3 de maio de 2024

Compasso de Espera (1973)

"Toda nossa existência não passa do instante em que a lâmpada se queima em meio a esse infinito."

"Só lhe importam duas coisas: as composições artísticas e o que pode fazer pelos outros."

26 de abril de 2024

Domicílio Conjugal

O trabalho obrigatório poda a criação liberta. Tive que guardar umas poucas coisas antes de deitar para escrever essas linhas e quase perdi totalmente a vontade. São 3h35 da manhã nesse exato momento. Acabo de assistir ao filme Domicílio Conjugal, com Jean Pierre Leaud e Claude Jade. Direção de François Truffaut, um dos favoritos da casa.

Estou na residência dos meus pais. Fechei a janela do banheiro porque minha mãe achou corretamente que poderia encarnar vento e do banheiro a corrente de ar bater as portas do meu e do quarto deles. Cheguei a escutar algo assim hora atrás. Ela correta. Também procurei dar descarga silenciosamente agora, o que é impossível, mas na minha cabeça eu tento. 

Minhas meias e minha cueca apertam minha circulação e parecem danificar mais ainda meus nervos e músculos. O que será do meu futuro? Procurei e a bela dentucinha Claude Jade morreu em 2006. Isso é há muito tempo. Jean Leaud ainda não foi embora, mas tem 79 anos e irá. Eu sinto muito mesmo. Percebo ao beber água na cozinha, novamente tentando não evocar ruídos, que todos vamos morrer. Pensamento que veio de filme que vi ontem, o nacional Depois a Louca Sou Eu, inspirado em livro da paulistana Tati Bernardi, com atuação de Débora Falabella.

Claude Jade morreu e Jean Leaud vai morrer. Os diretores Jean Godard e Truffaut já morreram. Eu um dia irei. É duro perceber que não darei certo com mais alguém. Na verdade é libertador e solitário. Melancólico e abridor de várias possibilidades de acabar em nada. É confortável e desconfortante. Confortante e desconfortável. É enxergar menos passado do que se pretendia e muito pouco futuro. Até pouco tempo a vida correria para frente, para diante, um horizonte a se desenhar, talvez com um emprego agradável, viagens e novas pessoas a conhecer. Agora estou contagiado pelo vírus da mesmice. Penso em pouquíssimas viagens que eu realmente deseje. Vi no documentário Terras, um trecho de rádio latino-americana anunciar que a maior fonte de renda europeia é o turismo. Quero eu dar dinheiro a mais para essa contribuição em troca de migalhas de aprendizado e satisfação visual ou paladar? Quero eu manifestar minha devoção ao continente que mais expulsou meus antepassados judaicos? Quero eu conhecer os complexos vira-latas da família, em algum lugar entre Portugal, Alemanha e Polônia? Quero eu e eu por acaso mereço?

Não planejo mais grandes viagens, mas pode ser que as venham. Não planejo mais grandes empregos, só se me arremessarem algo do tipo no colo e, veja bem, inventarei poréns para trocar grandes oportunidades e melhores salários (ou não) por resquícios de tranquilidade, evitando correrias mesmo que assim aceite cabisbaixo outras.

E não me vejo mais morando com alguém, dividindo experiências profundas em sintonia. Não acredito no amor máximo, uno, indivisível, burguês e vencedor de uma disputa célebre majoritária. Acreditaria no máximo no respeito e na não condenação ao fastio e ao tédio que engodam, sugam e massacram a vida e o sentimento de estar vivo. Acreditaria em uma união positiva para ambos os lados, sem amarras impositivas contrárias à criação e experimentação, mesmo que essas fossem, em virtude do acordo respeitoso, limitadas ao experimento onírico da bebida e da troca amistosa de conhecimentos. Isso é evoluir. É viver. É positivar a existência ao caminho do aprendizado, dá arte e do aproveitamento proveitoso dos tempos. Acreditaria nessa utopia toda, mas nem nisso acredito. Acredito consumir minha existência através de amargas linhas, amargos dias, misturados a pitadas de bom sabor, cuja ponta da língua identifique e se satisfaça em breves intervalos, antes que o soberano fastio se dissemine novamente.

Acredito tão pouco nas utopias do amor e vou tentando, colhendo flores caídas e espinhos revoltos, tentando me reerguer em novas possibilidades muito desafiantes e escassamente prometedoras. Já nada se promete porque não me engano. Ou justamente me engano porque acredito que mais nada se prometa. Talvez caminhos que eu acredito estarem fechados não sejam necessariamente o fim. Talvez.



24 de abril de 2024

Vale das Bonecas (1967) e Terras (2009)

Acabo de ver o filme Vale das Bonecas, direção de Mark Robson, de 1967. A primeira crítica que leio sobre foi a de entregar a direção nas mãos de um homem. O filme tem total protagonismo feminino, através da história de três mulheres. Ou quatro. O destaque vai para cantora Nilley O'Hara, rejeitada de um musical por uma invejosa veterana, dona do espetáculo em Nova York. Ela busca a carreira na parte oposta dos Estados Unidos, em Los Angeles. Mas seu vício por pílulas vai colocar tudo a perder. É sobre ascenção e queda, o vício, a indústria, a substituição, a obsolescência programada. Pessoas substituíveis e uma engrenagem de espetáculo que não para, empilhando atrizes e atores descartáveis. Aqui a ênfase nas mulheres, substituíveis tão logo passem seus auges, suas mocidades. 

Mulheres que são usadas por homens ricos, por donos dos estúdios, das gravadoras, da programação. Homens que escolhem, apontam dedos quando ninguém os aponta. A crítica inicial ao filme é que o diretor aliviou a crítica para os papéis masculinos, consideração com a qual concordo. Pelo ponto de vista do mostrado no filme, que é baseado em um romance feminino da época (da autora Jacqueline Susann), parece que as mulheres brigam entre si, surtam entre si, enquanto os culpados saem pela tangencial da inocência.

Pois no mesmo dia recebo a fofoca de que duas ex-colegas de escola estão passando pela prostituição em grande centro brasileiro para serem investidoras desse dinheiro na cidade natal delas, no interior. Andam com magnatas, se vendem corporalmente em troca de pequenas ilhas de luxo, talvez carros do ano, quartos de hotel com boas vistas e relógios que custam mais do que minha conta bancária acumulada. Empreendedorismo bonito de rede social, com fotos chiques, roupas da moda, corpos bronzeados e autovenda no açougue aos olhos.

Interessante ter escolhido assistir a esse filme norte-americano na noite anterior a receber essa notícia. Interessante que as mesmas irmãs que agora são empresarias neste ramo aproveitem sua juventude ao passo que recordo criticarem na época uma colegial que já se vendia e usava drogas. Assim imagino outras da época. As que prosperam em carreiras de estudo e devoção a outros trabalhos mais bem anunciáveis são pouquíssimas. O que a tentação e o capitalismo não fazem? O prazer imediato de quem compra, o prazer quase imediato de quem vende e em seguida recebe em troca. Ou até durante. Ou até recebe antes, na troca de promessas. Corridas em carros de luxo, hotéis altos, cafés da manhã, sorrisos brancos consertados, publicações cheias em vidas vazias. O que farão futuramente? Terão história para contar. Ascenção e queda.

A carreira dos holofotes concorridos nos Estados Unidos, os perfis de Instagram com seguidores anônimos. Quem realmente liga para a história que está ali? Quem liga para o abuso de comprimidos, para os preservativos descartados a cada uso, para as pessoas que passam e não ficam sequer para arrumar a cama? O quanto os empresários ligam para suas supostas estrelas, para substituição entre um espetáculo e outro, às vezes entre um show e outro?

Para completar emendo assistir ao documentário Terras, de 2009. Imaginava algo oriental pelo nome da diretora ser Maya Da-Rin. Mas é amazônico. Amazônico na sua essência. As entranhas da floresta. A fronteira entre Brasil e Colômbia, sendo uma das cidades chamada Letícia. Anônimos que fogem de guerrilhas, que vendem batatas, cebolas, artefatos. Indígenas originários, brancos invasores. Quem disse que o modo de vida comercial capitalista é o correto? Quantas gerações de indígenas passaram? Ok, vivendo menos, até os 30 ou 40 que sejam, mas por milhares de anos, enquanto nosso modo de vida industrial acabará em ilhas enormes de plástico nos oceanos, terras e seres para cultivo exterminados, garimpo, gula, egoísmo, extração final de recursos. Nosso modo de vida proposto pelos industriários e verdadeiros capitalistas detentores acabará com o planeta em pouco tempo. Mais algumas décadas, mais tardar século, se não com as bombas, drones e guerrilhas armadas no Oriente médio, Ásia, Europa ou respingos aqui. O nuclear é potente.

Uma indígena afirma que antigamente tudo era compartilhado, enquanto o dinheiro hoje é um modo que cada ajuda, cada competência, cada correspondência entregue é cobrada ou nada feito. É o modo com que aprenderam dos brancos.

Quem está em capacidade de julgar atrizes excluídas e decadentes, prostitutas, indígenas corrompidos, indígenas que participam da corrupção ou dela são somente vítima? Quem está no julgamento de gente que perde o rumo seja pelo desespero da primeira fome ou pelos anseios de diamantes falsos da segunda fome, a espiritual ou só do mundo das aparências?

Certa vez cheguei a me indagar porque alguns poucos milhares de indígenas precisariam de áreas grandes do tamanho de estados, mas imagine a importância da preservação de terras, de natureza e o impedimento da ganância máxima. Por que os originários que tanto sofreram na mão dos brancos em matanças, escravização, imposições religiosas, imposições de costume não podem ter seu espaço de preservação enquanto empresários 1% mais ricos detêm a riqueza de milhões e milhões de nosso povo? Em terras, heliportos, empresas sonegadoras, financiadores de armas, de drogas escondidas e achadas, terras, terras e mais terras. Nós cada vez mais longe de devolver para os indígenas como hoje em dia só propõem da boca para fora, do sonho radiante, esvoaçante e passageiro como fumaça de cachimbo ou em postagens ligeiras de redes sociais. Para onde vamos e quem dá mais?

19 de abril de 2024

Vento do Leste (1970)

Reflexões sobre um filme de Jean Luc Godard. Vento do Leste deve ter esse nome pelos ensinamentos que o comunismo vindo do Oriente, de Chinas ou Soviéticas poderiam passar. Há uma participação do brasileiro Glauber Rocha quando evoca-se o pensamento sobre como é o cinema no terceiro mundo e como se pode tentar superar a representação, essa espécie burguesa.

Também gostei do filme da crítica ao cinema de Hollywood, que vende cavalos falsos como mais verdadeiros que os verdadeiros cavalos. Mostra indígenas falsos trazendo uma representação no público que os falsos sejam muito mais verdadeiros que os verdadeiros. E assim cria mitos políticos de ideologia soberana e imperialista. Os norte-americanos bonzinhos, financiadores e emancipadores. Como no filme Guerrilheiros nas Filipinas, de Fritz Lang, que mostra o grupo norte-americano bonzinho ao libertar entre aspas as Filipinas dos japoneses durante a segunda guerra.

A segunda guerra. O terceiro mundo. Coisas difíceis de entender?

Vim aqui só refletir que:

Sem a revolução estamos condenados a comemorar pequenas vitórias enquanto o mundo se afoga em um atoleiro de merda.

O marxismo resumido em última instância à frase declarada: temos razão em nos revoltarmos. 

O filme anuncia os inimigos das revoluções preteridas à época: combater os donos das produções e os revisionistas que insistem em brecar os ares da mudança e em protegê-los.

16 de abril de 2024

Acho que o mais triste do botafoguense contemporâneo é que recebeu essa herança maldita provavelmente de seus pais e nem se pode livrar dela.

14 de abril de 2024

Em um mundo onde os corajosos fazem a guerra, prefiro ser um covarde.

A eterna dúvida sobre poupar dinheiro para poder morrer com dignidade.


Fico pensando quantos anos aguentarei mais. Concluo que poucos.

23 de março de 2024

Haifa

"Quando você sonhar, é melhor sonhar algo grande, porque quando acordar restará nada."

Haifa, filme palestino de 1995. Direção de Rashid Masharawi, com participação de Mohammad Bakri.

22 de março de 2024

"Pessoas simples serão forçadas a ficarem quietas como uma mera imagem."

"E as imagens são passadas em cadeia, escravizadas umas às outras. E escravizantes."

Ainda sobre o filme de Godard sobre a Palestina.

Como encontrar nossa imagem na desordem de imagens evocada pelo outro?


Aqui e em qualquer lugar, filme de Godard sobre a Palestina, em 1976.

15 de março de 2024

A voz - Flores do Mal P. 209

Rio nos velórios e choro nas festas

Encontro sabor doce nos vinhos baratos que tomo 

E acrescento fatos nas mentiras que conto

Mas a voz consola e diz "mantenha teus sonhos"

Que os sábios não têm tão belos sonhos que os loucos -


Charles Baudelaire

13 de março de 2024

Estrela Solitária

Aguardo de ti a derrota

Como sempre recebi outras 

Botafogo Futebol e Regatas

Assine ao final da ata

O romântico é um fruto que não amadureceu ao ponto do realismo

Capitã Morte

Estás, meu amigo, em pleno esconderijo

Mantém teu segredo assim forte e rijo

Não temas a morte!

Que ela é tema de azar... ou de sorte

Há quem dela escape e por aí viva

Quem bem pilote e deixa nada à deriva

E de bem pilotado é capturado 

A quem caia na rede desse bote

Há enganos e há trotes

Ao final, impiedosa capitã das mortes

Tenho medo

Tenho medo de não amar-te

E perceber que nada amo

Perceber que toda vida

Solamente solidão, engano


Tenho medo à parte

Durante a arte em que atravesso

Um universo à la carte 

Finito só nos meus versos



6 de março de 2024

Versos para cada Versta

Eu alterei a minha própria letra
Eu me processei
Alterei bem mais que duzentos e cinquenta
Versos que eu nem sei

Se cada verso for um universo

Esse verso acabará em Júpiter 

Esse aqui será meio desconexo

Esse talvez agrade os junkies 

Esse nem Jung explicará

E esse não vou ser eu quem meço


Eu alterei minha própria gaveta 

Alterei a gazeta de notícias

Alterei os decretos e as profecias

Por notícias fictícias 


Se cada verso for um novo começo

Esse verso parte de um recesso

Esse outro estará do avesso 

Eu começo pelo fim

Se cada verso for um novo começo

Com apreço eu digo que sim

Esse outro dirá que não

Mas ninguém pediu sua versão 


3 de março de 2024

29 de fevereiro de 2024

22 de fevereiro de 2024

Chuva de Hai Kai

Hai kai 

Metapoesia 

Vai que vai 

Ia ia


Hai kai 

One, two, three, flor 

And five?

No more 


Hai kai 

Nasceu breve 

Logo morre

A ninguém deve 


Hai kai

Se levanta, se apresenta 

Gasta uma linha com seu nome:

Hai kai 

E logo se senta


Hai kai 

Cai na lei da gravidade 

Mas não é grave, é brincadeira 

Voa, ave, ave

15 de fevereiro de 2024

12 de fevereiro de 2024

Percebo que a humanidade são degradações severas. Melhor se adaptam e se adiantam aqueles que percebem isso cedo.

Se levar a sério demais é uma das piores maneiras de enlouquecer.

4 de fevereiro de 2024

1917

Às vezes é difícil deixar sua própria trincheira.


Reflexão ao início do filme 1917, um dos preferidos do autor. Poucos personagens e muitos figurantes, em perfeita ambientação.

31 de janeiro de 2024

Quem quem quem

Quem nos aguenta?

Nós literários

No tempo do glitter 

Quem nos tem horário?


Quem nos lê,

Repensa?

Ou só avança

Imensa 

Distribuição de palavras


Larvas e sementes

Patentes

Registre sua marca

Evite pirataria 


Quem quer receber

"Bom dia"

Quando seu dia já não é bom?

Quem quer receber

"Bom dia"

Somente por obrigação?


Quem quer receber 

Em dia 

Até a ilusão do dia quinto

Um dinheiro tão finito 

Quanto o mito de viver

Sem poesia