Meu Pé de Laranja Lima causou grande impressão e pode ser considerado um dos melhores filmes nacionais. Acostumado a filmes iranianos que retratam a infância, observar essa obra autobiográfica que vem do livro de José Mauro de Vasconcelos é contemplar a identificação com milhões de jovens brasileiros.
Zezé só revela o nome completo no filme ao recitar para preencher a ficha escolar. José Mauro de Vasconcelos. O menino tem seis anos, é miúdo, mas destemido. Tem um irmão menor chamado Luis (ou Luiz), com o qual é muito atencioso. Seu irmão mais velho aparece em algumas cenas e procura instruir o imaginativo e aventureiro Zezé. A infância neste filme não é retratada como a maior das nostalgias, do fantasioso e do maravilhoso enquanto não se cresce. Zezé, pelo contrário, vive à margem de uma sociedade abastada. Seu pai desempregou e não tem previsão de receber um novo emprego. A substituição dos postos por operários mais jovens é realidade. José mesmo muito criança já sai atrás de suas rendas, sempre pensando nos próximos. Sonha dar um presente de Natal ao maninho menor. Quando questionado por roubar uma flor para professora, confessa não ter dinheiro para comprar, não ter jardim em sua casa com flores e que não tolerava assistir ao copo na mesa da professora vazio. Roubou-lhe uma flor. Em seguida fala que a professora não deveria destinar brindes de comida só a ele, que era excelente aluno. Uma negrinha na escola era ainda mais pobre e ele dividiria a comida sempre com ela, que era excluída por outras crianças. A professora poderia dar brindes direto à menina. Zezé cometia erros, xingava, se metia em brigas, mas tinha bom coração. Passados anos da vida adulta é fácil enxergar. O envolvimento de todo contexto e o perdão para os erros infantis do aprendizado.
Nessa vida com percalços, descalço pelas ruas, Zezé não romantiza a infância. Sonha viajar, fala até em suicídio, conversa que pesa clima ao fazer amizade com um confessor português, o senhor Manuel Valadares. Como o pai estava desempregado e ocorriam algumas brigas em sua casa, com a irmã adolescente e os pais, Zezé chega a projetar que o português o adote. Manuel, que não tinha filhos, não descarta a ideia, mas não tiraria o menino do seio familiar.
Claro, o personagem principal das confissões de Zezé seria o que dá nome ao filme, o tal do Pé de Laranja Lima. Zezé o descobre no terreno avulso à casa e lá parte para brincadeiras e imaginações. A árvore além de ouvinte também dava dicas maravilhosas ao menino. Um realismo fantástico. Zezé gostava de brincar de imaginar um zoológico e animais ferozes para impressionar o mano Luis. Além da árvore do protagonista, os irmãos também tinham entre mangueiras e outras árvores, uma da tamarindo.
O efeito do filme com acontecimentos tristes, emocionantes, crus, remendadores de nossas e outras infâncias torna as lembranças como um clássico. Se comparam as épocas, se pensa no raio do capitalismo que faz crianças trabalharem e adultos sucumbirem. Faz com que desejem fugir ou morrer, que sejam discriminadas, que percebam ou não as diferentes classes sociais e financeiras. O dinheiro como base de tudo, para comer, para presentes, para determinar as crianças que tenham ou não tenham Natal, que tenham ou não tenham figurinhas de chiclete e outros brinquedos, que possam ter a bicicleta ou não, conforme o filme recém avaliado neste canal, o Este Mundo é Meu (1964).
Meu Pé de Laranja Lima supera sensores para cortar/contar essa época da arte brasileira com amostras de pobreza, mas de esperança. Retratos crus, a mistura do rural e do urbano, da sociedade ainda muito religiosa, do crescimento das cidades, da passagem do bastão das gerações. Dos portugueses incorporados à sociedade brasileira: amigos? Confessores? Por que não?
Zezé encanta por seu senso aventureiro, por não se intimidar, briga e busca melhoras pelos irmãos, chega a brigar com menino maior do que ele. Luta contra as desigualdades, sonha planos para si e pelos outros, roga contra Jesus que o teria abandonado. Não é fácil ser criança. Toda a romantização da infância esquece de muitos exemplos. O escritor José Mauro de Vasconcelos não nos deixou esquecer das agruras de um Brasil profundo e relativamente recente. Talvez da nossa janela para fora ainda hoje.
Nenhum comentário:
Postar um comentário