Estamos no feriado de sexta-feira. Sexta-feira considerada santa. Não sei exatamente por quem. Dos celebrantes desse descanso, ao meu ciclo familiar e de amizades próximas, ninguém que esteja realmente devoto ou indo à igreja. Se importando se Cristo morreu simbolicamente nessa data. Digo, morreu de verdade. Mas a data simbolicamente. Sexta santa que antecede à Páscoa.
Na Páscoa, sim. A fartura. A volta do churrasco gordo após os frutos do mar nos dias passados. Os chocolates comerciais de preços exorbitantes apenas porque o formato é diferente e porque o coelho escondeu. Sabemos que o escondido, o perigoso e o proibido saem mais caros. Adrenalina. Tá, não vou perder o foco do texto. Não muito. Não muitas vezes. Vou tentar.
O senhor que trabalha comigo manda pornografia sem perguntar antes, durante meses e meses e, por mais sorte do que juízo, não mandou ainda coisa muito pesada para o grupo com os demais funcionários (e funcionária). É o mesmo sujeito que envia mensagens bonitas de Páscoa, com desenhos animados e gifs. A sociedade tem essas aberrações e bizarrices.
Mulheres que apoiam candidatos machistas. Mulheres que entram em relacionamentos abusivos e opressores, enquanto outras tantas pelo país tentam sair. E algumas saem apenas gravemente lesionadas, física ou psicologicamente, ou saem apenas quando o pulso não emite mais respostas. São agressões e mortes. São dados alarmantes. Há quem não enxergue ou não se importa de enxergar. Ignorantes.
Pessoas que praticam pecados o ano inteiro, mas não comem carne na sexta-feira considerada santa. Conhece várias assim, certo? É o exemplo comum e batido. Até me pergunto o quão estranho nesse país católico, machista, homofóbico, racista e patriarcal, o quão estranho é comer um hambúrguer no estimado dia. Será que as pessoas próximas ainda ficam boquiabertas por segundos sem se dar conta ou tentando intimidar? Será que balançam a cabeça horizontalmente em negação ao ato? Será que tapam os olhos das crianças, de seus filhos? Numa tentativa de mensagem de "Não veja isso, minha filha, o homem mau". "Olhe para o outro lado, meu filho, conversamos em casa".
Será que antes de dormir rezariam por mim? Será que ainda rezam? Porque os demais ensinamentos de Jesus não cumprem durante o ano. Será que cumprem esses outros? Com o que realmente se importam? Em contrariar os abortos que, não sendo feitos, dão origem a filhos de mães despreparadas, de pais estupradores, de famílias paupérrimas ou de baixíssima renda? Se importam em proibir ervas e manter legalizado o álcool que torna aquele homem de parágrafos acima mais violento, que torna o trânsito duas, três, quatro vezes mais perigoso?
Ontem à noite assassinaram um jovem - jovem mesmo - em um ponto onde costumo passar. Por localização e por horário. E o pior, muitas vezes exponho meu pai ou o pai de algum amigo a passar por ali. Na ida ou na volta da noite. Assassinaram a tiros. Em horário em que mais gente está por lá. Perto da meia-noite. Rua central. Perto, quase ao lado de universidade e de escola particular.
Mesmo acontecendo em horário inverso às aulas - mais inverso da escola do que da universidade, sim - penso no ponto que o sangue jorra nas calçadas, as mesmas calçadas que arrastam rodinhas de mochilas infantis. As calçadas em que pais e mães dão as mãos para levar seus filhos ao educandário. Nada fácil. A sociedade tem essas bizarrices.
Será que os não comedores de carne exclusivamente na sexta-feira gostaram da morte de mais um rapaz de 18 anos na cidade? Da média de um homicídio para menos de três dias? Comemoram a morte de supostos bandidos, de jovens pobres ou com alguma passagem pela polícia? Será que lamentam terem nascido em condições precárias, ter contato com a droga, com o tráfico, com as gangues desde cedo? Comemoram eles não terem suporte familiar, educação de qualidade ou opção de emprego? Comemoram o preconceito que sofrem, quando sabe-se que é mais difícil desses patrões confiarem neles do que em outro jovens de famílias mais abastadas?
Creio que só rezar, só parar de comer carne na sexta e só atacar caravana de um partido ou de um político não adianta...
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Pelo sim pelo não tb não como rs
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