O churrasco estava por acabar. Alguns convidados, possivelmente os familiares, reuniam as sobras em recipientes para seguir com eles em viagem, no pensamento futuro de novas refeições. Isopor, plástico, isopor, organização, cabe mais um, leva você, pode levar. Aperto de mão, abraço, dois beijos, talvez um só, um aceno à distância. Era o crepúsculo da festividade. Preparava um breve discurso, mas o ex-colega, na atualidade de formando, de formado e de anfitrião tinha mais convidados. Mal consigo pronunciar o lead do que eu queria dizer. Considero bastante as oportunidades de desenvolver tarefas que ele me deu ao longo do curso de Jornalismo. Hashtag gratidão.
Esperava por mais recém ex-colegas no churrasco, que até o mês passado eram colegas de curso e de classes que deixamos para trás no findar de abril. Sobravam eu e um casal de ex-colegas. Ele terminou o curso no mesmo prazo que eu. Antes de começarmos a trajetória em 2013, foi uma referência vê-lo pelas redes sociais como um redator de renome na internet. Ela, por sua vez, tornou-se parceira dele em maior tempo que a duração de nosso curso. Logo no primeiro ano de ingresso estreitaram relação. Após dois semestres cursados conosco, ela seguiu para outro rumo de carreira acadêmica, mas o casal manteve-se e desfrutariam da simpática carona de meu pai pela primeira vez, se não me falha a memória.
Durante o período de Jornalismo, meu pai me acompanhou em idas e vindas, de maneira que muitos dos colegas em maiores ou menores graus de amizade e reconhecimento à minha pessoa também foram agraciados com a poupança de dinheiro de ônibus, de maior segurança ao trajeto ou de simplesmente poupar cansativas ou arriscadas caminhadas.
Antes que a camionete de meu pai deslizasse prateada sobre as areias do bairro da praia, conversávamos o que chamaríamos de últimas resenhas. No tom de despedida, o ex-colega confessou o sentimento que lhe atingiu em cheio nas palavras do anfitrião da festividade. "Só senti que acabou quando me perguntou se eu ia na aula amanhã." O tom sarcástico de nosso ex-colega, anfitrião e então já ex-anfitrião da tarde foi uma paulada que me atingiu, mesmo tomando conhecimento das palavras somente em compartilhamento do outro amigo. Realmente nos dávamos conta: não haveria mais aulas.
As fichas caem aos poucos. Levo comigo essa dentre poucas certezas que nos cabem em bolsos e na alma. As fichas demoram a cair em relação à morte de um parente ou de uma pessoa próxima, um amigo ou uma amiga. Demoram a cair. Demoram a cair as fichas das trocas de emprego ou de cidades. Demoram a cair as fichas das etapas que concluímos e que dão início a novas etapas. As promessas de reencontros quase sempre são vazias. O afastamento das pessoas que faziam parte da etapa concluída é praticamente inevitável. Os mais otimistas talvez colham pedras para replicar esse trecho que escrevo, mas realmente trata-se de mutações, transformações e adultérios no caminho. E as mudanças de caminhos e de calçadas requer mudanças nos ciclos e nas pessoas presentes neles.
As despedidas são veladas como são veladas as palavras que tomam um recorte comum. Nos velórios, os pesares, os pêsames, os sentimentos e consentimentos em relação aos mais necessitados de conforto espiritual na hora. Nas festas de troca de ano, os desejos de próspero (palavra que só se utiliza em réveillon), bem sucedido e estimado ano pela frente. Assim como os populares "parabéns e tudo de bom" nos aniversários.
No espaço que trafega na minha mente, via pela estrada de concreto que liga a praia ao centro e vice-versa, como se aproximava o destino final do casal, que dividia comigo o banco traseiro da camionete, enquanto meus pais ocupavam os lugares à frente. Estava na hora de saltar. No breve discurso que novamente ensaiei no silêncio absorto de meus pensamentos, consegui dizer ao companheiro jornalista quando eles desceram do carro: "nos vemos por aí", ou coisa parecida.
O domingo desses términos de etapa concluída trazia o anoitecer, que é mais veloz nas proximidades do inverno. O azul toma conta em tons mais acinzentados, meio leitosos. O pouco que sobra de luz é como uma recoberta camada amarelada que não tarda em sumir e trazer de vez a escuridão. No anoitecer daquele domingo ainda acabou a sequência dos títulos gaúchos do Internacional, com o Esporte Clube Novo Hamburgo sendo campeão do estadual pela primeira vez em sua centenária história. O domingo dos términos marcava novas etapas. Novas etapas que demoram a nos esclarecer as coisas que ficam e que saem. As pessoas que ficam e que saem. Como demoram as fichas a cair de que o Internacional teria pela frente sua primeira participação na Série B e o Novo Hamburgo poderia enfim degustar sua primeira conquista de tamanho renome. Términos e inícios.