10/08/2025

Made in USA (1966)

Apontamentos sobre o filme:

1- as técnicas, sonoplastia, cores, roupas

2- diálogos e exagero com as mortes e armas de fogo

3- a crítica aos roteiros e execuções comerciais de Hollywood

4- as reviravoltas

5- o final sobre o fascismo

Extra: a comparação temporal entre Beatles e o cinema de Godard

Made in USA (1966) é uma das grandes obras de Godard, talvez subestimada frente a outros títulos. A ideia do filmmaker era principalmente desdenhar do cinema comercial e das propostas batidas apresentadas desde a época por Hollywood e os principais estúdios estadunidenses.

No filme, uma história clichê, como não poderia deixar de ser, de um crime, uma investigação, alguma reviravolta. A trama principal é a investigação de Paula sobre a morte de um affair chamado Richard. Para não ficar na mesmice, apesar das técnicas e comicidades que iremos comentar, Jean Luc Godard introduz fatores histórico-modernos na narrativa. O desaparecido/morto Richard era membro ativo e polêmico do Partido Comunista: elogiado por uns, perseguido por outros. Ao começo do filme, a camareira do hotel onde está Paula destaca: se os comunistas tivessem ganho a eleição, seria proibido o banjo. Conflito de classes apresentado.

Godard abusa de diálogos banais com tons forçados, frases repetidas dos clássicos norte-americanos. São falas com frases de efeito, jograis feitos entre os atores, apresentações ensaiadas e um jogo de câmeras que não é comum ao cinema de Jean Luc. A aparição de muitas armas dá o tom da investigação, de uma vida sob constante perigo, contornada e intermediada pela violência e pelas formas self services de resolução, com ou sem a atuação da lei (na intermediação policial).

As mortes desde a aparição de um intrometido no quarto de Paula, quando questionamos, de onde pode aparecer de repente um tipo desses, Paula o executa de forma cômica, com um sapato, em que ela pedia a vítima para escolher a cor da arma. Com sangue em tons muito falsos, Paula arrasta o corpo desse tiozinho, como uma autêntica cena repetitiva dos filmes hollywoodianos. É de se questionar como não cansamos (mas cansamos) de assistir a isso.

Por onde vai, Paula torna-se suspeita, é acompanhada de perto por investigadores e carrega sempre sua arma de fogo. A sonoplastia do filme é interessante, com efeitos exagerados, interrupções sonoras durante falas importantes, signo usado por Godard em filmes vindouros, como Weekend À Francesa (1967), que também será analisado durante esse apanhado de resenhas.

A figuração também é especial em relação ao que costuma apresentar Godard. Como é um dos seus primeiros filmes coloridos, o diretor exagera nas cores vibrantes, nas vestimentas forçadas e desenha personagens com personalidades e diálogos toscos. Uma das cenas cômicas ocorre em um café, em que o atendente, o barman Paullllll (como ele se autointitula) oferece charadas e troca palavras com um bêbado e Paula. A troca de olhares entre Paula e um dos atendentes que aparecerá mais na narrativa também é forçosamente proposital. É de se questionar o treinamento, o pedido e a formulação para os atores, ao invés de parecerem mais reais, como costuma ser, terem de parecer mais artificiais e zombeteiros para com a situação.

Anna Karina consegue manter o nível de suas atuações, como quando desempenhou a srta. Von Braun em Alphaville, filme lançado no ano anterior. Entre cenas mais marcantes do filme, nesses encontros em cafés ou com investigadores e a importância destinada a seus carros, destacam-se mais mortes forçadas, inclusive na brilhante ideia da encenação demorada e dramática até finalmente cair morto, e na ação de criminosos se escondendo entre arbustos e à vista de janelas.

Como apontado no início dessa resenha, a crítica ao cinema comercial e repetitivo de Hollywood é a grande arte e inovação no filme. Uma acidez, uma ousadia, uma elegância para infâmia, para o deboche, para ironia. Essa forma de paródia poderia ter despertado o cinema contra os padrões impostos e enfadonho; bem verdade, se a mesma paródia não fosse podada e totalmente encoberta pelos próprios investidores do que é criticado no filme de Godard. O remédio contra a crítica manifesta é re-elaborar mais antídotos que se sobreponham e silenciem a crítica. Produzir mais, manter a onda que encubra a mancha na indústria. Tanto funciona que a manutenção dos estúdios norte-americanos da produção industrial é soberana sobre as obras feitas pelo crítico diretor politizado.

Godard muitas vezes é um eco solitário contra a selvageria das ações impositoras, imperialistas que cegam linguagens, manifestos e doutrinam pessoas ao silenciamento, ao amanso, ao conhecimento só de uma cota limitada, ao permitido, impedindo a crítica, o questionamento, proibindo-os. 

Na parte final do filme, Godard mantém sua preocupação sobre escaladas fascistas, sombras do que centenariamente nunca deixa a Europa, o mundo. Desde antes do bigode austríaco, até... até enquanto o mundo for mundo. A barbárie, a imposição, as restrições sobre, o controle sobre, a dominância de uma classe sobre outras será sempre o estigma da realidade. Fazem-se adaptações, forja-se um pontilhado ou frágil progresso para aprisionar as classes sociais sob novas arestas, atrás de novas grades. Na parte final do filme, o assombro do fascismo sempre à mostra, ampliado, amplificado ou mesmo velado sobre as práticas do cinema convencional, às vezes brevemente questionado sob a figura de vilões, mas geralmente combatido por indivíduos dotados, especiais, neoliberais no combate. Esperar pela figura heroica, masculina e branca, preferencialmente, combater com suas próprias armas, com o uso e a resposta da violência como providenciais soluções. Vencer a disputa contra "o mal" e dirigir rumo ao pôr do sol ou céu azul com um final decididamente feliz. Sob essa custódia, não criticar os líderes globais, suas empresas e muito menos aos patrocinadores, financiadores comerciais do cinema comercial. Apresentar as marcas e as mensagens subliminares para o público. No final, o produto deve ser a venda sobrepondo-se à arte, ao argumento, à filosofia, às intenções humanas.




Como palhinha sobre a época, estive pensando sobre o ápice da Nouvelle Vague questionadora do cinema de vanguarda europeu enquanto vivia-se a Beatlemania, do rock n roll revolucionário, de pedidos de paz e boas mensagens transmitidas até o esvaziamento cultural do enchimento e preenchimento de estádios para ouvirem-se gritos. Nos Estados Unidos da América, sobretudo. Turnês esvaziadas de significado que passaram a frustrar e ameaçar os próprios Beatles. Tanto é que fecharam-se nos estúdios para produzir música e pararam de se apresentar ao vivo. Vi por aí (ótima fonte essa) que Godard havia criticado a beatlemania enquanto vedetes sem questionamentos maiores. Os Beatles não se pronunciaram politicamente, ou muito menos do que poderiam. Também aponta-se que uma recusa causou o filme de Godard envolvendo os Rolling Stones ainda nos anos 1960, com o especial Sympathy for the Devil. Em rebate, Godard teria questionado os Beatles sobre o sumiço das apresentações e apontado que fazer um show em um telhado era uma inovação e tanto, antes proposta por outra banda.

Se a ideia da crítica de Made in USA é apontar as limitações e sujeições de uma indústria de cinema, sobre os Beatles a crítica de Godard também poderia pairar sobre apolitização, sociedade corrompida a partir da máxima do dinheiro e a idolatria acrítica e descontrolada das pessoas acerca dessa estrondosa mania. Apenas um parênteses sobre dois fenômenos dos mais importantes mundialmente a respeito da década de 1960: as canções dos Beatles (e do rock inglês em geral) e os filmes de Godard (com outras exibições do cinema francês em geral). É possível aprofundar o tema, por exemplo, expressando ano a ano as nuances, contribuições, a forma disruptiva, antagônica ou convencional do papel desses artistas, na aplicação da arte e seu valor: a transformação social. A transformação social vista sob duas óticas: a atingida e a almejada. Um tema e tanto.





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