19 de novembro de 2017

livros

alguns títulos de livros que pensei, algum dia, em escrever algum dia 

  • a difícil missão de colocar um sorriso entre as suíças
  • o empírico de um homem incompletamente idiota
  • masturbação mental no banho
  • o sono embriaga?
  • catarros e catarses
  • todo dia interpretando máscaras, nenhum dia com bhaskara
  • o esquimó esquisito
  • vai te catarse
  • pecuarista das peculiaridades
  • não existe agricultor de uma noite

com trastes

A timeline das redes sociais é uma situação inexplicável. Nada comparável nos tempos anteriores e a cada novo dia, novidades. Ampliam-se os vídeos, as fotografias, as confusões. Os posts dos assuntos mais variados possíveis das pessoas mais variadas possíveis, com os posicionamentos e os dizeres mais variados possíveis. Do veterinário, da estudante, mulher reconhecidamente feminista, do esportista, da esportista, dos jornalistas, dos críticos ao jornalismo, dos jornalistas críticos ao jornalismo, das artistas, do que pensa que um político só vai salvar o país, de quem acredita nos coletivos, daquela tia que só quer compartilhar as imagens dos animaizinhos e das plantinhas... Enfim.
Nascem estas linhas através de uma curiosa coincidência, ou mais uma montagem tecnológica previamente programada. Mas eles (nem sempre) passam despercebidos por mim. Enquanto um post vocifera violentamente que temos um país onde é mais importante gritar gol do que reclamar uma injustiça, com a legenda aqui copiada: "Um país de COVARDES, OMISSOS e ALIENADOS onde encher um estádio é mais importante do que encher as ruas para derrubar este sistema falido e corrupto". 
Abaixo, uma postagem em outro caráter, bem mais leve. A manchete é a seguinte: "Por que um estádio inteiro acena para um hospital infantil durante seus jogos". Isso indica a participação do público e dos jogadores em prol desse hospital infantil em jogos de futebol americano realizados em uma cidade dos Estados Unidos.
A diferença entre o primeiro agressivo post e o segundo eram de três postagens entre elas. Me chamou bastante atenção. A discussão sobre covardia, omissão e alienação baseada somente no esporte é bastante oportunista. Aqui, nem há porque tecer o argumento baseado que o esporte é capacitador de grandes transformações sociais na vida de muita gente. Obviamente é. Ao mesmo tempo, talvez a vociferação e a crítica do post seja exatamente pela forma como o esporte-espetáculo, no mais alto rendimento, cega parte da população para tantos outros problemas e por tanto tempo de suas vidas, em um grau de relevância suprema.
Para além da ferramenta do esporte-espetáculo poder gerar tantos "covardes, omissões e alienados" (sem mais necessidade de caixa alta como estava no post, porque aqui ninguém é surdo), tantas outras ferramentas poderiam ser ingressadas nessa análise. A televisão constitui suas grades basicamente nas programações empreendedoras, nos sonhos realizados no assistencialismo, shows e espetáculos, shows e espetáculos. Tem muita gente se queimando na fogueira e muito pouca gente se dando muito bem, traz a música Tribos e Tribunais dos Engenheiros do Hawaii. Pois há muita gente queimando nas fogueiras e muito pouca gente ganhando programações da televisão e iludindo milhões de pessoas com os mesmos sonhos e expectativas grandiloquentes, completamente fora de suas realidades do dia a dia.
É verdade que as ilusões do esporte-espetáculo também estejam presentes e entende-se que nele existe a segregação de quem o acompanha ou não o acompanha, nas condições de acesso, ingresso e compras de programas pay-per-view. Assim como são moldadas as formas mais elitistas de cultura nas grandes cidades.
Escrachar o exemplo esportivo como o negativo ou talvez a causa das (mais uma vez) covardias, omissões e alienações, é uma crítica bastante limitada. A própria produção jornalística conservadora contribui nisso. Eles querem que o povo escolha os alvos de suas revoltas pela situação do país, mas somente alvos indicados por eles. Nada que mude o panorama completo das situações.
Vociferar contra um político ou partido político. Vociferar contra um caso de invenção de pedofilia e nem sequer dar bola para outros casos muito mais reais e acostumados a serem tratados como corriqueiros. Vociferar contra um único jornalista ao atacá-lo como racista e não enxergar a situação geral do racismo no país, persistente e tantas vezes velado no dia a dia das produções jornalísticas, nos assuntos abordados. Acusar que um ou outro negro, uma ou outra negra artista, celebridade, use seu espaço midiático para promover o que eles chamam de vitimização, mas não entender a causa, a representatividade, as estatísticas.
Vociferar contra um esporte, contra um jogo, sem entender o contexto das demais formas de transmitir espetáculo, sem entender a positividade que o próprio evento possa causar. Como o apoio, a retribuição em gestos e, tão logo, financeira ao hospital infantil ali citado.

14 de novembro de 2017

embora

3 horas e doze
já fosse?
onde agora estou
já foi?
embora a dose
de quem tomou
embora a dor de
quem sentiu

pesando

estive pensando
pensando em ti
vi-me pensando
atrevi-me
pensando
através
da vitrine
dos meus
memorandos
estive
em ti...
pensando

detalhes

meu amor
tudo é por detalhe
por que ouvidos
se não te cales
por que pernas
si no hay calles
por que penas
se não voares?

siempre lo mismo

eu escrevo
preso às amarras
às falas do jornalismo
preso às taras
do consumismo
preso ao emprego
que quiere
siempre lo mismo

Lembranças confundidas, confusões lembradas

Chegou como um raio ao cortar a conversa. Eu me afastei do pessoal com quem havia chegado anteriormente e conversava com outras pessoas. E o ser alcoolizado se fez presente, tomando conta do assunto. Àquela hora da madrugada é comum que aconteçam tais episódios, incomuns para as horas de sol ou para os primeiros momentos da noite. Um homem moreno, cabelo raspado, mais velho do que nós. Dos 30 aos 40 anos, qualquer idade poderia ser a dele. Em algum instante ele confessou seu nome, porém, com crise memorial que torna a minha pior do que supostamente a dele, não sei aqui reproduzir a escolha publicada em sua certidão de nascimento.

Chegou tomando conta e se anunciando. Minto. Chegou reconhecendo minha pessoa. Eu sem reconhecer a dele. "Eu te conheço!", exclamação e alarde. Chamou a atenção dos que estavam próximos. Fez meu cérebro dar voltas em busca das memórias que poderiam ser reais daquele personagem. Não as encontrei. Não estávamos sintonizados na mesma frequência.

Perguntou onde eu morava. Indiquei meu bairro Areal. "Mas onde tu estuda?". Estudei naquele mesmo bairro Porto. Meus quatro anos de curso, de graduação. "E qual ônibus tu pegava?". Tinha o da igreja batizada popularmente como cabeluda, a Catedral do Redentor, no nome oficial, rua 15 de Novembro, no Centro. Mas ele insistiu que eu utilizava mais o Benjamin Cohabpel. E de fato utilizei algumas escassas vezes em que subia no início da Andrade Neves, para subir ao Centro e posteriormente ao Porto.

Foi então que devolvi as interrogações para ele. Revelou ser cobrador de ônibus. Revelou mais do que perguntei, como é comum aos seres boêmios. Como é comum aos seres fora de seus ambientes de trabalho, livres da retaliação das regras, das normas de conduta, da fiscalização opressora, das medidas que o enquadram. Revelou que lembrava de mim dessas ocasiões. Falou em salário e concordamos - todos, contando com o amigo que permanecia fiel à espera de retomarmos nosso papo, em meio ao inicialmente importuno do espalhafatoso sujeito - que muitas pessoas formadas na Universidade ou com outras formações não atingiam tais empregos hoje em dia. A situação do país realmente é degradante e deprimente. Ampliam-se os moradores de rua nos caminhos por onde caminho, quando ignoro as paradas de ônibus e resolvo andar pelas ruas.

Tive que me despedir dele logo depois, para não perder a perigosa caminhada da madrugada com as pessoas com as quais cheguei. Cuidado redobrado aos assaltos daquele horário. Nem todos são cobradores de ônibus. Nem todos são honestos. Nem todos aceitam as condições trabalhistas do dia a dia. Quantas vezes será que o ônibus dele já foi assaltado? Naquele mesmo domingo que vinha adjunto à noite de sábado, a tarifa do transporte público na cidade subiu para 3 reais com 35 centavos. Centavos que jamais me acompanham no bolso. Assim, eu incomodo os cobradores em busca de troco. Talvez por isso lembrem de mim.

A situação do país é dolorosa a seus habitantes e obriga muitos (quem sabe também àquele sujeito?) a beber.

12 de novembro de 2017

Lixo e Purpurina - Caio Fernando Abreu

31 de janeiro

“Vem, que eu quero te mostrar o papel cheio de rosas nas paredes do meu novo quarto, no último andar, de onde se pode ver pela pequena janela a torre de uma igreja. Quero te conduzir pela mão pelas escadas dos quatro andares com uma vela roxa iluminando o caminho para te mostrar as plumas roubadas no vaso de cerâmica, até abrir a janela para que entre o vento frio e sempre um pouco sujo desta cidade. Vem, para subirmos no telhado e, lá do alto, nosso olhar consiga ultrapassar a torre da igreja para encontrar os horizontes que nunca se vêem, nesta cidade onde estamos presos e livres, soltos e amarrados. Quero controlar nervoso o relógio, mil vezes por minuto, antes de ouvir o ranger dos teus sapatos amarelos sobre a madeira dos degraus e então levantar brusco para abrir a porta, construindo no rosto um ar natural e vagamente ocupado, como se tivesse sido interrompido em meio a qualquer coisa não muito importante, mas que você me sentisse um pouco distante e tivesse pressa em me chamar outra vez para perto, para baixo ou para cima, não sei, e então você ensaiasse um gesto feito um toque para chegar mais perto, apenas para chegar mais perto, um pouco mais perto de mim.

Então quero que você venha para deitar comigo no meu quarto novo, para ver minha paisagem além da janela, que agora é outra, quero inaugurar meu novo estar-dentro-de-mim ao teu lado, aqui, sob este teto curvo e quebrado, entre estas paredes cobertas de guirlandas de rosas desbotadas. Vem para que eu possa acender incenso do Nepal, velas da Suécia na beirada da janela, fechar charos de haxixe marroquino, abrir armários, mostrar fotografias, contar dos meus muitos ou poucos passados, futuros possíveis ou presentes impossíveis, dos meus muitos ou nenhuns eus. Vem para que eu possa recuperar sorrisos, pintar teu olho escuro com kol, salpicar tua cara com purpurina dourada, rezar, gritar, cantar, fazer qualquer coisa, desde que você venha, para que meu coração não permaneça esse poço frio sem lua refletida. Porque nada mais sou além de chamar você agora, porque tenho medo e estou sozinho, porque não tenho medo e não estou sozinho, porque não, porque sim, vem e me leva outra vez para aquele país distante onde as coisas eram tão reais e um pouco assustadoras dentro da sua ameaça constante, mas onde existe um verde imaginado, encantado, perdido. Vem, então, e me leva de volta para o lado de lá do oceano de onde viemos os dois.”

Trecho do livro Ovelhas Negras. L&PM Pocket.

11 de novembro de 2017

Piscinas e Bonés

Um sujeito, meia idade, maletas em mão. Ele conserta piscinas. Conserta consertos. Deve consertar muita coisa. Dessa vez veio verificar os encanamentos da piscina, evitar vazamentos, liberar o fluxo ligado ao motor. Mas será que ele toma banho em piscinas? Obviamente que os que pagam pelo serviço não o convidam. É apenas uma prestação de serviços. Não é uma amizade. Mas será que ele tem piscina na casa dele?

Traz o filho para ajudar. Um garoto. Garoto novo. Boné para frente. Maletinhas nas mãos. Disposto a ajudar. Acostumado assim. Olhar prestativo. Boné para frente, nada de aba reta (ainda). Não para trás (ainda). Como será seu futuro? Força nos estudos? Estudar para ir onde? Vai consertar piscinas? Vai ter uma piscina quando crescer e tiver seu emprego com carteira de trabalho? Acostumado a ver piscinas desde pequeno, eu gostaria de uma piscina.

Piscinas dão trabalho. Troca de água, motor, limpeza. Cloro, retirar insetos, folhas. Encanamentos. Consertos. Verão. O verão gaúcho é curto. Três meses se der sorte. Às vezes com noites frias que afugentam o calor para água da piscina no dia seguinte. Uns dias de piscina antes do Natal. Janeiro sempre funciona, mas se tu quiseres tirar uns dias de férias em outra cidade, em uma praia, perde os melhores dias da piscina. A piscina ali. Aprisionada. Aprisionando. A piscina ali. Do conserto do senhor de meia idade e seu provável filho.

O verão é curto. Fevereiro é um mês mais curto. Quando vê já passou. E recomeço a caminhada do demorado outono. Com a piscina ali. Esquecida. Mas exigindo trabalho. Como uma filha. Como um bicho de estimação. Trocar água, motor, limpeza, cloro. Não deixar os mosquitos ou outros insetos tomarem conta.

Qual será o futuro do garoto? Nem me questiono em relação a ter ou não ter uma piscina. São belas, sim, as piscinas. Para alguns dias, sobretudo nas nossas condições climáticas. Subtropicália. Mas qual o seu futuro no mundo? Até onde, até quando vai esse olhar de acompanhamento ao pai. Trabalhar. Acompanhá-lo no trabalho. Desbravar o mundo. Querer ser dono de seu destino. Tarefa difícil.

Talvez se acostume desde cedo. Nesse ritmo. Ensinado pelo pai. Trabalho. Ferramentas. Trabalho. Transporte até chegar às casas. Realizar os consertos. Grana. Guardar direitinho no bolso. Um refrigerante, um suco gelado. Ah, isso é vida. Poupar. Guardar para uma nova ocasião. Calcular. Contas a pagar. Desvios.

Atalhos que parecem bons. Cuidado. Me parece um bom rapaz, o pai. Mas quem pode saber? Várias variáveis. Várias teorias. Por agora, é esperar a cola secar. Parece estar pronto. A piscina está ok. Quanto lhe devo? Ok. Um bom verão a vocês. Pra vocês também. Guarda direitinho no bolso. Que tal um refrigerante, um suco gelado? Isso é vida. Ia dar uns cascudos no seu cabelo. Está de boné. Não de aba reta (ainda). Nem virado para trás (ainda). No rumo certo (espero).

10 de novembro de 2017

toc toc

toc toc
- quem é?
- sou eu
- e o que quer?
- um poema
- à essa hora?
- é problema?
- e se for?
- aí passa a ser meu
- o problema?
- o poema

Como vai?

Colocar a arma contra o céu da boca e puxar o gatilho é uma péssima ideia.

Péssima ideia com quem vai limpar depois.

Há outras formas mais limpas e menos trabalhosas para quem vier à cena depois.

A bem da verdade, existem seis mil formas de morrer. Bem mais. Bem mais.

Escolher uma especificamente para o momento derradeiro é muita vaidade.

Se Deus domina todos os momentos e destinos, então pode ser somente um sujeito sádico a encontrar meios de moldar o nosso fim da linha.

E, assim sendo ou não, que Deus me perdoe por brincar jocoso com essas brincadeiras de vida e morte.

9 de novembro de 2017

Gado

A população toda como um grande rebanho. Gado. Gado por toda parte. O ser humano é a única forma de gado que se preocupa com o próprio umbigo. Desculpem minha grosseria. Como vão vocês? Vão bem? Que bom. O ser humano é a única forma de gado que se preocupa com o próprio umbigo, enquanto as formas originais de gado, que nos emprestam nome à metáfora, apenas ruminam e cagam o capim nesse ciclo.

Alguns dos gados são melhores do que os outros. Ao serem melhores, estão preocupados em conservarem-se melhores do que os outros. Estão preocupados com sua imagem e semelhança. Gados que não se ajudam e nem vão se ajudar. Não há esperança de deixar de serem gado. Livres e do outro lado do cercado, que diabos além de gado poderão ser?

As mudanças da composição do país nos últimos três anos são absolutamente ridículas. Me surpreendam ao encontrarem a esperança nos confins das prateleiras distantes. Tragam-me. Tragam-me a esperança e irei verificar o prazo de validade.

4 de novembro de 2017

Coincividas

Concordar com meus escritores sem tê-los lido - ou ao ler - me traz uma paz e uma saciabilidade momentâneas.