Tive problema com legenda adiantada, dessincronizada com este filme. Foi a revisão de Os Carabineiros, de Jean Luc Godard. Terceiro filme revisto para essas interações, após Acossado (1960) e Viver sua Vida (1962). Por ordem cronológica, outros filmes de Godard também foram lançados em 1963. A escolha pelos Carabineiros como primeiro entre esses se deve à lembrança de ali se tratar de um dos filmes mais leves do diretor francês.
Gosto de citar bastante os nomes dos diretores, dos atores, dos personagens nas resenhas, sem substituir por outros termos. Por que isso? Porque a falta de memória vai abatendo e é necessário dominar a bola sempre próxima ao pé para não escapar, não é mesmo? Controle.
Os Carabineiros é um dos filmes mais leves de Godard porque é bastante cômico, exagerado e não exige muita interpretação. Não possui diálogos densos, não apela para filosofias mais exóticas e/ou eruditas. Pelo contrário - o termo 'pelo contrário' é repetido várias vezes pelos membros do exército na hora de recrutar os irmãos para guerra. Pelo contrário, os Carabineiros é um filme até surpreendente por bastante simplificado tratando-se de Godard e da genialidade à época daqueles diretores. Mas o tempero com que é tratado o filme em cortes e sequências é de respeito, o que torna um de meus filmes favoritos do diretor, sem dúvida alguma.
Menosprezado e pouco afamado, Os Carabineiros conta a história de uma guerra envolvendo um povo dedicado a um rei. Este rei é vangloriado desde o recrutamento, em que membros do exército, os Carabineiros, chegam de carro até uma casa em região inóspita, onde moram, aparentemente, quatro irmãos: dois homens e duas mulheres. Os garotos, através de carta que eles acreditam ter sido enviada diretamente pelo Rei, são recrutados para guerra. Eles nada sabem sobre política, sobre o que é uma guerra e os exageros a partir disso são cômicos. Acreditam que podem atuar como bem entendem, de arma em punho, a roubar, saquear e violar por onde passam. Fundos de verdade em meio a exageros.
Apesar das opiniões trazidas a respeito, ressalta-se que este não é um filme de muitas cenas fortes. O satírico nas mortes e nas intervenções reduz o impacto. Não há como levar totalmente a sério e também, ao ponto de vista desse escriba, ciente do compromisso com o leitor, não há cenas de exagerada violência ou mau gosto, apenas a conduta estapafúrdia dos irmãos que nada sabiam sobre como atuar. A abertura para um livre arbítrio dantesco por parte deles possibilita suas más condutas e mal entendidos que tornam as situações em algazarra. Eles não têm respeito pelos civis. Sempre que cruzam com superiores não entendem bem as ordens, não sabem se comportar pelas cidades por onde passam e ainda há uma cena icônica no cinema Mexico com o irmão mais jovem sem entender como funcionava a reprodutibilidade da arte através da projeção na sala de cinema. Um completo despreparo. Uma patetice.
O filme mescla com acontecimentos históricos, por exemplo as escaladas da Segunda guerra mundial, enquanto o tempo também era de escalada das guerras entre Europa e África, quando as colônias africanas lutavam por independência, descolonialismo e pela busca da formação de países no continente negro. A trajetória do filme, portanto, é uma das primeiras críticas de Godard aos exércitos, suas condutas e objetivos, algo que se acentuaria em filmes mais elaborados como o seguinte, O Pequeno Soldado e um sobre o Vietnã, além do bastante político com tom em favor de ideais comunistas em A chinesa (1967).
A crítica de Godard se deve ao patriotismo, nacionalismo acrítico para formação, "capacitação", e atuação de exércitos no recrutamento de jovens inexperientes, apolíticos e inocentes. Os irmãos vindos do interior dos mais remotos são fáceis de ludibriar, enganar e comprar com medalhas ou quinquilharias. Houve através da carta endereçada pelo "Rei" a formação de um sonho lúdico de enriquecimento, fantasias jovens e de projetar um ideal para bens de consumo sobre a mente juvenil dos rapazes.
No filme Os Carabineiros, a ação transcorre em algumas explosões e na cena da captura da jovem russa em meio a uma floresta. Enquanto a menina, que estava antes disfarçada de soldado, tenta apaziguar os ânimos, cita elementos culturais ruidosos aos ouvidos despreparados dos "carabineiros", estes demonstram total falta de senso com a situação. Não obtiveram uma educação de qualidade e tampouco sabiam pelo que se lutava na guerra, enquanto a menina apresentava ideais muito mais esclarecidos e devidamente enraizados. Godard nunca escondeu suas preferências políticas e, por mais que exagere em alguns momentos, seu cinema, em obras que podem ser analisadas individualmente ou como conjunto de sua obra, resgatam e evidenciam elementos assaz importantes para entendimento crítico de mundo ao longo do Século 20.
Os Carabineiros é um filme bastante menosprezado, desprezado por assim mencionar, pois tem um potencial leve e conciliador rumo aos objetivos da escola que Godard firmou em preparar filmes críticos. 1h20min de cinema que passam rápido, em mais uma obra em que o diretor francês também transmitia o recado de que é possível conciliar leveza com crítica, filmes maduros apesar de sua pouca idade na profissão, filmes com retratos de guerra apesar de pouco orçamento (o elenco é mais desconhecido do que em outras peças) e apresentações bem elaboradas apesar do pouco tempo de rodagem, em tempo inferior às costumeiras 1h30 de tantos cardápios.
Um filme super recomendado, em que é possível rir e questionar absurdos, com inserções à época, elevando-se como um filme histórico, na denúncia dos recrutamentos que ainda são tendência pelos exércitos por todo o planeta. Qual é o papel transformador desses jovens pelo mundo? Qual é o nosso papel orientador em populações desorientadas?
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