27 de junho de 2022

Santa Catarina - Fotos 2022 #2

 



 




 













Amor Nosso

Te amo como posso

Te amo do meu modo tosco

Te amo nos mais altos picos

Te amo no mais fundo poço


Te amo

Como amas meu pescoço

Suspiro meu amor vampiro

Te amo mais do que posso

Te amo de fala aos ouvidos

Te amo até o fim dos ossos


Te amo

Amor com o qual me viro

Amor que sai de meu rosto

Te amo e amo teu gosto

Te amo, é disso que eu gosto


Te amo

Registros que serão as fotos

Infinitos ou finitos mortos

Te amo esse amor que é nosso


25 de junho de 2022

Estrada da Vida - Federico Fellini

Comecei bem essa reflexão, porque vinha errando o nome do dito filme. Mencionava e pesquisava Estrada para Vida, quando trata-se na verdade do filme Estrada da Vida, do diretor italiano Federico Fellini. É um filme de 1954.

Entre os tópicos que destaco, porque esse filme já foi asssitido e avaliado centenas e dezenas de vezes, trago uma proposta que Fellini bem abordava em seus filmes, característica talvez do cinema italiano em geral. O circo. As passeatas. As romarias. O autor procura dimensões e desenlaces muito humanos. Peregrinações. Procissões. Em Estrada da Vida isto é bem evidente. O filme é todo itinerante. Os personagens percorrem trajetos enormes. A moça principal, Gelsomina, sendo vendida ao artista de circo, Zampano, logo nas cenas iniciais. Seu destino assemelhando-se a uma parente mais velha que desapareceu sem direito da família enterrá-la. Esse ponto do filme fica bastante obscuro, sem o roteiro lançar luz do que ocorreu exatamente com Rosa, a personagem da qual só ouvimos o nome, evocado por sua irmã mais nova, ou seja qual for o grau de parentesco da atriz principal.

Em crítica que li sobre o filme, o destaque realmente está nos atores, que conduzem muito bem a obra, itinerantes e expressivos como sugere a trama. Artistas de circo, eles percorrem de tudo, ciganos em busca de renda. Nômades. Gelsomina cambiando de ideias e vivências como se muda de roupa ou de marcha em um veículo automotor. É bem verdade que o filme salta alguns períodos de tempo, mas a impressão que temos é de velocidade no percurso da obra. Zampano, sim, torna-se de glorioso e forte para repetitivo e enfadonho, limitado ao número de utilizar da força para romper as correntes. Gelsomina cansa-se, almeja rumos maiores, interagir, conhecer novas gentes e histórias, aprender instrumentos musicais como aprendeu o tambor e o trompete.

O relacionamento entre os dois é complexo, abusivo, ele é imponente, a maltrata, a isola, a subjulga . Na temática de Fellini, a problemática da sociedade da época (será só da época) de homens inseguros procurando controlar situações, controlar mulheres para que não saiam do campo magnético de seus respectivos egos. Zampano demonstra tanta força muscular para partir correntes, mas fracassa nas relações humanas, em seu matrimônio comprado a liras. O equilibrista surge como grata surpresa entre os personagens, aprofundando a filosofia presente na obra. É interessante quando trata da morte e se resigna, entendendo que, pela periculosidade de seu número circense, não duraria muito tempo. Embora pense dessa maneira, seu destino na trama seria distinto desse desfecho.

O equilibrista equilibra assuntos, não perde o bom humor mesmo quando fala sério. Talvez a melhor piada seja quando compara Gelsomina com uma alcachofra. Ele então também era um humorista, a rir e a consumir erva. Mantinha o bom humor apesar de não se tornar um enfadonho otimista ou positivista desenfreado. É de fato um caminhante sobre as cordas bambas - da vida.

O equilibrista ajuda Gelsomina em esclarecer suas confusões na mente. Para onde ela iria? Com quem ficaria? Qual seria o seu papel, para além do circo, dos afazeres? Que fim levou sua irmã? - que o roteiro não nos responde. Gelsomina vivia intensamente e intensamente mostrava-se confusa, às vezes solitária, incompreendida, isolada, desamparada. O equilibrista é importante nessa conversa que ela tão pouco tinha oportunidade, pois era brutalmente tratada por Zampano. 

Uma passagem interessante é quando ele define Zampano como um bruto cachorro. Apenas sabe ladrar, latir, vociferar, mas tem nenhuma experiência com o diabo do diálogo. O que dificultava demais o relacionamento entre os personagens principais.

No mesmo dia, minha namorada perguntou sobre uma canção que estava em um filme e ela não lembrava a qual filme pertencia. No filme de Fellini, Zampano identifica a canção de sua amada anos depois, por outra mulher a cantarolando. O que marca uma canção? Como pode ser relembrada dias, meses ou anos depois? Eu havia feito esses questionamentos no dia de ontem, e hoje me deparo analisando os personagens que a identificação da música é uma das raras vezes em que Zampano repara em sua esposa, lhe presta contas. Mas, como visto, era tarde demais. Zampano convive com o remorso, a culpa, o abandono, a falta de esclarecimentos no que devia respeito à Gelsomina.

Amargurado, o circense decai longe de seu auge físico, amargurado pela imoralidade, desafeto em álcool, desamparado callejero errante. Seu destino se demonstraria tão trágico quanto os recorrentes erros em suas decisões. Na estrada da vida, o destino trágico escapa a nenhum deles. Me torna refém das palavras do norte-americano Ernest Hemingway. O mundo mata a todos. Com especial pressa dedicada aos muito bons, aos muito meigos e aos muito bravos. Destino inegável. Se não te identificares com os muito bons, os muito meigos ou os muito corajosos, não tem problema, pois o mundo te matará igual. Só talvez não tenha toda essa pressa... É a inevitável estrada da vida, de Fellini às nossas autopistas em 2022.




O equilibrista enxergava Gelsomina como Zampano não a via.

Durante as reflexões, até confundi o nome da personagem principal Gelsomina com Macabea, heroína, entre muitas aspas, da história publicada pela ucrano-brasileira Clarice Lispector.


Reflexões em um final de Junho cinza

25 de Junho, um tremendo dia cinza. Resolvi para sair um pouco do apartamento caminhar com minha mãe pela praia. Fazemos o mesmo trajeto, agora que o inverno nos impede um caminho mais confortável pela areia. Há muito vento e as partículas atacam-nos. O dia de hoje reúne o tempo cinzento e muita ventania. Perde-se nas belezas naturais menos envernizadas pelo sol e ganha-se na solidão da praia, propícia a caminhadas reflexivas e menores distrações. Ou também é possível distrair-se por mais tempo com elementos banais.

Ando sempre procurando os contrastes das paisagens e sociedades. Ou esses elementos encontram-me mesmo quando estou distraído, não estando à procura deles. De qualquer forma, a primeira cena que me chama atenção é quando dobramos da avenida principal à beira-mar em direção à passarela de madeira que circunda as dunas. Uma viatura da polícia estadual contorna a avenida de acesso à praia rumo a que corre à beira-mar. Penso em nossos trajes encapuzados e minhas mãos soterradas aos bolsos, me avaliando em razoável atitude suspeita. A polícia segue seu trajeto, almoçados ou não, naquele começo de tarde. Adiante, na vazia passarela, os primeiros que encontramos estão justamente atuando como a polícia desgosta: fumando baseado. São dois rapazes. A erva mais me atraia do que repulsa, mas minha mãe sei avaliar de forma contrária. Entretanto, é isso que me chamou atenção. Nem um minuto atrás vislumbrávamos a viatura policial. No minuto seguinte, estão ali os meninos a emaconhar-se tranquilamente. Como atuam as forças repressivas policiais em casos como esse? Fingiriam que não veem ou atuariam sobre os meninos, de forma mais truculenta/violenta? Fico sem a resposta, mas é uma pergunta que causa curiosidade sobre as diferentes esferas que temos da população.

Contra os pobres, muito. Contra os ricos, nada. Embora aqueles jovens não transparecem-se pertencer nem a um extremo nem a outro. Seriam a chamada classe média? Eles ficam para trás e esse julgamento por ora me some, retornando somente para as páginas desse texto. Seguindo pela passarela, me deparo com dejetos que logo voltarão à reflexão dessas linhas. Prefiro por ora terminar o trajeto da passarela e seguir pela calçadinha ora de concreto, ora de madeira, que nos leva a outros limites oceânicos. O restaurante à beira mar que costuma nos exalar com cheiro de fritura dessa vez está mais vazio. A praia como um todo se encontra assim. Nem os típicos surfistas deram as caras tão cedo. Talvez cheguem no decorrer da tarde, pois trata-se de um preguiçoso sábado. Ou talvez, como eu observo, o mar não esteja tão propício aos nados e manobras hoje. Está bem mais calmo apesar dos impulsos do vento.

Uma mulher em roupa fluorescente rosa corre em busca dos limites desafiados pelo seu corpo. Um galho à beira da água dessa vez me confunde com uma bicicleta. Minha mãe outra vez disse que ele se assemelhava a um daqueles dragões ou lagartos grandes das distantes ilhas asiáticas. Pode ser, pode ser. Na verdade não concordei em cheio com ela nessa ocasião. Mas ter enxergado uma bicicleta tombada onde ali repousava um desses galhos/troncos preocupou-me quanto à minha capacidade visual.

Enxergo o rosto de minha menina por essas caminhadas. Acho que pode ser a coisa mais natural do mundo. Lembranças e flashbacks que nos misturam à mente enquanto pensamos justamente nessas, mas também em outras coisas da vida, do cotidiano. Ora presto mais atenção em algo que minha mãe tenha a dizer, ora me disperso. Recordo que na adolescência, quando talvez achasse possuir mais amigos, tinha certa ridícula vergonha de caminhar com meus pais, sair com eles. Uma tremenda bobagem que hoje só se demonstra como perda de tempo em que ainda posso contar com eles, visto que são idosos, estão se aproximando mais dos 70 do que dos 60 anos que possuíam. Hoje, pelo contrário da adolescência, eu bem adulto não vejo problema em caminhar com meus anciãos, fico feliz que ainda posso desempenhar essa função. Acompanho seus passos, procuro até reduzir minhas passadas para que não se esforcem demasiadamente para acompanharem-me.

Interessante a trasferência de opiniões e justificativas dos seres humanos. Eu que possuía a tola vergonha de acompanhá-los agora até me orgulho. Sentimentos vãos e bobos que ficaram para trás. Quanto às minhas amizades, se antes eu desconfiava, hoje tenho certeza que poucos ficam e esses que ficam me competem maior importância do que competiam. Percebo que na adolescência possuía eu maior dificuldade em lidar com os dividendos das amizades, em compartilhá-los com mais pessoas. Outra tolice fútil, mas incorporada inevitavelmente à nossa rotina e às nossas escolhas. Hoje percebo que os amigos remanescentes também estão mais solitários. As amizades cultivadas de mais tempo elevam-se como plantas que crescem demasiadamente, chegam a um topo um pouco mais solitário que a disputa intensa do solo pelas gramíneas e árvores rasteiras, populares arbustos. De qualquer forma, hoje os divido menos. Da parte deles, espero que não pensem que os divido com muito mais pessoas. Sou um lobo solitário, apenas agraciado numa tarde de inverno em poder caminhar na companhia da sexagenária senhora minha mãe.

Agradecendo à comunidade composta pelos escassos amigos e minha família, prossigo já no caminho de volta, agora contra o vento que colide fortemente em meu rosto. Ando cabisbaixo, dessa vez mais em manobra defensiva contra a ventania do que por estado de ânimo. Embora essa justificativa seja muito sensata também. Ao voltarmos pela passarela, cuido desde passos anteriores para não pisar nos excrementos que havia notado na ida. Pelo caminho humano, me parece que alguma pessoa os fez. Noto isso muito em calçadas, em ambientes públicos em minha cidade natal. Me faz pensar nos desalojados, nos sem-teto, ou talvez em pessoas inconsequentes em madrugada que a troco de nada precisariam se expor (e principalmente nos expor) dessa maneira. Contornada essa merda toda, não volto para avenida da beira-mar sem antes notar que o lixo também se acumula nas fendas laterais dessa passarela. Ao mirarmos para baixo, como eu andava cabisbaixo contra o vento, é fácil notar o acúmulo de sacolas, bandejas de isopor e outros descartes ilegais em meio às dunas cobertas por vegetação. Não fosse o mato alto e seria mais visível a nulidade a que se submete o ser humano. Não é exclusividade pelotense, de fato.

Entre reflexões mais ou menos aprofundadas, também obviamente noto que os rapazes pelo visto consumiraram todos os seus porros e já não se encontram encostados às muretas do mirante ao lado da passarela. A polícia também seguiu adiante, queimando combustível. Nosso caro combustível em 2022. Caro como nunca antes. Os policiais foram almoçar, ou já estavam almoçados. Fica também a inútil e infrutífera dúvida. Os jovens estavam abrindo o apetite, mesmo que já tenham almoçado.

Antes de dobrarmos em direção à nossa rua, saindo da avenida da beira-mar, minha mãe dispara uma frase certeira. "Essa cidade é a minha cara, não gosto do barulho, do tumulto." Perdão para minha mãe, porque não foram essas exatamente suas palavras, mas por ora servem para divulgar seu pensamento antes absorto. Em comunhão agora com minhas ideias, relaciono a certidão e retidão de seu disparo. Realmente a cidade é um achado. A cidade de brinquedo, como costumo brincar. Com as ruas que não costumam ultrapassar o limite de duas ou três quadras. As poucas avenidas, mesmo elas, de trânsito lento e pacato. As casas espaçadas na maior parte da cidade. As conveniências básicas atendidas em questão de padarias, supermercado, farmácias e lojas uma de cada coisa, algumas repetidas, obviamente. Conveniências de móveis, eletrônicos, materiais de construção e o que mais for preciso em nosso presente século.

A cidade é sim um aspecto favorável à minha mãe, parece ela se encaixar muito bem nela para seus últimos anos, já passados alguns de sua aposentadoria. Minha vó viveu a vida inteira em Pelotas e também por aqui terá seu desfecho quando ultrapassar ou não a casa dos 90 anos. E ela parece resignada e até arriscaria um tanto contente por explorar novas identidades e aspectos visuais, mesmo em sua idade avançada. Pelo caso de minha avó, penso até o contrário, que deveríamos tê-la trazida a novos horizontes tantos anos antes. Mas antes agora do que nunca. Ela terá estruturalmente, em termos de cidade pacata, segura, relativamente limpa (apesar de meus relatos anteriores) um desfecho digno. Saúde a reserve - embora dessa tenhamos nenhuma garantia do dia de amanhã.

Sobre minha mãe também agradeço pelo encontro casual - nã, na verdade estudado - com essa cidade, pois a outra investigação litorânea que a levaria à Palhoça parece que não nos agradou. Peço excusas aos palhocenses que poderão ler essas linhas. Mas o aglomerado rápido e selvagemente urbano que circunda Palhoça nos desiludiu à essa localidade. Parece melhor para jovens aventureiros na necessidade, primeiro de emprego, depois de aventura. Os contornos de Florianópolis são agitados. Aqui, mais de hora distante da ilha da magia, não tanto. Reina, no Junho desse inverno, a pacacidade nesse novo território que ainda estamos, após alguns meses, em fase de exploração. Conhecendo cada vez mais e às vezes nos resignando pelo convívio ocular não nos reservar novas surpresas. Mas os trejeitos e trajetos urbanos são assim mesmo. O crescimento de nossa nova cidadezinha litorânea é inevitável. Erguerão casas e prédios que nos sufocarão aos poucos.

Calculo junto à minha mãe quanto tempo durará. Colocamos década como previsão para mudanças mais drásticas, de novos moradores, construções agitadas em andamento. Ela concorda. Quando lá estivermos - se estivermos - ela já estará mais para os 80 que para os 70 que hoje se aproximam. Todos fazem aniversário, mesmo quando não estamos mais aqui. Isso, assim como o crescimento urbano e populacional, é inevitável.

Como último ponto daqui breve - nem tão breve - reflexão, penso eleitoralmente na eleição que se aproxima. Faltam exatos 100 dias na medida em que escrevo essas linhas. Muito se comenta do fascismo catarinense. Mas pouco se fala, aos defensores do Rio Grande do Sul, por exemplo, da quantidade de gaúchos com esses pensamentos encucados e enraizados que migram do RS para SC. Assim representam dois fenômenos. Primeiro que esvaziam o RS dessas práticas, o que é muito bom para o RS, parabéns ao RS. Segundo que aglomeram por essas abençoadas naturais terras com essas práticas anti-pobres. Uma pena para o estado que ora eu habito. Esvazia-se um lado, preenche-se o outro. Encontram comunitariamente pessoas de pensamentos aproximados com seus costumes e ideais um tanto questionáveis pela minha pessoa.

Quanto à minha família, para nossa cidadezinha, como enxugar gelo, garantimos mais pelo menos cinco votos contrários à essa máquina destruidora do país nos últimos quatro (ou seis?) anos. Ainda não revelo aqui a certeza de meu voto daqui aos estimados 100 dias, mas é possível que eu revele por este mesmo canal, em algum momento. Neste momento em que escrevo, meus amigos, ainda faltam reflexões a serem analisadas e feitas. Até um futuro breve na contagem regressiva dos 100 dias. Câmbio e desligo.

24 de junho de 2022

Ao som de Rui tem o Giz

Ao som da trilha sonora de abertura do desenho Rui tem o Giz.


Neném te quis

Quis kiss kiss

Nem te quis

Neném te quis

Quis kiss kiss 

Nem te quis 

Neném te quis

Quis kiss kiss

Nem te quis

Saudoso desenho "Rui tem o Giz"




22 de junho de 2022

Piedade


Talvez eu tenha tanta piedade porque minha vida é merda o suficiente.

Abril - de meus sonhos juvenil

Abril passou

Passou senil se não me lembro

Abriu um montão de presentes

Que já são passado 

Papelão reciclado 

Jornais forrados 

Abril que acabou 

Feito água de cantil

Abril que fechou com silêncio 

Fica a agulha, vai-se o vinil

Vai de novo espetar o rodopio

Gira o disco e é isto 

É abril que se fechou

Acabou, não insistiu 

Nem brinca com isso, amor juvenil

Que sem ti fico deitado sem cio 

Em contrapartida ao nosso estado

Algemado ao teu corpo, pernas e quadril

Ao roçar os vidros em rocío

Desviou os rumos de abril

Que eram planejados só uns versos bem vadios

Bem tardios meses depois

De um abril que já se pôs 

Que fez pose e despediu

Alertando maio que dele vem frio

Vai que vai, que vai abril

Folha de calendário fora do páreo 

O mês quatro que se foi

O mês claro que se foi

Como há de ser, foi tantas vezes

Até o dois mil e vinte e dois

Mais de dois mil abril

Até o abrir de nós dois



Pérolas e Ostras

A chuva bate em minha janela
Como aqui poucas vezes ouvi 
Muitas ouvi em outras janelas
Muitas vezes, mas não aqui
Estou em Santa Catarina
Sinto falta dela, minha menina
Quando a tenho nos braços
Minha senhora quando ela me tem
No conforto no abrigo no ato retem-me
Refém que sou dela e ela me tem
Nossas peles sob e sobre colchas
Sob e sobrecoxas 
Sub e sobre, sobre nós 
Ela pérola eu ostra 
Ela ostra e eu dela

21 de junho de 2022

Plagiadores

Cada vez que se rouba uma ideia, nos âmbitos muitas vezes invisíveis (e mudos, inescutáveis) de nossa sociedade, o ladrão sempre será um impostor, um baixo, um vil, um incapaz, um insucesso. O verdadeiro autor sempre será o original, o portentoso, o realizador, mesmo que desprestigiado e irreconhecido.

O plagiador sempre será um falsário desnudo, embora o exercício da consciência não seja prática constante de nossos concidadãos.

O crime de plágio é dos mais rudes, dos mais impueris. Há muitos crimes em que desconhecemos o autor. Nesse caso, há uma realização, mas há um falso autor. Imperdoável.

Primo e prezo sempre pela originalidade. Saúdo e brindo e convoco a todos os originários a este tilintar de taças. Aos falsários e plagiadores, que o inferno mental que lhes preparo os esperem.



Moinhos Momentos

Caminho por esse momento

Às vezes com

Às vezes sem acostamento


Caminho mesmo a passo lento

Às vezes com

Às vezes sem direcionamento


Caminho ao passo contra o vento

Às vezes sinto

Às vezes só movimento


Caminho fora do ninho

Passo por outros ninhos

Outros duzentos

Às vezes reparo

Mas sei que nada acrescento


Caminho uma estrada atada

Atada a um início 

E a um finamento 

Passam por mim caminhões

Que levam grãos, arroz, feijões

Talvez alguns turbilhões 

De acontecimentos


Caminho por obséquio sozinho

Cético diluído 

Ao fluído do tempo 

A um instantezinho 

Na estante fotografia 

Um rato, um moinho

Fabricante de momentos

19 de junho de 2022

O que está por vir?

Em um filme francês chamado "O que está por vir" algumas reflexões me chamaram atenção. A filosofia que a professora (interpretada por Isabelle Huppert), personagem principal da película traz: sobre a expectativa da felicidade, o almejo ser maior do que a própria felicidade quando esta chega. Eu já havia pensado a respeito desse assunto, mas esse filme trouxe novamente à tona.

Na vida da personagem principal, as expectativas são frustradas constantemente. O casamento de 25 anos a ruir, os filhos não serem exatamente como ela imaginava, como o menino brinca em uma passagem que o aluno dela era o ideal intelectual e físico que ela almejaria no próprio filho. Mas, como dito, o filho não atingiu esse ideal, seja este existente ou somente deboche do descendente. A mãe dela, má de saúde, delira e flerta com o suicídio. Acredito que os adultos não imaginem que cuidarão de seus pais após anos sendo cuidados por eles.

A gata da mãe da professora é somente um gato comum, chamada Pandora (esta de pronto me recordei do nome). Pandora é aquela mescla entre dependência e independência dos gatos. Percebo agora que ela sempre está contrariando os planos da professora. Quando é levada ao mato, desaparece e preocupa a personagem principal, mas pelo dia seguinte reaparece e com a caça feita de um camundongo, revivendo seus instintos e surpreendendo a surpreendida.

Quando a professora vai conviver com os intelectuais alemães mais jovens, juntamente com seu estudante favorito, em uma casa afastada de Paris, para os campos, ela possuía uma expectativa, mas que novamente é quebrada. O filme inteiro circula por situações cotidianas assim. Ela se vê na encruzilhada da idade, passados os 40 para os 50 anos, sem mais o casamento que lhe parecia estável, com os filhos em idade de adolescentes a adultos, a mãe dela idosa, somente por desfazer o nó que a separa da promessa do céu.

A expectativa, a ânsia pela felicidade, a busca por um ideal, assim são transformados seguidamente. Provavelmente não é o que a maioria das pessoas em vivências classe média esperam naquele degrau de idade. Flertam com a estabilidade, com o conforto de lares, com refeições seguras. Esse tipo de coisa. Quando ela se aventura em desventuras mais alternativas, em moradia comunitária, sente-se só e distante dos companheiros e da própria vida. Vida que era seguramente sua, palpável se possível, em questão de poucos dias atrás.

Cometo o terrível equívoco de esquecer de mencionar que a personagem é professora justamente de filosofia. Então o filme aborda muitas vezes as incongruências entre o pensar e o fazer. Entre a teoria e a prática. Esse tipo de desavença, muitas vezes hipócrita, cerceava inclusive a vida dos próprios autores. Ou seja, nem eles viviam a pleno o que escreviam. Sendo assim, como os desalinhos não vão aparecer na vida de pessoas surgidas décadas depois?

A transformação do mercado de trabalho. A professora-escritora que parecia segura no modo empregatício, criticada pelos jovens marxistas pelo seu estilo burguês, de repente começa a ser rejeitada pela sua editora. O motivo: seus livros já não são mais tão vendáveis. Não interessam como antigamente. Reedições estão fora de cogitação. Novos lançamentos precisam ser de fácil degustação para leitores fastiados e pouco aprofundados. Tapa de luva em nossa personagem.

E o que está por vir? Nada disso do que passou. Talvez o embalo de um neto em seus braços em noite natalina seja o suficiente. Talvez. A vida se adapta e termino o texto me sentindo uma espécie de Martha Medeiros conversando com outras professoras de filosofia divorciadas na faixa dos 50 anos. Mas não é o específico ou exclusivo público-alvo. Absorvo muito a me deparar com vivências como essa. E me adapto, como devemos nos adaptar, ao que me cabe de aprendizado e experiência.




15 de junho de 2022

Sobre a idade idosa

Uma breve reflexão sobre os últimos anos de vida. Lembro perfeitamente quando, há quase uma década, me dedicava a fazer postagens sobre minha avó escalar a idade dos 82, 83, 84 anos em diante. Pois agora ela já está próxima dos 90. Está para subir ao degrau de 89 anos.

E essa expectativa que na infância é vista de forma tão vistosa e passageira, talvez com os pais lamentando o crescimento tão rápido e irreversível, nos últimos degraus da vida são dança em marcha lenta. É ponto morto em ladeira pouco íngreme. É travessia em calmaria, mar ou lagoa de poucas ondas, mãe ou avó de muitas rugas e ainda alguns sorrisos.

É como o andar de bicicleta, que na juventude é lisonjeiro e veloz, mas nas últimas idades é como voltar a colocar as rodinhas que auxiliam na bicicleta. Nada se assemelha mais aos anos infantis teimosos que os idosos e suas novas teimosias, 'que eu ainda consigo, que eu posso', e às vezes não pode mais. No caminhar trôpego, no passo devagar, a expectativa do inevitável. Quando se é jovem, muito se pode evitar no agir. Na última idade, a chamada única certeza da vida se aproxima. De carnê em carnê, de porta em porta. Ela geralmente bate algumas portas ainda antes do ser de esperada idade partir. É a vida.