Assim, faço meus poucos afazeres e parto contra o tempo para aproveitar o fim de tarde. Nas ruas, a cidade exerce rotinas, repete movimentos no imenso tabuleiro. Consigo notar os funcionários que olham ansiosos para frente de seus estabelecimentos, esperando a hora de largar fora.
Alguns praticam exercícios por necessidade, esforçados. Outros buscam prazer e bem estar nas práticas, com roupas esportivas para melhor desempenho. Lotam as pistas previamente estabelecidas a seus passos. Outros dividem calçadas com pedestres mais vagarosos e respiram as toxinas dos automóveis e ônibus em seus trajetos.
Cruzo por idosos carregando sacolas pesadas demais. Isso me faz pensar o quão estranho soaria solicitar ajudar aos que rumam na mesma direção do que eu. Afinal, as pessoas pouco confiam nas outras, poderiam pensar que se trata de um assalto disfarçado de solidariedade. Há muitas máscaras e coisas ocultas nas cidades.
Cruzo por crianças colocando suas pequenas mãos onde não devem. De suas próprias narinas até aos locais mais inusitados e, às vezes, perigosos. Responsáveis desatentos não percebem ou tardam a perceber seus atos não recomendados. Algumas correm para fora do alcance das mãos maiores dos adultos, por falsa sensação de liberdade ou a mais pura travessura.
Os olhares dos idosos carregam mais incógnitas. Olham distantes da realidade das ruas, que são como um grande jogo da velha, em linhas que se estendem retas por quadras e mais quadras. É difícil adivinhar o que pensam, o que puxam da memória, o que relembram ao ver certos movimentos dos mais jovens. É difícil saber se a nostalgia os traz uma sensação boa de ter feito algo, ou o arrependimento de não ter feito. Ou a sensação boa de não ter escolhido algo, ou o arrependimento de ter escolhido. Perguntas que passam como a fumaça do transporte coletivo.
De óculos escuros, ninguém adivinhará o que meus olhos transbordam a querer dizer. Como um disfarce, me esquivo de alguns cumprimentos com pessoas que pouco conheço e, quando considero válido, realizo a referência de tirá-los e os concedo uma saudação e, talvez, um curto papo.
No fim de minha jornada, com a lua coberta ainda por nuvens, como se escondesse também em cortinas ou persianas naturais, ouço a voz e a simplicidade de Wander Wildner pelos fones de ouvido. "Eles não dizem adeus. Eles não dizem adeus. Os índios dizem até o outro sol. E que os deuses te acompanhem."
Foto: Henrique König |