A timeline das redes sociais é uma situação inexplicável. Nada comparável nos tempos anteriores e a cada novo dia, novidades. Ampliam-se os vídeos, as fotografias, as confusões. Os posts dos assuntos mais variados possíveis das pessoas mais variadas possíveis, com os posicionamentos e os dizeres mais variados possíveis. Do veterinário, da estudante, mulher reconhecidamente feminista, do esportista, da esportista, dos jornalistas, dos críticos ao jornalismo, dos jornalistas críticos ao jornalismo, das artistas, do que pensa que um político só vai salvar o país, de quem acredita nos coletivos, daquela tia que só quer compartilhar as imagens dos animaizinhos e das plantinhas... Enfim.
Nascem estas linhas através de uma curiosa coincidência, ou mais uma montagem tecnológica previamente programada. Mas eles (nem sempre) passam despercebidos por mim. Enquanto um post vocifera violentamente que temos um país onde é mais importante gritar gol do que reclamar uma injustiça, com a legenda aqui copiada: "Um país de COVARDES, OMISSOS e ALIENADOS onde encher um estádio é mais importante do que encher as ruas para derrubar este sistema falido e corrupto".
Abaixo, uma postagem em outro caráter, bem mais leve. A manchete é a seguinte: "Por que um estádio inteiro acena para um hospital infantil durante seus jogos". Isso indica a participação do público e dos jogadores em prol desse hospital infantil em jogos de futebol americano realizados em uma cidade dos Estados Unidos.
A diferença entre o primeiro agressivo post e o segundo eram de três postagens entre elas. Me chamou bastante atenção. A discussão sobre covardia, omissão e alienação baseada somente no esporte é bastante oportunista. Aqui, nem há porque tecer o argumento baseado que o esporte é capacitador de grandes transformações sociais na vida de muita gente. Obviamente é. Ao mesmo tempo, talvez a vociferação e a crítica do post seja exatamente pela forma como o esporte-espetáculo, no mais alto rendimento, cega parte da população para tantos outros problemas e por tanto tempo de suas vidas, em um grau de relevância suprema.
Para além da ferramenta do esporte-espetáculo poder gerar tantos "covardes, omissões e alienados" (sem mais necessidade de caixa alta como estava no post, porque aqui ninguém é surdo), tantas outras ferramentas poderiam ser ingressadas nessa análise. A televisão constitui suas grades basicamente nas programações empreendedoras, nos sonhos realizados no assistencialismo, shows e espetáculos, shows e espetáculos. Tem muita gente se queimando na fogueira e muito pouca gente se dando muito bem, traz a música Tribos e Tribunais dos Engenheiros do Hawaii. Pois há muita gente queimando nas fogueiras e muito pouca gente ganhando programações da televisão e iludindo milhões de pessoas com os mesmos sonhos e expectativas grandiloquentes, completamente fora de suas realidades do dia a dia.
É verdade que as ilusões do esporte-espetáculo também estejam presentes e entende-se que nele existe a segregação de quem o acompanha ou não o acompanha, nas condições de acesso, ingresso e compras de programas pay-per-view. Assim como são moldadas as formas mais elitistas de cultura nas grandes cidades.
Escrachar o exemplo esportivo como o negativo ou talvez a causa das (mais uma vez) covardias, omissões e alienações, é uma crítica bastante limitada. A própria produção jornalística conservadora contribui nisso. Eles querem que o povo escolha os alvos de suas revoltas pela situação do país, mas somente alvos indicados por eles. Nada que mude o panorama completo das situações.
Vociferar contra um político ou partido político. Vociferar contra um caso de invenção de pedofilia e nem sequer dar bola para outros casos muito mais reais e acostumados a serem tratados como corriqueiros. Vociferar contra um único jornalista ao atacá-lo como racista e não enxergar a situação geral do racismo no país, persistente e tantas vezes velado no dia a dia das produções jornalísticas, nos assuntos abordados. Acusar que um ou outro negro, uma ou outra negra artista, celebridade, use seu espaço midiático para promover o que eles chamam de vitimização, mas não entender a causa, a representatividade, as estatísticas.
Vociferar contra um esporte, contra um jogo, sem entender o contexto das demais formas de transmitir espetáculo, sem entender a positividade que o próprio evento possa causar. Como o apoio, a retribuição em gestos e, tão logo, financeira ao hospital infantil ali citado.