da tarde, um velho senhor em cadeira de praia observava o movimento e percebeu-me como legítimo estrangeiro. Acho que estava acompanhado de sua velha senhora ou fingia estar, acontecimento comum aos viúvos sem maior rumo para os últimos anos de vida. Pela visão e audição periféricas a meu ainda desconhecido objetivo, percebia eu que o velho tecia comentários para sua esposa ou simulacro de. Era uma cidade estranha, mas o mundo assim o é.

Contornei a grande biblioteca, ali próximo uma catedral, como há de se, no mínimo, empatar esse jogo. Pensava dias atrás na quantidade de igrejas e suas isenções de impostos, enquanto as escolas definham em investimentos, mais tomadas pelos congelamentos do que chamam gastos. Mundo estranho. Os prédios, apesar de serem majestosos me pareciam surgir em área afastada à grande localidade central do município espanhol (ou brasileiro?). Sem um aglomerado urbano o suficiente para ser reconhecido como centro, defrontei-me ali com um pequeno e tosco hotel de arquitetura nem nova nem velha, prédio branco com contornos em bordô para janelas e portas, algo até mais alemão e que me lembrava os ares de Joinville. Sem saber bem o porquê, rumei àquele espaço, certificado que o subir da noite se fazia em substituição aos vestígios de sol. Ultrapassei qualquer impedimento ao não ser questionado por atendimentos portuários, o que obviamente atiçou minhas suspeitas quanto à qualidade dos serviços ali prestados.

Subi a escadaria e entrei em um quarto, altamente surpreendido, porque ali estavam a representação de meus pais com um outro casal. Eles já conversavam e os lençóis não eram mais participantes protagonistas. Meus pais ajeitavam-se para retirarem-se, mal dando-me a atenção necessária em extraordinária descoberta. Meu pai adiantou-se que iria seguir para o carro e que esperava minha mãe por lá. O casal proprietário do alquiler mostrava-se decepcionado. "É sempre assim, podem ir, podem ir..."

"As pessoas nos acham estranhos", completava o companheiro daquela dama, que já punha-se a fumar com habilidosa transição dedal entre dedo médio e indicador. Eu olhava estarrecido para todos os personagens ali depositados. Meu pai que já apressado descera, já ausentado, minha mãe pronta para ser a próxima a deixar o recinto. Pensava que diabos poderia ser aquela prática em ambiente suspeito e com qual objetivo. Como poderia eu encontrá-los de maneira surpresa e completamente inesperada. Eu viajava sozinho, havia ganho a promoção, havia me deslocado centenas ou até milhares de quilômetros. Sim, sim, milhares, sem dúvida. Como assim?

O casal tentou convencer-me a ficar e conversar um pouco. Ela era bastante atraente e sabia como conduzir uma conversa inicial, o que praticamente me punha em dúvida. Sem deixar-me seduzir aos vigaristas, fiz menção ao avançado da hora e estava pronto a retirar-me como há instantes haviam meus pais feito. Tomando fôlego ao ultrapassar o perímetro demarcado pela porta, o estreito corredor me revelava uma alucinação, só poderia ser. A escada estava fatiada, exatamente aquela em que eu havia subido para chegar ao quarto derradeiro. Havia um vão bastante acentuado entre o começo, o topo da escadaria que dava para aquele andar e a sequência até o estreito corredor de baixo. Impossível. Calculei minhas possibilidades de salto e senti-me ineficaz para tal missão. Maldição. Precisava encontrar alguma alternativa para sair daquela enrascada. O casal ajeitava-se também, abotoares de cinto, de botões de camisa, cuidado com franjas ou mechas de cabelo. Eles logo viriam atrás de mim.

Avancei por aquele corredorzinho já apercebido pela presença da mulher que segurava o final de sua bituca de cigarro e despejaria esse descarte sobre um pálido cinzeiro ao canto do corredor, parecendo mais propício que ele estivesse do que um vaso de plantas ornamentais, por exemplo. Segui até o final daquela obra para ser surpreendido pelo profissionalismo de um segurança. Uniforme, mesa de escritório como se fosse um advogado ou atendente de alguma publicidade. Ele parecia esperar pela minha confusa chegada. Sem demonstrar na face alterações significativas, ao explicar para ele que eu queria saber se havia algum elevador no prédio, ele se adiantou por sua saleta até a abertura de outro corredor, paralelo, mas em lado oposto ao que caminhei. Era uma passagem relativamente de aspecto secreto. Quem poderia saber? Por onde meus pais saíram? Será que eram meus pais? Eram a representação de meus pais.

O outro corredor, esse interno, de ligação com a saleta do fiscal, era escuro, entranhas trevosas e uma aparelhagem tecnológica que irrompia luz; conjunto de câmeras e sensores que em nada combinavam com a fachada inexpressiva do prediozinho. Um hotel afastado, quase de campo. Quase mais rural do que urbano. Equipamentos de última geração, captadores de movimentos, câmeras espalhadas de cima a baixo do hotel. Ou seja lá o que fosse aquela construção cada vez mais macabra. Segui o referido segurança, ele de uniforme como um policial, cinto apertado, porrete ao alcançar das mãos, pendurado à cintura. Era melhor não me meter em problemas com ele, mas queria apenas ir embora. Surpresa para minha desconfiança, ele passou por aquela ante-sala de câmeras, dobrou para esquerda em outro corredor cercado de portas que deveriam significar novos quartos como aquele que eu havia entrado e meus pais saído, e finalmente demonstrou-me uma abertura em porta como a de um elevador. Senti determinado alívio, mesmo pressentindo que o desfecho estava longe do findar.

Antes adiantado ao meu caminhar, agora eu media os passos lado a lado com o segurança, atento para qualquer movimento suspeito daquele. A mulher, ao que parece, havia desistido de suas técnicas de sedução. Vá saber quanto dinheiro pode ter tirado de inocentes. Já não nos seguia, como conferi com olhadelas discretas para trás. Mas o acesso ao elevador não levava diretamente a um elevador. Era um imenso galpão, como o de uma indústria. Era como um ginásio, teto alto, horizonte aberto aos olhos até onde, finalmente pude focar, havia sim um elevador discreto ao fundo de toda essa magistral estrutura. Caminhamos lado a lado pelo galpão extenso, eu ainda atento a cada movimento do servente, que mostrava-se tranquilo, assobiava e se remexia quase contente. Notei bazares como os de bichos de pelúcia. Tudo era completamente inacreditável. Dezenas para centenas de animais de pelúcia esquecidos em galpão de elevador secreto.

À metade do caminho, andados uns 30 metros, comentei com o guarda que já havia visualizado o elevador e que ele poderia voltar para seu trabalho, sem mais delongas ou interrupções. Ele franziu a testa, movimentou sinuosamente as sobrancelhas, as rugas de seu rosto acentuaram-se, a resposta lhe tardou de vir à boca enquanto processava meu dito. Finalmente manifestou-se: - tudo bem.

Girou em seus calcanhares e retomava o caminho por onde vínhamos. Eu senti-me aliviado pela segunda vez, a primeira sendo o encontro com a portaria de elevador, embora aquela fosse falsa, agora eu estava próximo da verdadeira. Mas meu plano era esconder alguns animais de pelúcia, queria roubá-los, senti grande impulso por essa missão. Já estava ali, eles estavam abandonados, eles precisavam de mim. Era maníaco meu pensamento. Precisava dos apeluciados em meus braços, pensei em escondê-los sob a camisa, não caberiam, trariam muito volumes, eram senhores animais, quero salvá-los. Percebi perifericamente o olhar sobre meu ombro uma alça, direcionei os braços para trás e dei-me conta de portar mochila. Fazia sentido, deixei o hotel logo cedo para prolongado passeio e uma mochila sempre vem bem a calhar para eventuais compras, carregar câmera, enfim. Embora não lembrasse de maneira alguma carregar a câmera naquelas intranquilas ruas. Mas espaço na bolsa havia e eu poderia colocar quase uma dúzia daqueles bichos sem fazer peso, pois eram de pelúcia, além de concluir meu súbito plano de resgate.

Quando estava ainda escolhendo quais levaria, minha mãe surgiu de uma - a ironia - escada ao lado da porta do terminal elevador. Ela me alcançou aturdida e disse que eu precisava me apressar "que essa gente é louca, não temos o que fazer aqui, não devia estar aqui, vamos, vamos" e eu contei-lhe o plano de carregar animais de pelúcia, que eles precisavam de nós, havia ninguém vendo, poderíamos recolher vários, ela poderia ajudar, seria perfeito, custo-benefício, presentear amigos, levar para gente, que não fazia sentido os animais trancafiados ali, logo eu entusiasta das questões ambientalistas, contrário aos zoológicos e

Ela quase me interrompeu com um tapa, estava mais histérica, gesticulava com pressa, mas sem alterar a voz para que não ecoasse naquela estrutura povoada de animais de pelúcia, mas ainda assim muito aberta para o propagar do som até as outras partes do hotel ou seja lá o que fosse. Ela me agarrou pelos ombros, disse que deixasse de besteiras. Eu, em ultimato, em tentativa de convencê-la a capturar algumas espécies, disse que poderíamos doar para crianças, que seria importante presenteá-las e que não fazia sentido os bichos de pelúcia presos. Ela me olhou atravessada em expressão duradoura de uns longos quatro segundos. Então topou a amalucada ideia, mas disse para eu baixar por aquela escada ou elevador, que ela veio da escada, elevador não conhecia, enfim, mas que desse o fora o quanto antes. Ela preencheria a mochila, tomou-me a mochila, eu contrário à permanência dela, que se fosse inseguro para mim, para ela tanto mais, embora não perguntasse o que ali faziam, que contato tinham com o casal suspeito daquele quarto. "Seu pai lhe espera a duas quadras daqui", disparou em seriedade enquanto avançava para as prateleiras e mesas de serzinhos inanimados, amontoados como naqueles cassinos do gancho para pegá-los. Eu já estava uns três degraus mais baixo que o nível dos acontecimentos anteriores, quando notei que quatro funcionárias voltavam. Conversavam alto e riam, gargalhavam, uma mexia no cabelo de outra, uma mascava chiclete em crescentes bolhas logo estouradas contra sua própria face.

Minha mãe, vendo que elas se aproximavam, fez um último gesto para eu seguir, ir embora, zarpar dali. Após muita hesitação e desconfiança anteriormente, resolvi obedecê-la, mas completamente incerto do que sucederia. A escada estava íntegra, os degraus nem sequer rangeram a meus apressados passos. Não houve interrupção novamente na câmara de entrada do decrépito prédio. Nenhuma alma para encerrar meu aterrador check in naquela casa maligna. Minha mãe seria atacada pelas demais funcionárias? Minha mãe fazia parte daquele plano? Eram traficantes? Que tipo de práticas ou cultos ali realizavam? A noite estava cerrada, a umidade crescente tornava até o próprio solo escorregadio quando ganhei novamente as largas calçadas da rua, os terrenos baldios em volta formulando uma escuridão espessa, rompida a distantes postes e a iluminação de raros prédios, que começavam seu aglomerar de estruturas urbanas conforme eu avançava e o resfolegar representava o esforço praticado pelos passos em desabalada corrida.

Nem sinal de meu pai. Queria apenas retomar, de alguma maneira, perdido por aquelas ruas, já sem minha mochila que havia ficado com a representação de minha mãe, o caminho para o hotel. Pegar o restante de minhas tralhas, roupas, sapatos e voltar para o Brasil, sem me atentar ao congresso da promoção vencida pela BABEL. A promoção surgida em bar em que eu bebia solitário e tranquilo, o vencer da promoção, o congresso perfeito em datas logo após o resultado da promoção, minha facilidade com o idioma espanhol para ali congregar-me. Meus pais. Tudo parecia armado, simulacro, falso. Tinha a certeza que voltando para casa, eu não os encontraria na cidade.

02/03/2020

tous les jours

A informação é o bem mais valioso, mas circula pelos ares. Quem a pega? Quem a precisa pegar? Ela não é tateável, se ela circula das bocas aos ouvidos. Tateável no máximo das escritas aos olhos, mas armazenada novamente na cabeça. Quem a tem? Quem a rouba? Quem a influencia? Quem a transfere? Quem a reescreve? Quem a edita? Quem a reedita? A quem beneficia? A quem desagrada? A informação.

A informação circula como prioridade nos seus dias. Não é mais aquela imagem do senhor que acorda e lê o jornal no café da manhã, mas está no seu celular, no seu computador. Alguém a escreveu. Quanto vale? Alguém escreveu a sinopse para aquele filme, para aquela série, para aquele jogo. Quem escreveu? Quanto vale?

Alguém escreveu sobre o jogo de futebol que não foi visto, ou outra modalidade que aconteceu, que está acontecendo, que vai acontecer. Quem? Quanto vale? Alguém escreveu divulgar o evento, para informar do protesto, para informar o dia e o horário disponíveis no feriado, para anunciar o tipo de sangue que está em falta do hemocentro, para informar o dia e a hora do enterro, para informar onde o trânsito está bloqueado, como e o porquê de estar, alguém escreveu para informar o dia do pagamento do parcelado salário proposto pelo governo. Quem escreveu? Quanto vale?

Alguém esteve em contato com as principais autoridades, foi atrás. Alguém foi onde ninguém tinha ido, naquele momento, naquele contexto. Alguém foi atrás, foi buscar. Alguém traduziu o que diziam os técnicos, os meteorologistas, os químicos, os engenheiros, os médicos, nos laudos da ciência, nas perícias medicinais, nas avaliações dos peritos, alguém ouviu, analisou e traduziu. Quem? Quanto vale?

Alguém acordou cedo, alguém dormiu tarde, alguém correu para leres, ouvires, perceberes parado, alguém esteve lá, alguém está lá, alguém estará lá e vai enviar para leres, ouvires e perceberes parado. Para dar assunto no barbeiro, no salão de beleza, no ponto de ônibus, no consultório odontológico, na estação do trem, no restaurante, na televisão no canto, no rádio no interior sobre as janelas das construções sobre minifúndios. Alguém no verbo está. Quem? Quanto vale?

Alguém deu aula a todas essas profissões, mas alguém também informou a todas essas profissões, nas matérias, reportagens, revistas, sinopses, críticas literárias, telejornais, radiojornais, resumos, resenhas, boletins informativos diários. Fichas, designes, cadastros, programas e seus preenchimentos. Alguém. Quem? E quanto vale? Laboral, autoral, o que circula, além dos lombos dos pesos de mulas, grãos, safras e sal, pulula e não pula um dia sequer, em todos marca presença, marca novidades, nascenças, mortes, barreiras, proenças, registros e crenças opinativas. Aditiva a locomotiva da vida no dia a dia da ciência do cotidiano.

Por anos e anos. Sempre alguém. Mas quem? E quanto vale?

08/05/2018

Segunda-Feira, 7 de Maio

Terminei de ler mais um livro. Um grande livro. Em tamanho e significado, recomendado por um dos meus amigos da atualidade. Na verdade, me joguei a essa leitura através de uma lista dos livros que nos desafiavam sobre termos lido ou não. Esse eu não havia lido, mas agora posso marcar, confirmar e condizer que sim: li.

Ao terminar essa vasta leitura, o relógio ultrapassa as temíveis três horas da madrugada. O maior temor é o despertar do dia seguinte. Ó, que contradição, se o maior temor seria não acordar no dia seguinte? Mas me refiro aos desrespeito com o horário. Mais uma madrugada atravessada entre as pálpebras. Uma leitura estonteante, um folhar de páginas que pode mudar a vida de vários indivíduos, configurando o porquê da obra ser um clássico respeitabilíssimo.

Para este amigo, devo ações políticos. E será que devo? A quem devo? No que acredito? Quais são os próximos passos? Um maldito ano eleitoral em que estamos cercados das mais diversas maneiras. Quem matou a vereadora carioca Marielle Franco? Pode manifestação política defendendo político específico em estádio? Por que afirmam que Ciro Gomes não é de esquerda?

Um colega de jornalismo, conhecido virtualmente, desabafa neste horário sobre o pouco ânimo vital. A gente nem se espanta mais. É tão comum o desânimo. A gente aprende a conviver consigo mesmo e a não arregalar os olhos nos demais casos. É preciso ser muito forte, paciente e domado espiritualmente. Domado como um animal que obedece quando o dono arremessa uma bola e se corre atrás.

Este colega não está mais no site em que eu estava. Somos ex do mesmo portal. Não tenho tamanha intimidade e nem fôlego agora para indagá-lo sobre sua situação atual. E, a bem da verdade, nem sei quais são as palavras certas para ajudá-lo neste momento. Ele reclama que não se sente à vontade com o que está produzindo ou para que possa produzir o que deseja. Entendem? Ele sabe que está fazendo algo, mas não aprova. Ou não está fazendo algo porque simplesmente não consegue configurar-se para tal função. Falta de manejo físico ou psicológico atualmente. Um problema, um problemão que atinge a muitos e muitas.

Os que buscam emprego se apertam contra portas estreitas da atualidade. Um colega de escola forma-se engenheiro civil e não tem contrato e não tem  por onde ir no exato momento. É possível que a construção lhe abra passagens futuras, literalmente, mas por enquanto é um cenário de tensão e espera. Outro formado há mais de ano também não conseguia o que exercer. Um terceiro está para se formar e tem sonhos utópicos que necessitariam de uma responsabilidade enorme, de um capital de giro inicial bastante alto e que sabe-se lá de onde espera tirar. Devaneios de um Brasil que, ao invés de ser pista de decolagem está mais para terra movediça. Sacam?

No Jornalismo meu e do colega acima citado, o problema é se defrontar com o que produzimos e em nome de quem e para qual retorno. O financeiro é irrisório, qualquer obra simbólica ou de menor esforço físico valendo mais. Nos desgastamos em deslocamentos para cobrir pautas, em horas escolhendo e editando as palavras certas nos resumos jogados nas lixeiras dos calçadões ao fim do dia. Ao buraco do esquecimento no migratório e acelerado circuito virtual que nos engole como pequenas presas de leões.

A outra companheira que destrincha umas linhas, uns podem chamar de thread, resmunga a respeito do barulho feito pelos vizinhos de cima do apartamento. Taí outro problema comum dos deseducados moradores de condomínios Brasil adiante, mesmo essa sendo uma legítima pelotense. Reclama sobre barulhos de móveis ou de que for que está sendo arrastado teto acima para ela. Três horas da madrugada e essa situação humilhante, o sono, ainda gratuito, sendo dizimado em nome de algum absurdo para o horário.

Desânimo dela que conta aos leitores madrugadores ser uma cena comum. Gravou vídeos com o celular para provar o horário e o estampido dos sons impertinentes no apartamento de cima. Mais cedo, uma outra menina reclamava do sexo dos vizinhos, mas essa é outra história. Outra história que pelo menos era mais justificável e mais cedo.

A boa notícia, segundo o portal da emissora mais famosa do Brasil, é que os imóveis baixaram 0,01% do preço no mês de abril. É a grande chance de trocar de endereço, desanimados e desanimadas deste país. Assim foi-se a segunda das feiras.

05/05/2018

Morros

Era um morro. Naturalmente era um morro, relevo esculpido pela mãe geografia desde muitos e muitos séculos. Também é lógico que trata-se de um morro ocupado. Famílias e famílias periféricas, mas visíveis, talvez de binóculos, aos olhos do reinante asfalto, que no Rio de Janeiro tem seu reinado no ponto mais baixo.

Mas o morro tinha lá seus impérios. Lugar melhor para alguns comércios não há. E os que sabem, se escoram e se encorajam nisso não perdem chance. Ocupações para o bem ou para o mal. Ou além disso, pela sobrevivência. Algo que orgulharia a teoria de filósofos alemães que jamais viram tais cenas e nem as imaginavam no europeu século dezenove.

De fato, era um morro. Um morro que aqui não representa nome. Um morro desses que o turista conhece olhando lá de baixo para cima, com olhos arregalados, a boca abismada em formato de caverna e, se não é assim que observa, é porque teme representar demais a expressão turística, chamadora de atenção de quem tenta se aproveitar deles. Morro desses que o estrangeiro a essas terras observa como uma junção de peças muito semelhantes, como um quebra-cabeças, mas que tenta, ao mesmo tempo, registrar as diferenças, entre uma casa de tijolos à vista, outra pintada em cor de rosa, outra na mão de tinta em verde limão. Tenta observar uma bandeira do Flamengo pendurada, umas peça de roupa em outra corda, uma bicicleta ali jogada ou uma bola de plástico instantemente abandonada. Tenta entender como a fiação funciona naqueles enroscos que desafiam a lógica e a física. Desafiam aos vizinhos descobrir quem é o responsável quando a luz se vai ou quando o incêndio atinge uma dúzia de barracões. Os desafios do dia a dia.

Cada vez mais convencido de que o ser humano é adaptável. Pra quem mora ali desde a infância, nada disso é cenário para bocabertices, para espanto, caras pasmas ou a mão trêmula tentando sacar dali fotografia com o celular ou com a Canon ou Nikon. Um casal de jornalistas ali vivia há cerca de um mês. A primeira semana sempre é a mais difícil. O trabalho de conseguir alugar um espaço de dois quartos, uma cozinha e um banheiro quase comunitário com os vizinhos não foi tranquilo aos olhos dos controladores.

A adrenalina e a ânsia da reportagem falavam mais alto. Gritavam e abriam espaço em seus peitos. Precisava ser feito. O início era como se adaptar a um quarto de hotel, com suas peculiaridades estudadas nos primeiros dias, nos primeiros acenderes do fogão, nos primeiros banhos para regular o pouco que podia ser feito com a água do chuveiro. Armazenar água da chuva para fundos de emergência, saber a intensidade da descarga do vaso sanitário. Entender o horário e os incômodos que os vizinhos poderiam causar.

Preconceitos à parte da sociedade dos bairros abaixo, nada ali estranhava muito. Crianças brincam e fazem barulho, naturalmente. Das mais ricas às mais pobres. Experiências de observar crianças haviam tido, embora, casal junto há menos de quatro anos, não tinham filhos e, nos custos de tempo e estresse na dedicação ao trabalho, não pensavam e mal discutiam essa hipótese, mesmo para um futuro que não sabiam se existiria.

Se conheceram ao final de suas faculdades e a oportunidade de trabalhar juntos uniu-os de vez. É possível que já haviam se visto nesses rios de janeiros de zonas sulistas, mas somente os encontros para a definitiva oportunidade de trabalhar no mesmo ramo meses depois causaram uma união mais estável. Dividiam um apartamento anteriormente, com alguns custos de auxílio das famílias, pois jornalista tinha um alto custo com internet, telefonia e outros serviços. Até mesmo com deslocamentos com transportes, que, mesmo nos aplicativos novos, somavam uma nota desconfortável ao final dos meses.

Aquele espaço no morro era para uma produção que ganharia destaque em chamada e páginas e páginas de uma revista. O veículo entrava em contato com eles praticamente diariamente. A negociação para obter o lugar estratégico demorou mais tempo do que passariam ali. Os contatos com os controladores eram seguidos. Queriam saber a intenção da reportagem, saber um pouco sobre suas identidades e histórico recentes, o que foi passado em resumo bastante resumido, mas sem invenções ou ocultações que poderiam complicar a pele do casal enquanto estivessem lá em cima.

Conforme avançavam no currículo que os controladores desejavam, a isenção de pagamento foi conseguida. Era um dos raros espaços desocupados anteriormente entre as construções tão adjuntas do morro. Famílias e mais famílias os cercavam. A bem da verdade, o ponto de vista antropológico os interessava muito. A parte criminalística deixava de ser o ápice da reportagem durante vários e vários dias. Muitas vezes o olhar direcionado ao conhecimento daqueles humanos preferia fotografar as crianças em brincadeiras rudimentares de futebol, nas versões de altinha e em gols improvisados, as quase extintas bolas de gude, ou mirar o deslocamento das constantes lavadeiras, que pareciam carregar e trabalhar com mais peças do que caberiam em pilhas ou cabides no aperto dos quartos das casas.

E no que se conseguia capturar de seus assuntos, as palavras, os discursos e os diálogos inalados de sabão iam dos homens, dos ex-acompanhantes, dos bêbados da região, da novela, algo mais vago sobre futebol, sobre o desempenho dos que estudavam e o lamentar dos que não estudavam naquelas famílias tão jovens, de mães adolescentes a crianças que começavam a se encarregar do perigoso e mortal tráfico.

Esta era uma das palavras as quais evitavam a todo custo. Certas palavras pareciam perigosas e distintas até mesmo para colocá-las no papel, das anotações aos registros do notebook. A sensação era de cometer um grande delito e que sempre alguém os observava como se fosse o Cristo Redentor, ainda mais ao alto, a aconselhar que utilizassem sinônimos ou tomassem o extremo cuidado naqueles delicados assuntos.

Também pelo receio de abordar esses temas é que muitas vezes o cotidiano das famílias mais simples, necessitadas e pouco estruturadas tomava espaço nos registros, nas anotações e nos álbuns construídos. Aprendiam o nome de alguns vizinhos, embora a maioria demonstrasse interesse, mas receio de se intercomunicar por muito tempo. Qualquer estouro em relação aos jornalistas poderia acarretar em problemas entre os mais próximos, como tortura, ameaças e necessidades de confessar até o que não sabiam.

A relação com a vizinhança foi um dos tópicos bastante abordados durante as conversas para definir o aluguel. Muitos dos moradores, principalmente os mais antigos e de confiança dos controladores, foram indagados sobre a possível presença dos jornalistas ali em dia e noite. Uns torceram o nariz, mas a maioria foi aceitando. A liberação da concordância foi acontecendo em processo de confiança dos primeiros dias. Mas, para os jornalistas, a sensação era sempre de que alguém os observava. E era possível que realmente os observavam nos mais diferentes horários e locais, como na ida aos mercadinhos da zona ou da cerveja que Gabriel arriscava beber nos botecos, colhendo mais alguns depoimentos dos frequentadores, uns mais exaltados ou confessores após os pileques.

Gabriel era mais moreno e Patrícia era muito clara. Ela atraía olhares masculinos, mas teve dificuldade era em convencer as lavadeiras, as jovens mães acompanhadas ou solteiras de que sua presença era meramente trabalhista. Não ia lá para roubar homem, muito pelo contrário, afirmava.

Os preconceitos correm fácil por esse Brasil, talvez tão fáceis como circulem os córregos da vasta bacia hidrográfica de Norte a Sul, ou fáceis como as valetas e os esgotos a céu aberto. Ou fáceis como o voo das veranistas andorinhas e outras aves nativas. Tão fácil quanto a fumaça do cigarro no bar que Gabriel frequentava às vezes com Patrícia. Tão fácil quanto a mercadoria financiadora descia morro por meses sem a mínima interferência estatal e o controle era todo daqueles que intermediavam pela população, ameaçavam e empunhavam suas regras e seu armamento por vezes à luz do dia.

Faltavam poucos dias para fechar um mês de trabalho. Eles não projetavam estender muito mais a jornada por aquelas bandas, conforme inclusive haviam acordado com os controladores da região. Eram 28 dias completos na missão para a revista, mas então houve a noite derradeira. Foram 28 dias completos, mas na vigésima oitava noite...

08/02/2018

Pra onde e por quê?

Uma geração que procurou se diferenciar. Diferenciar das passadas e entra ela mesma, estabelecendo diferentes grupos para assunto, interesses e experiências em comum. Mas acabou se assemelhando bastante. A oportunidade do acesso à informação ou a diferentes entretenimentos não necessariamente modificou os hábitos ou gerou grande mudança das portas escolhidas.

Os trending topics seguem ditados pela grande mídia. Dos reality shows de confinamento, comida ou gente pelada no mato. Do esporte ao vivo, do futebol nacional ao produto dos Estados Unidos que cada vez mais chega às nossas telas. Assim o jovem nascido nos anos 1990 e começo dos anos 2000 está se formando e pensando seu futuro. O consumo midiático aumentou, inevitavelmente. Maior alfabetização, mas maior acesso aos meios digitais. Favelas e comunidades com extremas carências, mas com condições de parcelar um celular, ter um acesso à internet mesmo que do wi-fi vizinho. TV a cabo por gato ou por algum enroscar de fios que desperta meu toc apenas por ver imagens dos postes.

Enfim, esse alto consumo da mídia germina sonhos de infância e adolescência. A vontade de aparecer do outro lado da televisão, enquanto produtor de conteúdo. O desejo de ser visto, de ser lido. Muitas vezes pessoas que se espelham em ídolos criados nesses formatos. Raros esportistas, raros jornalistas, raros humoristas com espaço integral de aparição em horário nobre na TV, em grandes canais na internet. Mas a impressão na infância e na adolescência é que é bem possível chegar lá. E MAIS: de que vale a pena e é importante (pra quem?) chegar lá.

Por um período considerável de minha vida em cérebro infantil, considerava que os programas de auditório e grandes besteiróis televisivos poderiam ser jornalismo. Somente o amadurecimento (mesmo que tardio), o contato com diferentes realidades (necessitadas - de serviços públicos, de ajuda e não de solidariedades vendidas e gravadas) e o entendimento do que realmente pode ser essencial na vida dessas pessoas mudou minhas concepções, apontamentos e direcionamentos.

É uma questão complicada. Muitos dos jovens se fecham a essas realidades, negam a observação e consideração ao próximo e seguem seus sonhos inicialmente egocêntricos e aparecidos. "Me vejam, me notem, me leiam." Parando para a reflexão neste determinado momento, muitos chegam a esse ponto por alguns desses fatores comuns: 1) pais que incentivaram esse sentimento de especialidade; 2) ilusão de que os caminhos são largos e é bastante possível atingir objetivos desse porte, sendo que há poucas vagas de aparição tais quais as desejadas (basta ver que os poucos ídolos dessa geração são os mesmos e as pessoas que queriam estar em seus lugares são muitas, milhares para cada ídolo); 3) necessidade de atenção e/ou carência, nas necessidades familiares, em formações cada vez mais diluídas, assim como a maioria das relações; 4) egocentrismo em busca do chamado sucesso 5) em algum lugar, obviamente, o considerado altruísmo de querer ajudar e um mundo melhor.

Embora o quinto item possa ser atingido em outras profissões de soluções mais diretas, resultados fisicamente palpáveis ou irreparáveis e menos debulhada ao campo simbólico. Quanto vale seu texto, sua imagem, sua denúncia de problemas que serão ou não solucionados? Os quais serão apenas apresentados ao público ou trarão soluções práticas para resolução dos conflitos? Quanto vale seu trabalho de pesquisa e apuração? Seu desgaste de conta telefônica ou de disponibilidade para procurar e ouvir fontes? Por que o seringueiro recebe tão pouco no valor pífio de uma borracha? E o trabalho escravo, porém prático, segue a existir? E outras pequenas peças dotadas de valor simbólico extraviado custam fortunas?

O quanto ajudamos? O quanto queremos ajudar? O quanto é necessário ajudar? Salvar a própria pele? Salvar a pele de quem? O árduo e frio bronze da estátua dura mais. Mas ninguém quer saber.

14/11/2017

siempre lo mismo

eu escrevo
preso às amarras
às falas do jornalismo
preso às taras
do consumismo
preso ao emprego
que quiere
siempre lo mismo

09/05/2017

Domingo de Términos

O churrasco estava por acabar. Alguns convidados, possivelmente os familiares, reuniam as sobras em recipientes para seguir com eles em viagem, no pensamento futuro de novas refeições. Isopor, plástico, isopor, organização, cabe mais um, leva você, pode levar. Aperto de mão, abraço, dois beijos, talvez um só, um aceno à distância. Era o crepúsculo da festividade. Preparava um breve discurso, mas o ex-colega, na atualidade de formando, de formado e de anfitrião tinha mais convidados. Mal consigo pronunciar o lead do que eu queria dizer. Considero bastante as oportunidades de desenvolver tarefas que ele me deu ao longo do curso de Jornalismo. Hashtag gratidão.

Esperava por mais recém ex-colegas no churrasco, que até o mês passado eram colegas de curso e de classes que deixamos para trás no findar de abril. Sobravam eu e um casal de ex-colegas. Ele terminou o curso no mesmo prazo que eu. Antes de começarmos a trajetória em 2013, foi uma referência vê-lo pelas redes sociais como um redator de renome na internet. Ela, por sua vez, tornou-se parceira dele em maior tempo que a duração de nosso curso. Logo no primeiro ano de ingresso estreitaram relação. Após dois semestres cursados conosco, ela seguiu para outro rumo de carreira acadêmica, mas o casal manteve-se e desfrutariam da simpática carona de meu pai pela primeira vez, se não me falha a memória.

Durante o período de Jornalismo, meu pai me acompanhou em idas e vindas, de maneira que muitos dos colegas em maiores ou menores graus de amizade e reconhecimento à minha pessoa também foram agraciados com a poupança de dinheiro de ônibus, de maior segurança ao trajeto ou de simplesmente poupar cansativas ou arriscadas caminhadas.

Antes que a camionete de meu pai deslizasse prateada sobre as areias do bairro da praia, conversávamos o que chamaríamos de últimas resenhas. No tom de despedida, o ex-colega confessou o sentimento que lhe atingiu em cheio nas palavras do anfitrião da festividade. "Só senti que acabou quando me perguntou se eu ia na aula amanhã." O tom sarcástico de nosso ex-colega, anfitrião e então já ex-anfitrião da tarde foi uma paulada que me atingiu, mesmo tomando conhecimento das palavras somente em compartilhamento do outro amigo. Realmente nos dávamos conta: não haveria mais aulas.

As fichas caem aos poucos. Levo comigo essa dentre poucas certezas que nos cabem em bolsos e na alma. As fichas demoram a cair em relação à morte de um parente ou de uma pessoa próxima, um amigo ou uma amiga. Demoram a cair. Demoram a cair as fichas das trocas de emprego ou de cidades. Demoram a cair as fichas das etapas que concluímos e que dão início a novas etapas. As promessas de reencontros quase sempre são vazias. O afastamento das pessoas que faziam parte da etapa concluída é praticamente inevitável. Os mais otimistas talvez colham pedras para replicar esse trecho que escrevo, mas realmente trata-se de mutações, transformações e adultérios no caminho. E as mudanças de caminhos e de calçadas requerem mudanças nos ciclos e nas pessoas presentes neles.

As despedidas são veladas como são veladas as palavras que tomam um recorte comum. Nos velórios, os pesares, os pêsames, os sentimentos e consentimentos em relação aos mais necessitados de conforto espiritual na hora. Nas festas de troca de ano, os desejos de próspero (palavra que só se utiliza em réveillon), bem sucedido e estimado ano pela frente. Assim como os populares "parabéns e tudo de bom" nos aniversários.

No espaço que trafega na minha mente, via pela estrada de concreto que liga a praia ao centro e vice-versa, como se aproximava o destino final do casal, que dividia comigo o banco traseiro da camionete, enquanto meus pais ocupavam os lugares à frente. Estava na hora de saltar. No breve discurso que novamente ensaiei no silêncio absorto de meus pensamentos, consegui dizer ao companheiro jornalista quando eles desceram do carro: "nos vemos por aí", ou coisa parecida.

O domingo desses términos de etapa concluída trazia o anoitecer, que é mais veloz nas proximidades do inverno. O azul toma conta em tons mais acinzentados, meio leitosos. O pouco que sobra de luz é como uma recoberta camada amarelada que não tarda em sumir e trazer de vez a escuridão. No anoitecer daquele domingo ainda acabou a sequência dos títulos gaúchos do Internacional, com o Esporte Clube Novo Hamburgo sendo campeão do estadual pela primeira vez em sua centenária história. O domingo dos términos marcava novas etapas. Novas etapas que demoram a nos esclarecer as coisas que ficam e que saem. As pessoas que ficam e que saem. Como demoram as fichas a cair de que o Internacional teria pela frente sua primeira participação na Série B e o Novo Hamburgo poderia enfim degustar sua primeira conquista de tamanho renome. Términos e inícios.

18/09/2016

Inabitável

Inabitável mundo
Da informação tão ágil
Da informação tão frágil
De um rio tão raso
Onde quem o atravessa
Pode sair com mais ódio
Sem interpretar o episódio
Sem a jangada do contexto
Sem o galho que o salva
Do naufrágio
Da opinião equivocada

29/08/2016

Nunca colocam o close na educação

Na mesma semana, David Coimbra colocou com sua assinatura que "O Estado pode sonegar até educação; segurança, não".

Já o comunicador Alexandre Fetter leu carta aberta em seu programa e disse que "Para mim, que gente assim (jornalistas de opinião contrária a ele) sejam as próximas vítimas, que sejam eles a sangrar e deixar suas famílias enterradas”."

Gente, eles pregam uma forma de resolver DE UMA HORA PARA OUTRA um problema de décadas nas periferias, que só se tornou esse desespero todo AGORA porque bateu na porta da classe média e das mais altas: morte nas comunidades mais pobres sempre existiu por violência, por tráfico, mas não tem apelo, não é noticiada, não gera comoção ou a mesma indignação. Quase nunca houve preocupação do Estado em combater isso.

Nesta segunda-feira, o Jornal Hoje, da Globo, destaca uma família morta em um condomínio de luxo no Rio de Janeiro. Foi chamada na abertura do jornal. Jamais abririam esse espaço de inquietação, investigação para morte de pessoas pobres na favela. E repito: as pessoas de favelas, periferias sempre conviveram com a violência, sem aportes ou subsídios do ~~Estado que pode sonegar até educação, segurança, não~~.

A educação, neste processo todo, que começou e perdura por décadas e décadas, sempre foi a saída ou redução das desigualdades e de tantos problemas sociais comuns de norte a sul do Brasil. A educação de base: das creches, do começo e fim do fundamental, do ingresso no ensino médio e finalmente no superior.

O posicionamento desses comunicadores está muito errado. Eles são do mesmo grupo de comunicação.

08/06/2015

Os memes - a publicidade e o jornalismo

O que são os memes e por que estão cada vez mais inseridos no campo da publicidade e, até mesmo, no jornalismo online?

Os memes são aqueles conceitos que se tornam virais, muito populares na internet. É possível que você tenha pensado somente naquelas tirinhas que já disseminaram-se bastante no ambiente virtual, mas eles também podem assumir as formas de outras imagens, gifs e vídeos, por exemplo.

Por facilitarem o entendimento (quase no princípio "entendeu ou quer que desenhe?"), os memes estão cada vez mais presentes na publicidade e propaganda de produtos. As exemplificações desta postagem comprovam isso com as imagens inteligentemente montadas pelo marketing do chocolate Bis.
São essas propagandas bem sacadas que impulsionam publicações e conseguem alcances muito grandes, popularizando-se entre as pessoas. Dessa maneira, o atingir ao público, prioridade do marketing, ganha o auxílio da ferramenta dos memes. No meio online, grandes jornais também já apelaram para a técnica de difundir notícias através dos memes, principalmente quando o assunto é descontraído, em notícias de comportamento ou do mundo dos esportes.