Filme lançado em ano marcante para história brasileira, Esse Mundo é Meu teve o "luxo" de permitir críticas sociais à essa época. A ambiguidade no título do filme é interessante. Pode-se pensar em uma conduta de posse, de poder, de aquisição, mas a análise final resulta pensar em apenas assimilação, pertencimento. Esse Mundo também é o meu, também é o que vivo.
A história mostra dois trabalhadores, um negro e um branco, e suas respectivas vidas com as companheiras. O negro Toninho é engraxate e sonha comprar uma bicicleta, mas, embora desça ao centro para trabalhar em barbearias e na rua, entre em lojas para namorar o transporte de seu desejo, não consegue atingir a quantia para sobreviver e comprar. O branco Pedro descobre que a companheira está grávida, deseja um aumento de salário na fábrica, na serralheria em que trabalha, coisa que não obtém. O chefe brava em plena discordância. "Se eu der aumento pra ti, precisarei dar aumento pra todos."
A companheira de Pedro pensa no aborto, pois não quer ter um filho sem estudos, um engraxate ou situação semelhante. O operário sonha que o futuro filho estude e seja um respeitado doutor. Situação distante para o Brasil da época?
O cansaço da espera, a ansiedade e o desespero moldam, modelam as duas histórias em pouco mais de 1h18min de filme. A direção é de Sérgio Ricardo, brasileiro que por muito tempo se dedicou à música, trilhas sonoras e canções. Assim, o filme tem acabamento apesar dos parcos recursos. As histórias fluem.
A figura central da bicicleta faz pensar em outros filmes da época, como o clássico italiano Ladrões de Bicicleta, o neorrealismo nas telas. No futuro, o árabe O Sonho de Wadja lembrará da importância da bicicleta, dessa vez para uma menina que não poderia brincar e se mover como os outros meninos, em função das restrições impostas na cultura islã. No Brasil de 1964, a identificação com o mundo do trabalhador que vive de bicos, não tem salário fixo, mal tem para arrematar a saída da miséria da fome, não tem para juntar para uma simples bicicleta e não encontra outra forma que não seja o roubo. A identificação com o operário que almeja uma vida melhor para família, deve dois meses do aluguel de um barraco. Ele e a mulher então recorrem, na dúvida sobre a manutenção ou a extração do filho, a uma clínica clandestina de aborto, com métodos mal afamados e polêmicos. Irão sobreviver?
A colocação da temática do aborto em plena época demonstra ousadia e abertura para um debate ainda muito distante de ser vencido em 2025, mais de 60 anos depois. A identificação com a dura realidade das personagens mostra um Brasil que muito precisa avançar e a dificuldade de sobrevivência para quem vive à margem, na localização, no acesso à saúde e oportunidades.
⭐⭐⭐⭐
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