Esse é o segundo filme colorido de Jean Luc Godard. Desprezo é um filme que tem meu apreço (trocadilhos), também porque foi um dos primeiros que vi do diretor francês. É uma produção mais bem elaborada, além de ser a cores, traz figuras importantes do cinema da época, com a atração da loira Brigitte Bardot e do muito consagrado diretor de cinema Fritz Lang atuando na peça.
O filme relata a queda de um casal, por isso a destruição do amor ao desprezo. As tentativas de conciliação ainda tentam alimentar um fogo não mais ardente. A bem da verdade me interessam mais as peças sobre essa queda inevitável do que sobre a ascensão. Entre o irreal da ascensão e o real da queda, muitas vezes fico com a escolha realista do término. Ok, não ficaram boas essas frases, mas, em resumo, o filme destaca o fim de relações, quase sempre inevitáveis e cada vez mais comuns.
Um roteirista, chamado Paul Javal, sonha escrever teatro, mas precisa de dinheiro. Ele está para aceitar consertar os rumos do roteiro em um filme bastante elaborado. O produtor, Jeremy, é um ricaço que despeja dinheiro sobre a arte. O diretor é feito pelo Fritz Lang enquanto ator. Esse roteirista tem a bela esposa Brigitte Bardot, com o nome de Camille na peça. O rico produtor estrangeiro logo se interessa pela loira. Como estão com o relacionamento em baixa, logo após conhecerem o produtor e o trabalho de Fritz Lang, o roteirista Paul propõe que a mulher possa ir até a mansão do produtor Jeremy, com o proprietário a dirigir seu belo carro conversível, ao lado da loira. O roteirista vai depois, de táxi, "pode ir, não se preocupe". O filme é repleto de falhas de comunicação, muito em função do produtor só saber falar inglês, enquanto o roteirista e Camille falam francês. Uma tradutora contratada pelo produtor, e possível affair também para o roteirista, serve de intérprete para mediar as conversas cheias de desentendidos, silêncios, bloqueios e constrangimentos.
Na memória da primeira vista, as cenas no apartamento do casal, quando discutem sobre a continuidade ou não da participação do roteirista no filme, são bem duradouras. A montagem de cena traz recortes que mostram os bloqueios na relação do casal. Eles seguidamente falam de um cômodo do ap em direção ao outro cômodo. Um vai para o banho, o outro fica na sala. Um vai para o quarto, ela está na cozinha e assim por diante. São poucas falas de olho nos olhos. São assuntos banais que se tornam provocações apimentadas, tentativas de quebrar silêncio. Ebulição que se tornam xingamentos ora mais ora menos sutis. Há muito paralelo com a Trilogia da Incomunicabilidade de Michelangelo Antonioni nesse filme.
Eles tentam reacender esperanças com cenas mais requentadas, posições corporais tentadoras, mas as nuances mostram altos e baixos que atentam para um fim inevitável. Após bastante conversinha entre eles nos cenários set de filmagens + casa do rico produtor estrangeiro + apartamento do casal + teatro para ouvirem gravações de cantora, eles finalmente desembarcam nos cenários finais paradisíacos da ilha de Capri. São algumas das mais belas paisagens possíveis ao cinema.
Em análise, poderia se debruçar inteiramente sobre a mitologia no filme, visto que a gravação de Fritz Lang é para uma apresentação de Odisseia, de Homero. Assim, elementos da mitologia, da cultura grega estão incorporados em imagens e citações durante o filme. Uma analogia próxima ao fim do filme que considero muito interessante é a do roteirista tentar interpretar a milenar obra de Homero com sua situação conjugal. Segundo sua teoria, Ulisses saiu de Itaca para atracar nas guerras porque já era rejeitado pela mulher Penélope. Assim, era melhor dar longas voltas distantes do que estar preso à rejeição em casa. Essa teoria é parcialmente aceita, é uma especulação baseada em histórias conjugais que se repetem e ajudam a tornar atemporal uma das mais clássicas das obras. Enquanto debatem sobre essas possiblidades, eles também passeiam por Capri, trocam palavras em diferentes idiomas quando há interferência dos demais personagens com necessidade da intérprete Francesca.
Após tanta filosofia, debate, remoer feridas, o roteirista vê seu casamento mergulhar como a um penhasco da bela ilha de Capri. Ele chega a seu limite sobre aceitar ou recusar a proposta de milhares de dólares, que serviriam para reforma geral do apartamento e segurança financeira do casal. É um debate moral, racional, emocional, trabalhista e pontuando questões de orgulho. Ele sabe que seu casamento está arruinado e seu trabalho também está parcialmente esfarrapado, pois o seu grande sonho de escritor era o de escrever teatro e não se vender a cinema de qualquer maneira.
O Desprezo é uma obra cheia de filosofia, emoldurada a citações, convidativa à reflexão social desde aquela década de 1960, a convite da Nouvelle Vague francesa, que tomava conta da Europa. Uma reflexão interessante ao início do filme é uma crítica de que o cinema italiano já estava em baixa - pois imaginem hoje. O aumento da possibilidade de escolhas da mulher, a prisão ou a liberdade financeira para servidores da arte, o diálogo cada vez mais global entre os financiadores. A retomada de obras clássicas com releituras a partir do momento cultural do Século 20. Um Fritz Lang até divertido, já consagrado pelo cinema alemão e de entrada forte em Hollywood. Godard investiu pesado para trazer novidades ao seu cinema e foi assim que o Desprezo se tornou o primeiro longa-metragem colorido do maior nome do cinema francês. Revivendo histórias da milenar mitologia grega, debatendo o momento cultural do cinema nos anos 1960 e os problemas conjugais - mais ou menos - clássicos a qualquer época.
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