30 de março de 2018

sextas santas - santa paciência!

Estamos no feriado de sexta-feira. Sexta-feira considerada santa. Não sei exatamente por quem. Dos celebrantes desse descanso, ao meu ciclo familiar e de amizades próximas, ninguém que esteja realmente devoto ou indo à igreja. Se importando se Cristo morreu simbolicamente nessa data. Digo, morreu de verdade. Mas a data simbolicamente. Sexta santa que antecede à Páscoa.

Na Páscoa, sim. A fartura. A volta do churrasco gordo após os frutos do mar nos dias passados. Os chocolates comerciais de preços exorbitantes apenas porque o formato é diferente e porque o coelho escondeu. Sabemos que o escondido, o perigoso e o proibido saem mais caros. Adrenalina. Tá, não vou perder o foco do texto. Não muito. Não muitas vezes. Vou tentar.

O senhor que trabalha comigo manda pornografia sem perguntar antes, durante meses e meses e, por mais sorte do que juízo, não mandou ainda coisa muito pesada para o grupo com os demais funcionários (e funcionária). É o mesmo sujeito que envia mensagens bonitas de Páscoa, com desenhos animados e gifs. A sociedade tem essas aberrações e bizarrices.

Mulheres que apoiam candidatos machistas. Mulheres que entram em relacionamentos abusivos e opressores, enquanto outras tantas pelo país tentam sair. E algumas saem apenas gravemente lesionadas, física ou psicologicamente, ou saem apenas quando o pulso não emite mais respostas. São agressões e mortes. São dados alarmantes. Há quem não enxergue ou não se importa de enxergar. Ignorantes.

Pessoas que praticam pecados o ano inteiro, mas não comem carne na sexta-feira considerada santa. Conhece várias assim, certo? É o exemplo comum e batido. Até me pergunto o quão estranho nesse país católico, machista, homofóbico, racista e patriarcal, o quão estranho é comer um hambúrguer no estimado dia. Será que as pessoas próximas ainda ficam boquiabertas por segundos sem se dar conta ou tentando intimidar? Será que balançam a cabeça horizontalmente em negação ao ato? Será que tapam os olhos das crianças, de seus filhos? Numa tentativa de mensagem de "Não veja isso, minha filha, o homem mau". "Olhe para o outro lado, meu filho, conversamos em casa".

Será que antes de dormir rezariam por mim? Será que ainda rezam? Porque os demais ensinamentos de Jesus não cumprem durante o ano. Será que cumprem esses outros? Com o que realmente se importam? Em contrariar os abortos que, não sendo feitos, dão origem a filhos de mães despreparadas, de pais estupradores, de famílias paupérrimas ou de baixíssima renda? Se importam em proibir ervas e manter legalizado o álcool que torna aquele homem de parágrafos acima mais violento, que torna o trânsito duas, três, quatro vezes mais perigoso?

Ontem à noite assassinaram um jovem - jovem mesmo - em um ponto onde costumo passar. Por localização e por horário. E o pior, muitas vezes exponho meu pai ou o pai de algum amigo a passar por ali. Na ida ou na volta da noite. Assassinaram a tiros. Em horário em que mais gente está por lá. Perto da meia-noite. Rua central. Perto, quase ao lado de universidade e de escola particular.

Mesmo acontecendo em horário inverso às aulas - mais inverso da escola do que da universidade, sim - penso no ponto que o sangue jorra nas calçadas, as mesmas calçadas que arrastam rodinhas de mochilas infantis. As calçadas em que pais e mães dão as mãos para levar seus filhos ao educandário. Nada fácil. A sociedade tem essas bizarrices.

Será que os não comedores de carne exclusivamente na sexta-feira gostaram da morte de mais um rapaz de 18 anos na cidade? Da média de um homicídio para menos de três dias? Comemoram a morte de supostos bandidos, de jovens pobres ou com alguma passagem pela polícia? Será que lamentam terem nascido em condições precárias, ter contato com a droga, com o tráfico, com as gangues desde cedo? Comemoram eles não terem suporte familiar, educação de qualidade ou opção de emprego? Comemoram o preconceito que sofrem, quando sabe-se que é mais difícil desses patrões confiarem neles do que em outro jovens de famílias mais abastadas?

Creio que só rezar, só parar de comer carne na sexta e só atacar caravana de um partido ou de um político não adianta...

28 de março de 2018

ser socialista

Pra mim, as piores questões, as piores contradições da vida são o ter e o não ter O ter e o não ter família O ter e o não ter acesso O ter e o não ter saneamento básico O ter e o não ter o mínimo de dinheiro O ter e o não ter onde dormir, onde morar Por isso eu sou socialista

Eu não defendo bandido
Eu não quero que todos ganhem o mesmo, a mesma quantia, a mesma fatia

Eu só quero
Eu só queria
Que cada um tivesse o mínimo
O mínimo de oportunidade
O mínimo de acesso
O mínimo de respeito recebido
O mínimo de dignidade

Por que é tão difícil entenderem isso?

porões da história

os porões da história guardam
as vozes de quem ecoa
os gritos do passado bradam
lembranças nem sempre boas

saudosismos de uma época
seria épica ou é pouca?
se antes tão mais bélica
seria bela ou seria rouca?

a voz da liberdade
trancada aos porões
abafada pelos sons
das explosões na cidade
abafada pelo sono
dessa tal neutralidade

o sonho

o sonho tão fácil nasce
tão fácil cresce
às vezes floresce
um sonho que nunca passe
que nessa classe
sempre repete

um sonho novo em folha
um sonho-escolha
um sonho-escola
escolha que irriga
que molha o futuro
um sonho que intriga
e não entrega
a própria terra
sonho que cresce
como uma erva

um sonho que desce
saindo da mente
no solo semente
somente o consolo
de plantar
de cuidar
o sonho
que cresce
floresce a sonhar

a utopia

parecia
parecia
era longe
era neblina
era um monte
de imagina
parecia
parecia

pertencia
pertencia
à utopia
horizonte
utopia
sempre longe
utopia
sempre noite
nunca dia
dia a dia
dia adia
a utopia

porão

quantos puseram
quantos porão no porão
quantos porões
quantos perdões
nunca vem
quantos perdões
nunca vão
quantos perdões
são em vão?

quantos puseram
quantos porão no porão
quantos opuseram
quantos oporão?
quantos poréns?
quantos porão?

26 de março de 2018

Chega de adiar

Se te oferecerem uma solução fácil ou salvador para o país - desconfie.
O Brasil precisa de grandes projetos. E projetos a longo prazo. A bandeira que jamais cessarei em bater na tecla é a educação. A saída para as crises no planejamento desta para a(s) década(s) seguinte(s).

Aprender sobre o legado de Leonel Brizola é esclarecedor. É entender como ainda é tão venerado, aplaudido e citado por lideranças de suas sementes plantadas. É lamentar os rumos errôneos que seu partido tomou por diversas vezes. Os desvios de condutas e a sigla utilizada como balcão de negócios, como troca de favores para as exigências que não são a da população.

Brizola defendeu a educação e levou-a onde foi possível levar. Fez um trabalho magnífico no Rio Grande do Sul para encaminhar escolas às mais diversas comunidades rurais. Conscientizar o agricultor, o sem-terra e melhorar a qualidade de vida e a perspectiva de seus filhos e filhas. Uma marca registrada de sua passagem no governo do RS.

Em outro estado, no Rio de Janeiro, onde foi duas vezes eleito governador, Brizola trabalhou com os recursos para a construção de centenas de CIEPs - Centros Integrados de Educação Pública - que demarcaram a mudança na vida de muitos jovens. Oportunizou a alimentação digna, a orientação escolar básica, a preparação inicial para a vida e o mercado de trabalho. O caminho que se espera para recolocar um povo nos trilhos mais vindouros. A educação foi a saída para a Alemanha após as guerras, assim como o Japão e para desenvolver a China e para fazer dos vizinhos do Mercosul, Uruguai, Argentina e Chile, países mais bem organizados e com a população mais consciente de seus papeis. O IDH nesse quadro do Mercosul é uma prova a se oferecer.

Ver o Rio Grande do Sul, berço de políticas públicas elogiáveis em outrora, povo que lutou por virtudes e por sua terra, cair nos discursos de entreguistas da atualidade é triste. A educação do Rio Grande vai ladeira abaixo. O estado perde qualidade de vida, se encontra sem alternativas nos âmbitos educacionais e trabalhistas. Trabalhistas e educacionais. Uma das últimas é a venda por parte do governo golpista federal, que está tirando o polo naval da cidade de Rio Grande para mandar os negócios para China. O desemprego no estado assusta. E mais ainda assusta a não possibilidade de saída, pois a educação está sucateada.

O Rio Grande do Sul de Leonel Brizola, de Júlio de Castilhos, de Oswaldo Aranha, de Getúlio Vargas, de João Goulart, de Alceu Collares, de Olívio Dutra, de grande parte da vida de Dilma Rousseff, de brilhantes escritores brasileiros como Érico Veríssimo, Mário Quintana, Caio Fernando Abreu. O Rio Grande do Sul não pode aceitar a situação que lhe é imposta. Um governo do estado que aumenta impostos, que não tem saídas para as crises. E mais do que isso, que tem prazer em implementar essas chamadas crises para entregar os serviços públicos para as mãos do capital estrangeiro. Quer entregar as conquistas da companhia telefônica, da companhia elétrica, do tratamento da água. Não tem planejamento financeiro e segue a sucatear a educação, o berço de tantos nomes que moviam o estado como referência nas mais diversas lutas.

A garantia dos direitos da população está em jogo. Não se pode fugir da luta. É preciso conscientizar as pessoas próximas. É preciso reservar um tempo para conversar sobre. Conversar na internet, mas principalmente nas pequenas reuniões, nas praças, nos locais de trabalho, nas reuniões familiares. Mobilizar a juventude e passar adiante essa corrente. Os legados e as conquistas, as bandeiras de Leonel Brizola estão novamente ameaçadas. O estudante, a estudante, o trabalhador e a trabalhadora brasileiros são o coração, são fio condutor nesse país. Sem o espaço e as devidas atenções a eles, o futuro estará sempre nas mãos erradas do descomprometimento.

19 de março de 2018

Balneário Camboriú - Janeiro

Balneário Camboriú (Foto: Henrique König)

Balneário Camboriú (Foto: Henrique König)

Balneário Camboriú (Foto: Henrique König)

Balneário Camboriú (Foto: Henrique König)

Balneário Camboriú (Foto: Henrique König)

Balneário Camboriú (Foto: Henrique König)

Balneário Camboriú (Foto: Henrique König)

Balneário Camboriú (Foto: Henrique König)

Balneário Camboriú (Foto: Henrique König)

Balneário Camboriú (Foto: Henrique König)

Balneário Camboriú (Foto: Henrique König)

Balneário Camboriú (Foto: Henrique König)

Balneário Camboriú (Foto: Henrique König)

Balneário Camboriú (Foto: Henrique König)

Balneário Camboriú (Foto: Henrique König)

mundando

o mundo
todo muda
tudo mudo
segundo
os segundos

dor muscular

essa dor muscular
não vai passar
- como sabe que não?
o muscular é o coração

indo

o que evita muitos suicídios
apesar do ódio ao presente
é a esperança para o futuro
mas segue odiando o instante
com os degraus sendo engolidos
como uma escada rolante

17 de março de 2018

no papel

no papel me supero
super eu
meu limite é o céu
que se estendeu
um escarcéu
dou voltas
um carrossel
super ando
no papel

versões

minha melhor versão
em um versinho
aprecio sua mão
não há preço
só o apreço carinho

16 de março de 2018

Loja de Apartheids

Texto de: Marcelo Nascente

nunca fui um comprador, não tenho paciência pra loja.
minhas roupas e calçados geralmente são provenientes de repasses ou, quando to fazendo parte de um casal, a pessoa escolhe e compra. acho ótimo.
hoje aconteceu de precisar entrar em uma grande loja de departamentos, no centro da cidade, pra pesquisar preços de um tênis.
enquanto atravessava a loja, com meu destino definido, fui abordado por oito vendedores, com o tradicional (e invasivo) "precisa de ajuda, senhor". 
- não, obrigado.
ao chegar ao setor dos calçados, um vendedor chegou junto, tipo zagueiro de campeonato de várzea, o que já me irritou um tanto. quando consegui driblá-lo, percebi que um segurança me observava de perto. olhei o cara nos olhos e senti que meu estereótipo físico o incomodava.
andei pelos corredores do setor, com a marcação homem a homem ali, constante. resolvi, então, tirar o fortão pra dançar.
não tinha pressa mesmo...
por quinze longos minutos circulei pelo interior da loja. primeiros nos corredores adjacentes, e o cara ali. até que em determinado momento cruzei pro outro lado da loja e ele mandou um código, pelo radinho, pra outro colega, que passou a me acompanhar.
foi divertido.
fui embora. não comprei nada.
só queria contar a história e relembrar que pelotas é conhecida por ser uma cidade comercial, que vive principalmente deste setor.
que coisa, não?
em tempo: este post é um white people problem. sou branco, olhos azuis.
imagina como se sentem as pessoas que são, de fato, perseguidas por serem pobres, negras e que sofrem isso a cada minuto do seu dia;
que merda de sociedade...

Jaz

Cada letra é importante
Ressuscitadora
Por uma letra a mais
A morte de outrora
Vira música
O Jaz
Jazz

15 de março de 2018

Que te interessa?

Brasil
Invadido por estrangeiros
Saqueado, melhor dizendo
Brasil
Inválido escrevendo
Silenciado, melhor dizendo
Brasil
Invasivo com o alheio
Que te interessa
Essa ser puta, esse ser gay
Essa ser bi, esse também
Que te interessa?
Essa ser trans
Pro teu hoje e amanhã?

não eu de quê

O vinho da uva
A luva do goleiro
O arroz da chuva
O trem passageiro

O cão da rua
O dedo da mão
O poema da lua
O medo da escuridão

O desgosto de mim
O não do sim
Eu devoto
Eu-de-você
 


Coroa de espinho

Exílio é um filho sem pai
Uma mãe sem filho
Um 'ai' que ecoa
Sem auxílio

Exílio é um escuro
Sem luz
Carrasco e capuz
Um prego na cruz
Trem sem trilho
Coroa de espinho
Um Jesus que morra
Sem auxílio

Exilado

Exilado
Lado a lado
Ao leito da morte

Exilado
Lado a lado
Ao relento da morte

Fuzilado
Frente a frente
Advento ao carrasco

Ferido
Cru e
Destituído
Do menor amparo

Exilado
Do lado
Do que não existe
Assiste
Ao naufrágio
Do que nunca viste

Exílios

Exílio é o existir
Não mais pra ela
A estrela sem brilho
É o exílio
Exílio é o elixir
Do cruel maquinista
Que te tira dos trilhos

Exílio é o existir
Posto em dúvida
O eclipse do apocalipse

14 de março de 2018

Como se fosse a primeira vez

A chegada ao estádio é um dos melhores momentos. Gosto de fazer o trajeto a pé sempre que possível, sempre que o tempo, cronológico ou climático, permitir. As ruas próximas começam a se encher, sempre aos poucos, de camisas de torcedores, de pessoas também vindo a passos decididos ou estacionando e trancando seus carros nas vagas restantes. Os demais ocupantes do carro descendo ansiosos, mal podendo aguardar o motorista terminar de estacionar ou de ativar o alarme. Os cuidadores de veículos dão as caras, os chamados flanelinhas. Estão mais educados ou pelo menos mais contentes do que em qualquer outro dia. Sabem que vão ter mais serviço para vistoriar a área, mas também vão receber um bom sustento para aquela e a próxima noite, de repente.

Mais próximo ao estádio, um posto de gasolina está tomado. Tomado de gente tomando. Fico pensando que essa hora é de potencial sagrado. O desestresse, a saída da mente do dia a dia para os 90 minutos do jogo. Se o trabalhador, se o cidadão não passa por essa transformação, por essa sessão de descarrego, é possível que sua situação torne-se insuportável. Coloque-se a culpa nas jornadas, em seus subempregos ou empregos que nunca sonharam, mas cumprem, nas condições precárias do país. Ok, ok, futebol para hoje. Esses assuntos para outros textos, mas vocês sabem bem como é.

É o primeiro jogo do Pelotas em casa na divisão de acesso da temporada. A primeira vez do time diante da torcida. A identificação como imprensa foi deveras fácil, como eu não previa. A associação gaúcha tem complicado a entrada, mas nada nos tira o brilho e o ânimo. Subo até a cabine, outro ótimo ritual. Cada degrau como uma vitória, como um marco triunfante até a visão privilegiada do gramado. Aposto que todos que adentraram um estádio pela primeira vez sentem-se marcados pela visão do gramado. O gramado é que merece as maiores atenções. Ali, em cima dele, os destaques que vão ser noticiados, comentados na saída, na volta para casa, comentados para as esposas, para os maridos, para os filhos, para os netos, nos bares com os amigos, no barbeiro, na parada de ônibus, nos cafés. Ali em cima muita coisa pode acontecer. Do zero a zero em que se destacam a bola na trave ou a ótima atuação do goleiro, a uma goleada e a ótima atuação do passista ou do centroavante. Tudo isso pode acontecer.

Na cabine, o nome da rádio está bem marcado, mas não tivemos condições financeiras, ações antecipadamente decididas para transmitir. Mesmo assim, uns cremes de café, novidades estampadas em panfleto como "o primeiro creme de café do Brasil", me agradam. Encho a mochila com eles, sabendo que os demais componentes da rádio não vão dar as caras. Vários sabores, do café tido como tradicional, até morango e menta. Minha família vai gostar.

Desço os degraus da arquibancada e vou em direção à parte de baixo, para contornar o estádio por dentro e depois subir novamente. Meu pai sempre defendeu que o melhor jogo se olha da linha divisória do meio campo, ou próximo a ela. Assim se enxergam as duas metas e nos dois tempos. Tanto faz sentido que as nossas cabines de transmissão são assim posicionadas, do lado oposto ao escolhido por ele na arquibancada, mas com visão semelhante. Tudo para o narrador e o comentarista estarem atentos aos dois lados. Nos dois tempos.

Nos estacionamos ao lado de uma das poucas barras de tecido dessa ocasião. Presto atenção nos pequenos detalhes, das crianças das escolinhas de futebol que entram em campo, às faixas com dizeres distintos, amarradas cedo no alambrado, aos poucos torcedores visitantes, cerca de meia dúzia de rubro-negros do adversário da noite, Guarani de Venâncio Aires.

Numa rápida passagem aos acontecimentos de dentro de campo, alvo das notícias, entrevistas e repercussões, mas não desta crônica, o jovem time do Guarani surpreendeu com um golaço de fora da área. E o Pelotas pouco conseguiu reagir no primeiro tempo, causando espanto, pânico, cabeças cabisbaixas nas arquibancadas.

No segundo tempo, uma expulsão nos rubro-negros serviu de vez para igualar o jogo e, após outro gol bizarro, a virada. Os dois gols mandantes foram esquisitos. Um com dúvida se a bola transpassou da linha e outro por uma pixotada da defesa adversária. Mas o importante foi a bola na rede e os três pontos. O sentimento final na arquibancada era de alívio pela vitória vindoura, mas preocupação para os próximos capítulos, as próximas duras missões.

Após vencer um índio, o Lobo tem outro índio pela frente. Um com mais poder aquisitivo em relação aos da terra do chimarrão. Um outro índio residente de outra cidade com mais descendentes de alemães do que qualquer indígena. No esquisito campeonato da divisão de acesso, onde populares e esquecidos clubes amontoam-se em busca de voltar aos maiores holofotes e cenários, a batalha é sempre árdua, esquisita e única. Como a visão de olhar o verde campo, como se fosse a primeira vez. Ou o anoitecer no inalcançável horizonte. Como se fosse a primeira vez.

Boca do Lobo (Foto: Henrique König)

10 de março de 2018

Vistas grossas e confusas

Estava a caminho de uma casa em uma estrada cercada por campos, por matos. Ou seria uma casa de praia? Enfim, nada muito central ou urbano. A caminho dessa casa, fui recepcionado por batalhões de pessoas que brindavam meus feitos, os quais eu não sabia direito. Mas entendi que fui intimidado por ter cometido crimes. Quais? Primeiro um atropelamento. Atropelei para matar algum pedestre e, quando fui abordado por um policial sobre o caso, também fiz questão de matá-lo. A primeira morte não havia intenção, mas a segunda foi meio que para me livrar de provas. Logo, eu não responderia por um, mas por dois assassinatos.

Mesmo assim, minha comunidade ali presente, que adentrou a casa comigo, não parecia se importar pelo cometimento criminalístico. Pelo contrário, vibravam como se fosse um aniversário, uma formatura ou qualquer outra grande conquista pessoal. Me sentia como um personagem principal, o qual assimilei na hora como Mac, do desenho animado Mansão Foster. Entretanto, apesar da satisfação, euforia e sorrisos demais, sabia que eu passaria por maus bocados quando descoberto por demais autoridades. Eis que carros de polícia estacionam em frente à casinha. Aproveito a multidão para me intrometer entre ela e correr rumo aos fundos. Sei que a ação das policiais é rápida e preciso de muito preparo físico para vencê-las. Os fundos da casa reservam abertos campos, lembrando a chácara do compadre Adão em Herval, município vizinho a Pedro Osório. A corrida aos fundos reserva uma ou outra pulada de cerca e um tremendo descampado, onde eu seria alvo fácil.

As demais pessoas comentam que eu deveria ter dobrado à direita e ir pelos bosques, em maior esperança de não ser visto. É o que faço quando me dou conta, torcendo para não ser tarde demais. Como minha preparação física e desconhecimento do terreno não contribuem, logo sou alcançado, bem próximo a tudo, na verdade. As policiais apenas me cumprimentam e um breve filme, um curtametragem passa pela minha mente. Pouco se importam com o colega de profissão morto. Talvez fosse persona non grata. A questão é que minha dívida está perdoada até o momento e sigo em liberdade. Podendo responder processos futuros. Um pouco pode ter relação com minha leitura anterior, com capítulo de Um Gato de Rua Chamado Bob, em que o dono se mete em encrencas, responde em liberdade, mas poderia novamente ser acusado, chamado a júri e poderia cumprir pena mais severa.

De volta à "segurança" da casa, na verdade o endereço rural trata-se de uma casa de madeira em Cruz Alta, pois identifico uma antiga amiga que há muito não vejo. Ela está acompanhada de outras amigas, de outras pessoas. Me reconhece, se importa como estou. Fazem algumas brincadeiras que se tornam praticamente agressões. Difícil me defender. Demonstro marcas vermelhas pela barriga, e noto que meus testículos saíram do lugar. Estão completamente descentralizados em relação ao restante do corpo. Me preocupo intensamente se isso seria reversível. 

Ainda pela casa, descubro que possuem bons lugares para diversão. Sofás confortáveis, quartos em que posso dormir. Descubro a presença de muito mais gente. Praticamente uma gangue, um quartel general, uma organização meio secreta, no qual eu me infiltrava em outra cidade e na condição de assassino em liberdade. Possuem algo como sala de jogos e um caminho elevado como uma ponte pênsil em que a obra está recém terminada e me desafiam a subir e testá-la. Uma moça já estava localizada no final do trajeto, em um sofá, sobre um piso de madeira que também continuava a se mexer com os movimentos, com os passos. Não perderia para ela e estava em grande confiança com todo aquele universo em que eu era bem recebido pela antiga amiga e as demais pessoas.

Lá em cima, em aparente segurança, descolo um lugar no sofá colocado e outras pessoas se arriscam a subir. Saberia que eu não seria a causa de uma desordem na estrutura fragilizada de madeira, pois sou muito magro. Passado esse estágio, a dentro havia algo como uma cobertura, uma espécie de casa na árvore, mantendo o estrutural em madeira. Havia como que uma pequena loja de itens diversos. Alguns relacionados a futebol. Gostei muito de um chapéu estilo de bobo da corte em que as cores do Grêmio se faziam presentes. Era minha ideia de compra para voltar à minha terra natal após isso tudo.

Se tudo não estava maluco o suficiente, passo ainda uma empreitada por trilhas íngremes, trechos de selva, na promessa de que no fim haverá uma bela e singular vista, de tirar o fôlego, como prometem. Essa parte do sonho está mais masculina, no sentido de quem acompanha o trajeto. Um cara mais velho tem pinta de professor de educação física e os demais são todos bastantes jovens, a lembrar colegiais. São pedras escaladas, trechos em mata fechada, novas travessias de ponte pênsil, alturas, desfiladeiros com água lá embaixo. Tudo para superar até a última vista. A vista nesse dia de sol marcante é para águas cristalinas, como se diz. Uma praia até movimentada logo abaixo, fato que me faz questionar se não havia um trecho muito mais simples de acesso, para ter tantos turistas com carros e crianças na praia morro abaixo. Enfim, a vista é mesmo marcante e faz a gente esquecer um pouco os confusos episódios passados.

Os seguidores após eu ter cometido dois assassinatos: um no trânsito e outro a sangue frio contra um agente policial. A casa no meio do mato, as policiais que me perdoaram sabe-se lá o porquê, a volta para essa casa em estilo chalé e logo em Cruz Alta, cidade distante, com a distanciada amiga e os demais elementos da gangue. Tudo isso era passado diante da magistral vista.

3 de março de 2018

90 e poucos

a vida passa como uma chuva de bobinas de papel na entrada em campo
um bobinaço
orgasmo e exaltação
e a vida passa como um jogo daqueles dos 90 e poucos minutos
e odiaria, como nas experiências que tive no concreto do estádio,
perguntar ao desconhecido torcedor, na hora amigo, ao lado,
o tempo de jogo
- são 30 do segundo tempo
e o crepúsculo da partida se aproxima
e percebes que não valeu, que tu, na condição de arquibancada,
não deu o máximo de ti
e o time, em campo,
não deu o máximo dele;
não roubou aquela bola
não arriscou aquele chute
não subiu para conferir aquele escanteio
o placar é detalhe no suor que escorreu
quando tudo, treinado ou não,
foi feito
a entrevista do juízo final
sai mais fácil
quando os lábios pronunciam
que foi feito tudo que se pôde
que dentro do jogo
houve oscilação
melhores e piores momentos
mas que foi um jogo disputado
e que o caminho para o vestiário é distante
porque a perna pesa do esforço feito
e que o torcedor perde a voz
porque cantou
porque cobrou a arbitragem
e incentivou o time
e chamou atenção do time
e tentou como ele podia
e o jogador sai esgotado
pensando no repouso do dia seguinte
e na volta aos treinos dali a dois
e o torcedor sai extasiado
pensando no trabalho do dia seguinte
e na volta ao trabalho dali a dois
e a vida se vai
como o refletor do estádio
para voltar
enquanto há volta
90 e poucos minutos de vida

1 de março de 2018

Pedra do Frade - Janeiro

Pedra do Frade (Foto: Henrique König)

Pedra do Frade (Foto: Henrique König)

Pedra do Frade (Foto: Henrique König)

Pedra do Frade (Foto: Henrique König)

Pedra do Frade (Foto: Henrique König)

Pedra do Frade (Foto: Henrique König)

Pedra do Frade (Foto: Henrique König)

Pedra do Frade (Foto: Henrique König)

Pedra do Frade (Foto: Henrique König)

Pedra do Frade (Foto: Henrique König)

Pedra do Frade (Foto: Henrique König)

Pedra do Frade (Foto: Henrique König)

Pedra do Frade (Foto: Henrique König)

Pedra do Frade (Foto: Henrique König)