29 de junho de 2018

o que seria?

fico feliz quando escrevo
um poema e o acho
o melhor de minha vida

pode ser, pode ser mentira
ou pode ser até que seja

mas o que seria de mim
sem a boa crítica
e uma boa cerveja?

drummond do mundo

carlos drummond de idade
avançado como era
sabia do fogo
do ar
da água
e da terra

reflita aflita

um beija-flor sempre pousa
sobre margaridas, tulipas e rosas
e ninguém liga

um mosquito sempre pousa
sobre quadros, paredes, camas e lousas
e ninguém liga

mas o avião quando pousa
nos obriga
a pensar
no amor de nossas vidas

um mês inteiro

demorei um mês inteiro
para trazer aqui
esse humilde poema
parto anormal
tal qual seus irmãos
em suas dezenas

aguardou na incubadora
apesar da demora
hoje chora e chora
esse peso pena

na soma da calculadora
e da balança
não sei quanto vale
não sei quanto pesa
essa criança

demorei um mês inteiro
a parir
e parei
parei aqui
pai solteiro

seria este um poema verdadeiro?
não tem problema
se só eu no mundo inteiro
o leio agora, leitor primeiro

não havia

não havia navios
não havia cios
não havia frio
não havia

não havia avião
nem passarin
não havia sim
não havia não
não havia

não havia bússola
nem mapa
não havia guia
nem placa
não havia

não havia sol
não havia lua
nem farol da noite
nem nascer do dia
simplesmente não havia

não havia estrada
nem havia chão
não havia nada
na escuridão

não havia
enquanto
não a via

27 de junho de 2018

As Amazonas

Não tinha jeito ruim a batalha, hoje, dia de São João. Dos bergantins, os homens de Francisco de Orellana estavam esvaziando de inimigos, com rajadas de arcabuz e de balestra, as brancas canoas
vindas da costa.


Mas aí, a bruxa deu as caras. Apareceram as mulheres guerreiras, tão belas e ferozes que eram um escândalo, e então as canoas cobriram o rio e os navios saíram correndo, rio acima, como porco-espinhos assustados, eriçados de flechas de proa à popa e até no mastro-mor.

As capitãs lutaram rindo. Se puseram à frente dos homens, fêmeas garbosas, e já não houve medo na aldeia de Conlapayara. Lutaram rindo e dançando e cantando,as tetas vibrantes ao ar,até que os espanhóis se perderam para lá da boca do rio Tapajós, exaustos de tanto esforço e assombro.
Tinham ouvido falar destas mulheres, e agora acreditam. Elas vivem ao sul,em senhorios sem homens, onde afogam os filhos que nascem varões. Quando o corpo pede, dão guerra às tribos da costa e conseguem prisioneiros. Os devolvem na manhã seguinte. Ao cabo de uma noite de amor, o que chegou rapaz regressa velho.


Orellana e seus soldados continuarão percorrendo o rio mais caudaloso do mundo e sairão ao mar sem piloto, nem bússola, nem carta de navegação.

Viajam nos bergantins que eles construíram ou inventaram a golpes de machado,em plena selva,fazendo pregos e bisagras com as ferraduras dos
cavalos mortos e soprando o carvão com botinas convertidas em foles. Deixam-se ir sem rumo pelo rio das Amazonas,costeando a selva,sem energias para o remo, e vão murmurando orações: rogam a Deus que sejam machos, por mais machos que possam ser, os próximos inimigos.


Eduardo Galeano
Os Nascimentos.

19 de junho de 2018

Lutas e Gratidões

Minha irmã acorda tarde, toma o café da manhã tarde e reclama do almoço, que é servido em um intervalo de tempo curto entre as duas refeições. Minha mãe acumula cabelos brancos que ela não mais esconde e estresse que não mais segura, entrando em erupção de quando em quando. Hoje foi um desses quando.

Mais tarde, entre o almoço e um jogo da Copa do Mundo na televisão, minha vó aparece de jaqueta rosa e óculos escuros bastante chamativos. Em um horário que muito bem poderia ser de algum pedinte, geralmente uma senhora negra com uma filha com necessidades especiais e que pede leite ou algum ser adulto não disposto ao trabalho para o ganha pão. Confiro para confirmar pelo olho mágico e abro a porta para minha vó na certeza que o jogo entra em segundo plano, porque ela insistentemente e incessantemente puxa assunto ou narra com detalhes episódios cotidianos de pouca relevância. O encontro com as mesmas vizinhas, uma ou outra palavra trocada na frente de casa ou no caminho para ônibus ou em armazém. Pequenos causos de pessoas as quais não conheço e que para minha mãe pouca diferença faz também são uma constante.

Porém, ela conta de uma conhecida, alguma família que adotou uma menina. E minha vó a caracteriza que dizem ser muito alegre, muito obediente. E sobre algo que a ofereceram, se manifestou com "tudo isso é para mim?", com as mãos cruzadas sobre o peito, em claro e universal gesto de agradecimento. Tem três anos, completa os dizeres minha vó. E tudo isso me leva a uma reflexão sobre gratidão, uma reflexão que na minha mente ocupa e ocupa o primeiro plano. O jogo passava ao segundo posto, mas logo voltaria à tona por outros encaixes.

Às 14 horas na pontualidade terminava a partida da Copa do Mundo com a surpreendente (para alguns nem tanto) vitória de Senegal sobre a Polônia em plena capital russa de Moscou, local de muitos acontecimentos de injúrias raciais. Racismo não escondido. Jogadores negros na atualidade, mais e mais pessoas em antigamente. Ou talvez menos antes sem o advento da globalização dos dias atuais. A globalização que coloca jogadores negros em praticamente todos os times titulares das seleções da Copa, com exceção do extremo oriente, Argentina e a própria Polônia. Outras, se não tem na titularidade, tem reservas imediatos que costumam adentrar nos jogos.

No mesmo horário de término do jogo com triunfo senegalês, uma senhora que aqui é pedinte há bastante tempo retorna em busca de mínimo sustento. Seus filhos já não são pequenos e agora buscam driblar as condições desfavoráveis em busca de emprego ou desviando do mundo mais ilícito de drogas e assaltos. Nada fácil. Frutas e leite e um papo cordial são o que minha mãe oferece à senhora. Um de seus filhos é Romário e, não recordando o nome dela, apenas a lembro como Romária.

Com outros endereços, certamente não são poucas as pessoas nessas condições no município e região. Políticas públicas insuficientes, políticas privadas desinteressadas, procurando apenas por consumidores e não por fazer caridade ou procurando apenas a solidariedade como troca por promoção de carisma e serviços aos olhares dos aí sim consumidores, potenciais clientes. Trocas de favores e espelhos. Reflexos e vitrines.

Em outras cidades gaúchas, incluindo Pelotas, como estão os imigrantes senegaleses? Um momento de cessar o trabalho ambulante, as vendas nos centros e focar um pouco no jogo, na ginga. Um resultado favorável, uma vitória consistente. A alegria nos olhos e nos corpos. Vencer o preconceito é uma batalha muito mais árdua, mas que tal esse tapa no frio, tapa aos que oprimem, deixam mal vistos os imigrantes de hoje, esquecendo suas raízes italianas, alemãs e de outras etnias que um dia foram imigrantes, estrangeirismos nessas mesmas terras.

Numa primeira rodada em que a Alemanha perdeu e numa Copa em que a Itália nem está, a vitória imigrante do Rio Grande do Sul na estreia da competição foi senegalesa. E são tantos os homens e tantas as mulheres, tantos os descendentes, mais diretos ou de povos passados do continente africano, tantas as histórias de linhas torcidas a procurar seus triunfos no dia a dia nesses lados do mundo.

12 de junho de 2018

é é é

sai, sai da toca
olha a música que toca
sai, sai da toca
olha a música ecoa
sai, sai da oca
outra vez é hora boa
é a copa

sai, sai da toca
vem ver
é carnaval na rua
é barulho de motoca
tanta gente na rua
tanto bloco que embloca

a música que entoa
é tema e ninguém troca
o canal emissora
é o que tem e ninguém troca

outra vez é hora boa
é a copa
é a copa

meios

quando não sei por onde começar
começo pela poesia
ela é o início
o fim, o meio
no meio de tanta agonia

preocupações

são tantas tantas antas
tantas tantas preocupações
que não sei por onde começar
a me preocupar...
em um passado
fui católico
hoje sou caótico

6 de junho de 2018