05/08/2024

Há pessoas que são conforto no mundo quando estamos com elas.


Perder pessoas é perder conforto em um mundo amorfo e vingativo. É perder segurança. É perder quem faria a diferença por mais, com uma palavra, um gesto, mil reais ou um ouvido amigo.

04/08/2024

Desculpe a demora

Desculpe a demora. Estava fazendo contas novamente se o time tem chances de ser campeão. Provavelmente não. Odeio estar certo. Eu falei sobre pensar em outras pessoas, mas a verdade é que estar só a dois, só nós dois, sempre bastava. Quando se tem essa neurodivergência, palavra que sobrevive em mim todos os segundos, mas o corretor ignorava a existência, quando se tem essa neurodivergência, estar sozinho no mundo já basta. Sozinho e com alguma distração. Palavras cruzadas, inventar uma música, um texto, criar jogos mentais que só fazem sentido pra si. Caminhar sozinho. Ser sozinho basta sendo neurodivergente assim. Mas às vezes se quer estar a dois. E eu quis muito dividir a vida especificamente contigo, e foi ótimo. Vou lembrar que foi, que fomos, ou a vida passa a fazer menos sentido do que o pouco que já é. Do que o pouco que me significa - sem ampliar família e olhando somente os ascendentes envelhecerem, olhando para trás, na busca impossível de congelar a idade dos familiares que amamos. Areia do tempo entre os dedos.

É, ali, naqueles momentos, pareceu estar completa a vida. Ou ao menos eu achava estar completa em muitos momentos. Ou eu pensava atingir o máximo de vida que penso conseguir atingir (não dirijo Ferraris, sinto que meus nervos e o colágeno não aguentam esportes radicais, não tenho coordenação instrumental - tantas limitações, que você sabe ou deveria saber).

Faz parte do sentimento também quando o time atinge a liderança. E logo talvez dê tudo errado de novo. E, veja bem, eu gostaria que fosse possível, mas parece que não é possível morar em momentos. Nessas semanas. Nessas rodadas que antecedem o caos.

Por isso dizemos "queria morar nesse momento" (eu digo). Porque é impossível morar em um momento.

Ao menos quando penso na minha vida ainda parece possível separar ótimos momentos. No campeonato de futebol a rodada final vai contar muito mais do que a trajetória até ela.

Ah, que triste paralelo... ao menos se fosse campeão.

31/07/2024

A cadeia

Temo mais a cadeia do que a morte. Tenho isso comigo há muitos anos, talvez desde a infância. Repito, mas não sei se da boca para fora, porque não passei pela cadeia nem pela morte. Por enquanto, mantenho minha opinião.

Assisti a dois filmes em sequência sobre a temática. Não sabia que eram relacionados. Ou possivelmente relacionados. Assisti a Os Miseráveis (1935), de inspiração do livro francês de Victor Hugo. O autor designa que enquanto houver pessoas condenadas a pagar mesmo após suas condenações, condenadas a serem eternas presidiárias, a história se manterá atual e justificada. Por isso é um clássico.

Jean Valjean de Os Miseráveis roubou um pão para alimentar sua miserável família e foi condenado à pior prisão possível. Sem fiança. Sem novas chances. Após fugir e ter nova chance concedida por um sacerdote, ele prospera e adota a filha de uma empregada que era explorada em seu trabalho. Mas o passado do lorde acaba vindo à tona e ele se torna procurado pela dita justiça. A perseguição nunca termina. As lutas grevistas por direitos atravessam o filme em uma nova geração, capitaneada pela filha adotiva de Jean e o affair por um protestante. A temática gira em torno do julgamento severo e rotulatório sobre um apenado por um crime de básica necessidade: o direito à alimentação.

Em Whispering Pages ou Páginas Ocultas do diretor russo Alexander Sokurov, o jovem andarilho errante admite ter assassinado a velha de uma das ruas pela qual circula. O filme de 1994 dialoga com o clássico russo Crime e Castigo de Fiodor Dostoievski - perdoem a grafia que nunca sei como o cito nessas páginas.

O filme mais recente trafega a contagotas por paisagens urbanas inóspitas, com o cinza, a miséria e a pobreza em abundância. Confidente, o jovem tem num dita irmã a anunciação de ser o autor da morte da idosa. A conversa entre eles circula por temas como religião, culpa, o crime e o castigo do título da obra em prosa. A irmã, religiosa, pede que ele se ajoelhe e se confesse perante a sociedade. Ele debate com a mulher: "você reza a Deus, mas o que ele faz em troca por você?".

O sentido vaga pela desorientação e desesperança do jovem desclassificado, pobre, de andar errante, porém inerte. Não há a mostra do crime em si, apenas a confissão e as incertezas de como sobreviver, independente do assumir de um óbito ou não.

Os cometimentos criminais são distintos nas histórias, nos livros e filmes. Livros que ambientam filmes. A justificativa de Jean Valjean é mais fácil de assimilar, de defender, de revoltar por seu destino implacável em perseguição trágica que lhe impõe a dita justiça francesa. O crime que Raskolnikov comete no original dostoievskiano também pode contar com a justificativa imputada, atribuída, mas a aceitação é conversão mais duvidosa perante os conhecedores da trama.

Independente do cometimento, como nossa sociedade lida com essas forças, com esses tabus? Que respostas damos e são aplicadas? Como julgamos a todo curso os delitos passados? Que tipos de sombras nos percorrem e muitas vezes nos nocauteiam com o passar dos anos? Quais pães roubamos e velhas assassinamos e de que formas pagamos no cotidiano? Como se comporta a Justiça que a uns ladrões de galinha (ou pão) deveras condena enquanto magistrados, desviadores, latifundiários, corruptos, ocultos por laranjas, sonegadores permanecem imunes? Quantos Jean Valjeans ficam em cárcere por pequenos julgados delitos, quantas senhoras burguesas permanecem recebendo aposentadorias diante da fome marginal? Quantas justificativas podemos atribuir a cada um deles? E a nós mesmos.

29/07/2024

Meu destino não tenho dúvida

É o pior possível

Metade mereci, metade escolhi

Fogo do inferno cozinha lento

Pra destruir pantanais

Temos tempo

Amadurecer

O que é amadurecer?

Aprender a usar baionetas, limpar fuzis, operar mísseis e drones

O que é amadurecer?

Aprender sobre a dose de drogas, miligramas, veias, narinas, santas ceias 

O que é amadurecer?

Ler sobre teorias que nunca precisarei usar na vida a menos que me perguntem especificamente sobre em ocasiões extremamente específicas.

O que é amadurecer?

Enterrar os próximos, os ascendentes e, na pior das injustas hipóteses, os descendentes.

O que é amadurecer?

Aprender como funcionam as burocracias, os mercados, tirar dinheiro de pobres, emgambelar em papeladas, passar os pobre coitados inocentes para trás na mais legítima rasteira.

O que é amadurecer?

Que ainda não dei provas de ter. Amar durecido.

26/07/2024

 


Jean Luc Godard sobre a repercussão positiva de seu primeiro filme, Acossado, e a necessidade do filme seguinte voltar sua vontade de fazer cinema. Desse sentimento surgiu O Pequeno Soldado (Le Petit Soldat, 1963), sobre um espião de motivação confusa durante o período da Guerra da Argélia pela Independência.


Depoimento publicado no documentário Godard Seul le Cinema (2022), direção de Cyril Leuthy.

22/07/2024

"Sua essência se revelará justamente quando deixar de buscá-la"

Witold Gombrowicz, escritor polonês que se exilou na Argentina. Nota-se que a busca muitas vezes seda, cega a verdade, a verdadeira essência. Um olhar para dentro mais válido que o olhar ao exterior.

No trecho, o autor criticava a busca dos argentinos por sua própria identidade, muitas vezes voltados para Europa. Esquecer a Europa, segundo o polonês, seria fundamental para o encontro dos argentinos consigo mesmos. 

Entre a sedução da ordem e o desafio do caos


Maurício Salles Vasconcelos sobre o escritor Sebald

21/07/2024

Fogo, eu te amo - Fogo, eu te amo, meu amor

O meu sangue ferve por você. Botafoguense Sidney Magal, a constar. Quanto mais penso no Botafogo, mais aprecio. Mais ele me cativa, me envolve, me obriga. Talvez se esconda algum desejo de ser meu pai e o que na vida dele deu certo - e não poderei ser, nem desfrutar. Como ninguém pode, exatamente, ser igual ao pai, por mais que se aproxime disso, ou até seja obrigado, igual família de médicos ou advogados ou donos de alguma empresa. Mas o Botafogo.

O Botafogo tem uma identidade visual que, como vim a saber da preferência do falecido narrador Silvio Luiz, foi uma paixão por ver o escudo que quase o obrigava a pegar no colo, querer cuidar dele. A estrela solitária, que ostenta e persegue. Parece que viveremos eternamente de 1995, meu ano. Solitária. Um pesar tremendo que Sílvio Luiz, que narrou tantas glórias de tantos times tenha morrido sem uma nova chance do Botafogo campeão. E assim são tantos. Beth Carvalho e por aí vai. Zeca Pagodinho, pegue leve, meu aclamado e autodiagnosticado pé frio.

Silvio Luiz faleceu sem essa nova chance. Lembrarei sempre. Penso em meu pai e a única conquista que gostaria de ver ao lado dele. Se pede mais nada. Estamos sempre distante desse objetivo. Quando realmente estávamos longe, parecia mar mais calmo, resoluto, acostumante, mais quieto. Agora o coração salta aos trabucos. O sangue ferve por você, desordenadamente.

A identidade visual do Botafogo, o símbolo, a estrela, a simplicidade, as cores, a ausência de cores, o negro e branco de tantos atores de sua história. Talvez nenhum clube mais literário e cinematográfico no futebol brasileiro. E mundial? Não nos subestimemos, meu bom Brasil, país do futebol muito pelas crias daquele bairro carioca. Insistem chamar de bairro. Pois que chamem. Belo bairro de Botafogo e sua eterna parede de ídolos, que jamais esquecerei ter visto em 2015. Tantos eu soube identificar e outros que, por estar passando rápido de táxi, eu nem soube ou saberia identificar mesmo nos dias de hoje.

Botafogo das histórias de vida. Heleno de Freitas, Leônidas da Silva, diamante negro, Didi das folhas secas, Zagallo e seu número 13, Mané Garrincha, de pernas e linhas tortas, algumas das piores possíveis para essas páginas. A vida. Nilton Santos, atual estádio. Goleiro Manga dos dedos tortos que lhe sobraram. Amarildo, Carlos Germano, Maurício, Wagner, Mendonça, Gonçalves, Pantera, Tulio das Maravilhas, rei do Rio, sim, senhor. Jefferson, Loco Abreu, Seedorf, Gatito, filho de Gato Fernández.

Por que cada tímida conquista soa tão épica? É sempre tão difícil? É sempre tão duro? É sempre tão sofrido? Personagens que crescem nisso, Joel Carli?

Um clube que se apequenou e renasceu. E segue sofrido. E segue sofrendo. E me obriga e me conquista a sofrer com ele. De tão literário e cinematográfico, que estou lendo Godard, Godard gostaria de ter visto o Botafogo. Botafogo foi campeão em Paris. Botafogo dos cineastas, das situações, de filmes, de Stefan Nercessian, irmãos Salles, Cacá Diegues.

Obviamente nas páginas e telas seriam narradas mais derrotas. Virada para o River Plate. Ser roubado pelo Figueirense em 2007. A maior derrocada da história de um campeonato de pontos corridos - ao menos onde há refletores que assim registrem, como aqui inevitavelmente registro. Perder três campeonatos seguidos para o Flamengo para vencê-los de Cavadinha. Não é tão fácil assim executá-la, viu, Messi? Messi que teve pênalti desperdiçado contra Jefferson em um Argentina x Brasil.

Seedorf ser campeão sobre o Fluminense. Mesmo que tenha sido em Volta Redonda ou outro estádio menor. Tomar seis do Vasco e vencê-los depois na final, no mesmo campeonato. Acompanhar os maiores dramas, como o passado com Tiquinho Soares, que perdeu o pai. E eu medroso de perder tão logo o meu.

Ver a vantagem histórica sobre o Flamengo se esfacelar - e o pior, eles passarem o ódio antigo de pai para filho, de avô para neto. Cada vez mais flamenguistas, cada vez mais disparidade, cada vez piores nossos números.

Tão breve parágrafo para conquistas, primeiro carioca campeão sul-americano dentro do Maracanã em 1993, primórdios da atual Sul-Americana. São quatro os Rio-São Paulo, mais duas copas interestaduais dignas de recheio para citações. A Taça Brasil do distante rádio de 1968 também foi a primeira entre os cariocas. Depois, como eu disse, se vive de 1995. Livro, camisas, memórias. Eu nos braços de meu pai. Torneio Carranza. Limpa a garganta. Vencer o Barcelona já venceste. A Juventus também. Peñarol, Santos com gol impedido para amenizar tantas desgraças de diferentes anos e arbitragens. Enfrentar o Flamengo... Ok, isso já foi dito. 21 Campeonatos Cariocas, estar para trás da Portela, como dizem (gosto da Portela, mas até isso vira piada) e uma Taça Cidade Maravilhosa para coroar o ano de 1996.

Em seguida, após o Rio-São Paulo ali por 98, já vem mais desgraça, lotar o Maracanã para ser vice para o Juventude das Parmalats. E hoje uns que mamavam assim mamam em outras fontes. Faz parte será? Aquele, em 1999, foi o maior público da história da Copa do Brasil. Mais de 100 mil. Não deve se repetir. E perdemos. Tu hoje, Botafogo, acumulas os recordes bonitos mas inúteis de maior sequência invicta do Brasil- Flamengo te tirou e tu tiraste a do Flamengo, no mesmo número, siameses de ocasião. Foste 3⁰ colocado invicto em 1977. Chupa Inter de 1979! Tem a maior goleada da história do futebol brasileiro, pois o time da Mangueira é quem viu entrar. 24 gols. E, nessa mudança, tempos distintos, momentaneamente conta com a contratação mais cara do futebol brasileiro. Quanta coisa distinta! Números e histórias.

Um carinho que mais me toca é sempre lacrimejar ao lembrar que na nossa identidade visual o mascote Biriba foi um cão que existiu. Ele às vezes é manso nas imagens, às vezes selvagem. Biriba existiu, entrou em campo e o Botafogo venceu. Foi mascote. Adotado, símbolo, querido e morreu como todos os cachorros morrem. Mas ainda afirmam na história que morreu cego. Isso me faz chorar. Mas tu, Biriba, Biribão, Biricão, não és esquecido, és o cão mais lembrado do Brasil. Símbolo de uma nação. Não a maior, longe disso, mas de escolhidos como foi aquele cão carioca, de estrela solitária em pelo e caminhada errante e decisiva.

Talvez sejamos todos Biribas perdidos. Meu falecido tio que pesquisei quando foi que o Botafogo venceu no Beira-Rio e ele estava lá, quietinho, solitário e que saiu vencedor daquela partida. Tentei repetir teu feito, saudoso tio. Vencemos aquele jogo em Porto Alegre, mas não a guerra general. E aqui estamos, ainda biribas lambendo as feridas. De camisa eleita a mais bonita do mundo, de símbolo que também já foi eleito, pegando em remos, caindo em águas, afundando, ressurgindo. Lutando. Não escolhendo assim lutar, mas já sendo escolhido. E ainda, ao que me consta, ainda, pobres almas, não desistindo. Fogo.

19/07/2024

Queria narrar todas as bobagens de minha vida

Queria narrar todas as bobagens de minha vida. Utopia de apreender momentos, pela memorização, pela captura e o aprendizado. Pelo não esquecimento, desfalecimento da memória. Também pela ilusão de que alguém liga para isso tudo.

12/07/2024

Se eu tivesse duas vidas

Se eu tivesse duas vidas, queria uma só contigo. No que já deu certo. No que foram alguns dos melhores dias de minha vida. No que parecia justificar finalmente porque minha mãe me teve aos quarenta (e um) e os ascendentes judeus de meu pai fugiram da Alemanha menos de século antes do holocausto.

Você aguentou tanta coisa e, para ter como finalidade o que deu certo, eu perdoaria tudo para repetir muitas vezes - o que deu certo.

Se eu tivesse duas vidas e pudesse manejar melhor do que posso agora. Escolher. Na outra vida eu estaria assim, sem pressão, mas à deriva. Sem entender porquê. Por quê minha mãe me teve aos quarenta (e um) e por quê bravo judeu aportou em Santa Catarina? Por quê? Não justifico eu, tremendo fracasso.

03/07/2024

O pior medo

O pior medo é o de escrever, porque escrever é justamente para afastar ou vencer os medos.

O medo do posicionamento, da manifestação.

São Bernardo

São Bernardo (1972)

Direção: Leon Hirszman

Gênero: Drama

Duração: 01h:54m


Gosto de filmes que me fazem encontrar o vazio da vida. Me colocam defronte dele. E São Bernardo é a adaptação do livro de Graciliano Ramos, com passagens do texto escrito recitadas pelo narrador Paulo, personagem principal (?) da trama. Chego agora a colocar em dúvida seu protagonismo pois é a mulher Madalena que revira os acontecimentos na fazenda São Bernardo, em Viçosa, Alagoas.

Paulo subiu na escala social de jagunço a golpista, que havia passado anos preso pela morte de quem insultara sua honra, crime passional comum por aquelas bandas. De golpista aplicado, toma por compra a Fazenda São Bernardo e lá estabelece suas leis e seus limites, cada vez mais ilimitados. Cruel, explorador com seus empregados, desconfiado de todos, egoísta ao máximo, pensava na mulher apenas como posse, na procriação apenas por herdeiro, na fazenda apenas por produção, nos empregados apenas como explorados.

Apesar de vivido e antenado aos negócios com seus contatos, nada letrado, Paulo desconfia das teorias, das conversas dos empregados, da relação da esposa Madalena com o professor Padilha. Bem simboliza o medo da ameaça comunista, fantasma comum que assola os produtores e empresariais brasileiros até hoje. Basta que se invoque a palavra comunismo para o delírio coletivo, pior do que barata ou rato em cozinha farta.

Paulo comprou tudo que pôde em vida. Uma fazenda, empregados, uma esposa por proposta salarial mais condizente a ela. Construiu e destruiu. Explorou, sugou e nada para alma colheu. Esfacelamento improdutivo. Solitário por cômodos vazios, casa grande despovoada, relações quebradas, paranoia a tudo que lhe escapa. Noto cenas em que ele aparece como último a saber, com certeza uma das piores sensações humanas. A sensação de passado para trás, de que algo importante acontece a suas costas. E as costas largas do produtor viam quaiquer transformações mundanas com o pessimismo se lhe escapavam o controle. A vida de um despreparado para a posição que ocupava. Um reino corroído pela miséria em volta e pela miséria moral em si mesmo. Um fosso aberto em volta de um castelo em que o isolamento afetava a si. 

A história de ascensão e queda de Paulo. O distanciamento a todos. A desconfiança de funcionários, partidários, padre, letrados, quaisquer. A construção de um fantasioso e ganancioso mundo individual em que ao redor tudo era ameaça a seu umbigo. Uma personalidade desprezível ao mesmo tempo que pitoresca e curiosa, para descoberta dos limites da ganância humana. Uma personalidade que ao final revela o desejo por mudanças, pela quebra da rigidez que já lhe afligia, mas a impossibilidade de mudar sua árida mentalidade ao que passo em que exteriormente o mundo apresentava respiros de possibilidades e transformações além das armas e cartadas sujas. Será?

07/06/2024

Filtros

Vou alternando filtros

E bebendo menos litros de água

Do que deveria

Vou sustentando mitos

Eliminando outros

Aos poucos

Tudo é desequilíbrio mesmo

Alguns fingem 

Ocultando as origens 

As miragens, as esfinges 

Alguns fingem 

Colecionando brindes na lama

Deitando a cabeça na cama

E as pernas no travesseiro

Deixando a mente vagar 

Rápida ou devagar: sem paradeiro

Tenho sede de rimar 

Mas isso já sabes

Hábeis versos sem sentido

Formados como o pão pelo amido

Miolo invertido, tolo e vivo

Consolo a nós constantemente subnutridos 

De alma

Lance o lanche que acalma

Falsa-me o favor

06/06/2024

Com o tempo se percebeu que não há perspectiva de melhora contra os angariados instrumentos de ganância da humanidade. Há mais possibilidades, sim. Possibilidades dos ricos ampliarem seus impérios sobre a pobreza da grande maioria. Resorts em praias, multinacionais que dominam mercado contra os pequenos produtores. Streamings que ditam o que será assistido. Propagandas de spotify e youtube que obrigam, condenam o que será escutado independente da qualidade ou do gosto pessoal do ouvinte do outro lado da tela.

Algoritmos controlam que lerás e, principalmente porque é o meio dessa geração, que vídeos verás. Perdoem se aqui não descarrego novidades ou nem o melhor poder de síntese. Apenas o abatimento que não necessita sequer assistir a uma reunião do congresso para ser completado. Aliás, em Pelotas a Câmara de Vereadores virou notícia pela escassez, pela ausência dos parlamentares. Que futuro?

03/06/2024

Ivan Ilitch

Eu poderia ter escrito muitos livros

Eu poderia ter movimentado muitas cifras

Eu poderia me sentir muito mais vivo

Eu poderia não ter sido Ivan Ilitch


Amy Winehouse era um case à parte

Ela só queria ter escrito músicas

(e cantado)

A indústria deixou Amy maluca

O mundo da música como um todo

É derrotado


Eu poderia ter me esforçado 

Mesmo assim

Há coisas mundiais que eu não teria alcançado

O aquecimento engloba

Leis polêmicas se aprovam

E nós permanecemos anestesiados

Ouvindo Pink Floyd, Oasis

Dançando fado


Literatura russa participa

Da meiuca da minha vida

Tolstoi me destrói 

Dostoievski é mestre

Gogol voa como um belo rouxinol

Em vou em direção ao gol

Ao céu, ao sol...

Eu voo em direções que não atrapalham

O serviço da Interpol 

Navios e farol

Pavios e anzol 

Pais e filhos pelos trilhos 

Milharais, humilhações 

Eu voo no sentido oposto

Da modernidade das construções 

Em direções que causam desgosto 

Aos coachs e aos signos dos leões


Eu espremo os supremos limões 

Os oprimidos espremidos entre as multidões

A limonada é uma charada 

Que não te servem

Mas bem te serviria

Eu poderia ter sido

Eu serviria 

Eu iria onde não foi ido

Eu desviei das flechas dos cupidos

Eu cuspi escarrado escorrido

Eu corri e também fui corrido

Eu

Poderia

Ter

Sido


28/05/2024

As pessoas são as mercadorias alugadas pelos ônibus.

Diminuo a validade da humanidade para me isentar.

Reduzo o valor da humanidade para me proteger.


Como acharem mais bonita a frase*

27/05/2024

Verdade é

A verdade é que as pessoas são ruins. Sob condições de algum conforto, algum poder, são ruins, julgam as outras, se sentem superiores, isso sob qualquer condição, basta ver o que ocorria na favela do Canindé sobre as denúncias de Carolina Maria de Jesus ou quem mais nessas condições ousasse ou pudesse escrever.

As pessoas só parecem melhores quando acuadas, afetadas, contra-paredadas, frágeis, destrutíveis, manipuláveis. Aí parecem boas, dignas de pena. Sob outras condições mais favoráveis seriam as opressoras. Raros são os que não. Será?

25/05/2024

Mais Fragmentos

E o velho lobo do mar disse:

Não sei mais conduzir-me por madrugadas - se é que um dia soube.

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Lavo capas de livro com o suor de minhas mãos.

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A luta dos cangaceiros é um império oco diante do poder do capitalismo estrangeiro.

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Só acha que é especial quem não conhece o resto.

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Conhecer a história da literatura e do cinema faz perceber que todas nossas lutas atuais já foram abordadas e a maioria das lutas silenciadas ao máximo.


20/05/2024

Fragmentos

Sou hipócrita porque tento me posicionar sempre. Quem não se posiciona é mais fácil que não seja hipócrita.

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Meus nervos enviam diferentes sensações para o meu cérebro. Geralmente ruins.

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Há memórias que somente você vai esquecer. Somente você estava lá. Então só você vai esquecer. Os demais nem estavam, nem sabem. Então só você vai esquecer.

19/05/2024

O Sacrifício - de Andrey Tarkovsky

"Com amor e fé, Andrei Tarkovsky" - é a dedicatória ao final do filme de 1986. O diretor russo também em uma passagem da película lisonjeia, exalta o que seja "inocente e profundo". Este é um dos melhores filmes da história do cinema, não tenho dúvida.

Para começar, quem é o Alexander, papel principal de O Sacrifício? Um ex-ator de teatro sueco que conquistou sua esposa assim, mas cansou de representar. E pelo que é visto, no filme também representava o papel de marido, pois eles pouco tinham a ver. Alexander passou a ser professor de estética em universidade, historiador e escritor. Seu amigo carteiro Otto inicia o filme lhe entregando uma parabenização pelo correio, vinda de antigos amigos do teatro. Relembram quando Alexander representou o marcante príncipe Michkin, de O Idiota, de Fiodor Dostoievsky. Também havia representado Ricardo, de peça de William Shakespeare. Tempos passados que Alexander havia superado para viver sua vida refugiado em outras profissões e naquela distante casa de campo. Aliás, as paisagens e o ritmo lento filosófico são marcas fundamentais dos filmes de Tarkovsky. Para os menos pacientes para as mais de duas horas de película, pode-se acelerar o tempo em 1,25x sem medo. Mas as paisagens são de tirar o fôlego. Uma sintonia com a natureza morta viva, viva morta digna das melhores pinturas do naturalismo e realismo russos. Variadas cenas permanecem paralisadas evocando como que aos melhores quadros a que tenhamos conhecimento.

A grande paixão atual do protagonista era o filho pequeno, noviço para idade do ancião Alexander. Na tarde de seu aniversário, o sueco é surpreendido com a notícia de que a terceira guerra mundial estava para acontecer, que as ogivas nucleares devastariam toda a Europa e não haveria lugar seguro. O que fazer? Diante do desespero, Alexander despe-se de todo e qualquer preconceito e, a partir do pedestal mais rasteiro possível, anseia por conversar com o Deus máximo, isso após em início arrastado - como são os belos filmes de Tarkovsky - haver mencionado que nos tempos modernos até rezar as pessoas haviam desaprendido. 

As citações filosóficas sempre constroem os polidos personagens em ação de Tarkovsky. Enquanto estava com o pequeno filho no mato ao plantaram uma simbólica e solitária árvore japonesa - pois o menino era fã do Japão - Alexander debatia sobre os rumos tomados pela humanidade em um monólogo que até a ele entristecera e incomodara. A humanidade avançou tecnologicamente apenas para seu proveito e conforto, mas segue com a brutalidade dos tempos mais remotos. Quem são os verdadeiros selvagens? Quem destrói o outro e o mundo? O sentimento catastrófico trazido por Tarkovsky permeará diversas obras escritas e cinematografia a partir desse tempo. O que se pode fazer em um dia que é transformado de passeio em bosque entre pai e filho, em pleno seu aniversário, para o fim eminente do mundo? E quantos fins do mundo nos deparamos até hoje, diante e entre guerras que ainda não são nomeadas de terceira mundial, enchentes, catástrofes e demais eventos apocalípticos no coração de cada um? Quem está seguro de encontrar as coisas como estavam antes de sairmos de casa? Como agir quando o mundo, quando o jogo, quando a vida muda todas as perguntas e nos exige de prontidão novas respostas rápidas?

Alexander promete o maior dos sacrifícios. Vai mudar radicalmente de vida caso a sua e de seus familiares, amigos, humanidade sejam poupadas. Para isso, o carteiro Otto, diante da prece desesperada do professor, envia a missão destinada a Alexander. O plano de trocar de vida a iniciar pelo sacrifício de seu trágico casamento: a mulher confessava no iminente fim do mundo que era apaixonada por outro. Caso a missão secreta enviada pelo carteiro seja cumprida e a humanidade seja salva, Alexander promete abrir mão da casa, de seu conforto de aposentado em seus aposentos e de qualquer contato com outros humanos. Promete um eterno voto de silêncio, capaz de ultrapassar os limites de qualquer indiano Ghandi. Alexander, um ex-ator em seu papel fundamental para raça humana. E quem de nós nunca se sentiu assim diante das maiores tragédias gregas, no conversar no teti-a-teti com os deuses do olimpo?

A angústia sentida perante o fim dos tempos, a missão calcada em um jogo labiríntico de caça, em que Alexander não pode ser notado pelos demais familiares, em sua fuga, em seu desamparo, em seu desespero. Não vá de carro, Alexander, eles podem ouvi-lo e acabarem com a missão ultrassecreta. Vá de bicicleta. Com a danificada bicicleta do carteiro, entre lodos e barros tal qual um soldado de patente baixa em missões entre as trincheiras.

O filme ainda é cíclico. As cenas de início e final se fundem, se arrematam entre bicicletas e a tranquilidade, inocência do menino perante a natureza. Profundo e inocente como havia a pista de Alexander no início da película, admirado em seus estudos sobre as formas humanas antigas ao longo da História. A humanidade foi profunda e inocente em conhecimentos pelo permear dos séculos. Hoje nunca fomos tão destrutivos, com antigos sentimentos mortais capitalizados pelas armas mais poderosas desse nosso visto universo. Somos capazes sim de abduzir: abduzir a vida animal com a extinção e poder temos também de abduzir a vida humana. Alguns têm a humanidade ao alcance da mão, do foguete, do disparo, do botão.

Só Alexander conversou o que conversou, viu o que viu. E se a humanidade estivesse em nossas mãos, qual seria o tamanho de nosso sacrifício? E nas nossas pequenas vidas, constituintes desse todo, quais os sacrifícios que podemos fazer por um mundo melhor, nem que seja por nós e nossos próximos?

O SACRIFÍCIO (1986)

Direção: Andrey Tarkovsky










18/05/2024

Longe do Vietnam (1967)

Um grupo de diretores franceses, compositores da chamada Nouvelle Vague, fez apontamentos sobre a guerra do Vietnã em 1967.

Enquanto a guerra transcorria na Ásia, debates sobre as imagens e os sentimentos gerados também ocorriam. Segundo as próprias vozes oficiais dos Estados Unidos, era a primeira guerra com uma cobertura completa de imagens, televisão e telejornais. Correspondentes que acompanharam as movimentações do local voltaram zonzos. Uma repórter relata que não aguentava mais o som de motores, helicópteros e bombardeios.

Era a guerra do exército mais rico do mundo contra um pobre país. Uma guerra ideológica. Uma guerra para tentar servir de exemplo a todos que dessem oportunidade para a corrente do comunismo. Um pequeno país campesino se organizando para se defender de toneladas de bombas lançadas diariamente. Um país agrário em sua própria defesa, pois ali os soviéticos não quiseram esquentar a mão no que ainda hoje se chama de Guerra Fria.

Os vietnamitas se organizavam como podiam em suas pequenas cidades e vilarejos. Também tentavam encenações, peças de teatro para distração mas instruções. Foram cavados milhares de túneis e de abrigos individuais subterrâneos. Em caso de alarmes de bombardeios ou invasões, os vietnamitas se escondiam em alojamentos concretados abaixo da terra. Milhares devem ter sobrevivido a partir dessas construções rústicas e muito úteis. Os Estados Unidos eram o exército mais rico do mundo, com equipamentos tecnológicos até hoje para muitos países. Porém, os jovens mandados à guerra sabemos quem são. Não são os de famílias abastadas. São negros, latinos e pobres de estudos atrasados. Esses foram a maioria dos chamados voluntários. Muitas vezes coagidos e esperançosos por um emprego ou algum orgulho para suas chorosas famílias.

Protestos ocorreram longe do Vietnã. Na França  o vice-presidente dos Estados Unidos foi recebido a protestos, cartazes, correria e confrontos policiais. Ignorava os constantes "Go home". Ao mesmo tempo discursava seu discurso pronto de falso bom acolhimento, receptação amistosa e bem sucedida. Ao mesmo tempo os franceses viviam naquela década os confrontos com a Argélia, por exemplo, tema de filmes da época, como O Pequeno Soldado, de 1963, de Jean-Luc Godard.

Recentemente falecido, Godard é um dos que mais aparece em minhas citações. Ele encabeça essa lista de diretores responsáveis pelo drama documentário em questão. Godard afirmou que pensava fazer um filme específico sobre o Vietnã. Pensava colocar sua visão sobre a guerra, uma visão francesa e distante sobre a guerra. Percebeu que não adiantaria e isso é colonizar culturalmente, como os próprios Estados Unidos costumam fazer. Em seu relato, o diretor compara as lutas. O Vietnã em uma luta desesperada para sobreviver e ser seu próprio país, com seu próprio costume e seu povo humilde e simples de sempre. O cinema de Godard e de outros franceses e europeus travavam uma luta contra o domínio hollywoodiano do modo de fazer cinema. Comparações à parte, uns pela sobrevivência direta, outros pelos afazeres em modo de pensar e refletir cinema, para um ganho sim da comunidade intelectual europeia, ambos viviam aquela urgência para escapar das garras norte-americanas. Godard então não fez o filme direto sobre o Vietnam e comentou que era melhor que a visão vietnamita chegasse até eles, até a distância europeia para guerra. Aprender com eles ao invés de impor o ponto de vista sobre aquele distante conflito, que chegava apenas por imagens captadas e editadas para uso pelo mundo ocidental.

Um norte-americano de nome Morrison se suicidou nos Estados Unidos ateando fogo em seu próprio corpo. Foi um protesto pela forma como muitos vietnamitas morriam na Ásia, queimados pelos soldados dos EUA. A esposa concedeu entrevista que não se surpreendeu com a atitude de Morrison, pois era assim que ele reagia ao ver as imagens da guerra. Impotente, mas jamais desinteressado. Suicidou-se em gesto lembrado até hoje. Uma família vietnamita em França deu entrevista sobre o ocorrido, agradecendo ao norte-americano que se sacrificou por eles, pelo seu povo.

Em tempos de refletir quem conhecemos, quem tem fama, sabemos então que o suicida chama-se Morrison. Mas quantos vietnamitas conhecemos? Quais figuras públicas nos chegam ao conhecimento? E os milhares que lá morremos que conhecemos apenas por "os vietnamitas"? Quantas histórias de agricultores, pescadores, motoristas e trabalhadores de construção ou de organizações comunitárias lá foram ceifadas? Em Nova York houve enorme protesto, assim como em outras cidades dos EUA, calculando que mais de 500 mil pessoas foram às ruas pedir pela paz, pelo cessar fogo, para trazerem as tropas de volta para casa. Muitos ainda eram a favor da guerra e devolviam argumentos típicos da direita. Uma luta patriótica pela libertação do Vietnã. Libertação  de quem? Do comunismo? Dos sovietes que nem mais se meteram nesse conflito armado?

E todas essas mortes em nome do domínio, do imperialismo, da economia dos Estados Unidos ao longo do século 20? Por que chamamos guerra fria se tantos morreram? E essa economia dos Estados Unidos que cedo ou tarde seria ultrapassada e hoje chamamos o seu capitalismo de tardio? Valeu a pena?

Cartazes afirmavam frases prontas sobre os ricos ficarem mais ricos e os pobres na pior. É isto que ocorre. Empresas lucram de forma bélica e jovens são postos à morte, entregues a terrenos hostis e desconhecidos, em Vietnãs, Iraques ou Afeganistões. Ou Palestinas. Mais do que isso, esses confrontos em que os apertadores de botão não botam a cara, não saem de suas salinhas condicionadas, ceifam jovens, mulheres, civis, crianças do lado oposto, gerações perdidas eternamente. O Vietnã pontuou que seria resistência. Este era o pensamento nacional, pela sua própria libertação dos yankees, custe o que custasse, o tempo que custasse. A guerra declinava e para os Estados Unidos a desistência foi uma dura derrota. O sentimento nacional dos yankees debilitado, o rabo entre as pernas, a soberania afetada, o saldo sempre em mortes mais do que representado em cifras.

Os vietnamitas dos exércitos improvisados e desestruturados resistiram. Um pequeno país agrário, conhecedor de seu terreno, contra jatos, aviões, tanques e rambos. Um trecho do filme Longe do Vietnã convoca a todos formarem seu próprio Vietnã ideológico. Se você for dos Estados Unidos, lute pelos negros, pelos panteras negras, se você for da Guiné ou da Angola, lute contra os portugueses, se você for latino-americano, lute pela sua América, pela sua gente, pelos seus produtores. Não caia nas garras da dominação estrangeira que tanto tenta interferir e explorar o máximo possível o seu país. O Vietnã foi um exemplo positivo, como defendia o governo cubano, de que era possível resistir, mesmo a um preço tão caro, vidas acabadas pela guerra contra a dominação estrangeira com seu aparato tecnológico bélico.

O Vietnã ainda tão pouco estudado ainda pode ser visto por nós. Como em filmes como Longe do Vietnã, mesmo nós estando distantes. Estávamos distante territorialmente, distantes agora temporalmente passados mais de 50 anos, mas a dominação capitalista selvagem em nossas florestas, nossas cidades, nossas agências de notícias permanece. O que fazemos a respeito? Onde está o nosso Vietnã? Por que Elon Musk doa antenas ao Rio Grande do Sul? Por que o governo Biden doou 100 mil reais enquanto para as guerras em Israel ou na frente ucraniana são bilhões? Que interesse eles têm em ajudar? Ou permanecem esquentando guerras que só são frias porque não são no território deles? Perguntas que devemos nos fazer. Onde está o nosso Vietnã que poderíamos constituir no dia a dia?


Longe do Vietnã (1967)

Direção: Chris Marker, Joris IvensClaude LelouchAlain ResnaisJean-Luc GodardAgnès Varda e William Klein.

Sinopse pelo Filmow: Diversos cineastas da Nouvelle Vague documentam e expressam sua simpatia pelo exército norte-vietnamita, durante a guerra do Vietnã.






17/05/2024

Wim Wenders

Filmes de Win Wenders 

Nem sempre vendem

Acrobatas, luz que apaga

Luz que acende

Pessoas de gravata

Pessoas que ninguém entende

Luzes que acendem 

Dentro da mente

Como em um típico filme 

De Wim Wenders


Alemanha repleta de anjos

No alto das torres e pelos cantos

Acrobatas que não usam cordas

Valores, ideias quase mortas

Como em um típico filme

De Wim Wenders 

Ideias desalojadas mudam de sede 

A vida descoordenada ao que se pede

O lamento, a angústia é o que se bebe

Como em um típico filme 

De Wim Wenders 


Sensibilidade pra entender

Trens e nomes de cidades

Pessoas achadas e que se perdem

Berlim, Wolfsburg, Nuremberg 

Como em um típico filme 

De Wim Wenders 

07/05/2024

Arsèny Tarkovsky

Em O Espelho (1975)

... o destino nos persegue como um maníaco com uma navalha em mãos.

... a agulha veloz da vida me puxa pelo mundo como uma linha (poema Vida, Vida)

03/05/2024

Compasso de Espera (1973)

"Toda nossa existência não passa do instante em que a lâmpada se queima em meio a esse infinito."

"Só lhe importam duas coisas: as composições artísticas e o que pode fazer pelos outros."

26/04/2024

Domicílio Conjugal

O trabalho obrigatório poda a criação liberta. Tive que guardar umas poucas coisas antes de deitar para escrever essas linhas e quase perdi totalmente a vontade. São 3h35 da manhã nesse exato momento. Acabo de assistir ao filme Domicílio Conjugal, com Jean Pierre Leaud e Claude Jade. Direção de François Truffaut, um dos favoritos da casa.

Estou na residência dos meus pais. Fechei a janela do banheiro porque minha mãe achou corretamente que poderia encarnar vento e do banheiro a corrente de ar bater as portas do meu e do quarto deles. Cheguei a escutar algo assim hora atrás. Ela correta. Também procurei dar descarga silenciosamente agora, o que é impossível, mas na minha cabeça eu tento. 

Minhas meias e minha cueca apertam minha circulação e parecem danificar mais ainda meus nervos e músculos. O que será do meu futuro? Procurei e a bela dentucinha Claude Jade morreu em 2006. Isso é há muito tempo. Jean Leaud ainda não foi embora, mas tem 79 anos e irá. Eu sinto muito mesmo. Percebo ao beber água na cozinha, novamente tentando não evocar ruídos, que todos vamos morrer. Pensamento que veio de filme que vi ontem, o nacional Depois a Louca Sou Eu, inspirado em livro da paulistana Tati Bernardi, com atuação de Débora Falabella.

Claude Jade morreu e Jean Leaud vai morrer. Os diretores Jean Godard e Truffaut já morreram. Eu um dia irei. É duro perceber que não darei certo com mais alguém. Na verdade é libertador e solitário. Melancólico e abridor de várias possibilidades de acabar em nada. É confortável e desconfortante. Confortante e desconfortável. É enxergar menos passado do que se pretendia e muito pouco futuro. Até pouco tempo a vida correria para frente, para diante, um horizonte a se desenhar, talvez com um emprego agradável, viagens e novas pessoas a conhecer. Agora estou contagiado pelo vírus da mesmice. Penso em pouquíssimas viagens que eu realmente deseje. Vi no documentário Terras, um trecho de rádio latino-americana anunciar que a maior fonte de renda europeia é o turismo. Quero eu dar dinheiro a mais para essa contribuição em troca de migalhas de aprendizado e satisfação visual ou paladar? Quero eu manifestar minha devoção ao continente que mais expulsou meus antepassados judaicos? Quero eu conhecer os complexos vira-latas da família, em algum lugar entre Portugal, Alemanha e Polônia? Quero eu e eu por acaso mereço?

Não planejo mais grandes viagens, mas pode ser que as venham. Não planejo mais grandes empregos, só se me arremessarem algo do tipo no colo e, veja bem, inventarei poréns para trocar grandes oportunidades e melhores salários (ou não) por resquícios de tranquilidade, evitando correrias mesmo que assim aceite cabisbaixo outras.

E não me vejo mais morando com alguém, dividindo experiências profundas em sintonia. Não acredito no amor máximo, uno, indivisível, burguês e vencedor de uma disputa célebre majoritária. Acreditaria no máximo no respeito e na não condenação ao fastio e ao tédio que engodam, sugam e massacram a vida e o sentimento de estar vivo. Acreditaria em uma união positiva para ambos os lados, sem amarras impositivas contrárias à criação e experimentação, mesmo que essas fossem, em virtude do acordo respeitoso, limitadas ao experimento onírico da bebida e da troca amistosa de conhecimentos. Isso é evoluir. É viver. É positivar a existência ao caminho do aprendizado, dá arte e do aproveitamento proveitoso dos tempos. Acreditaria nessa utopia toda, mas nem nisso acredito. Acredito consumir minha existência através de amargas linhas, amargos dias, misturados a pitadas de bom sabor, cuja ponta da língua identifique e se satisfaça em breves intervalos, antes que o soberano fastio se dissemine novamente.

Acredito tão pouco nas utopias do amor e vou tentando, colhendo flores caídas e espinhos revoltos, tentando me reerguer em novas possibilidades muito desafiantes e escassamente prometedoras. Já nada se promete porque não me engano. Ou justamente me engano porque acredito que mais nada se prometa. Talvez caminhos que eu acredito estarem fechados não sejam necessariamente o fim. Talvez.



24/04/2024

Vale das Bonecas (1967) e Terras (2009)

Acabo de ver o filme Vale das Bonecas, direção de Mark Robson, de 1967. A primeira crítica que leio sobre foi a de entregar a direção nas mãos de um homem. O filme tem total protagonismo feminino, através da história de três mulheres. Ou quatro. O destaque vai para cantora Nilley O'Hara, rejeitada de um musical por uma invejosa veterana, dona do espetáculo em Nova York. Ela busca a carreira na parte oposta dos Estados Unidos, em Los Angeles. Mas seu vício por pílulas vai colocar tudo a perder. É sobre ascenção e queda, o vício, a indústria, a substituição, a obsolescência programada. Pessoas substituíveis e uma engrenagem de espetáculo que não para, empilhando atrizes e atores descartáveis. Aqui a ênfase nas mulheres, substituíveis tão logo passem seus auges, suas mocidades. 

Mulheres que são usadas por homens ricos, por donos dos estúdios, das gravadoras, da programação. Homens que escolhem, apontam dedos quando ninguém os aponta. A crítica inicial ao filme é que o diretor aliviou a crítica para os papéis masculinos, consideração com a qual concordo. Pelo ponto de vista do mostrado no filme, que é baseado em um romance feminino da época (da autora Jacqueline Susann), parece que as mulheres brigam entre si, surtam entre si, enquanto os culpados saem pela tangencial da inocência.

Pois no mesmo dia recebo a fofoca de que duas ex-colegas de escola estão passando pela prostituição em grande centro brasileiro para serem investidoras desse dinheiro na cidade natal delas, no interior. Andam com magnatas, se vendem corporalmente em troca de pequenas ilhas de luxo, talvez carros do ano, quartos de hotel com boas vistas e relógios que custam mais do que minha conta bancária acumulada. Empreendedorismo bonito de rede social, com fotos chiques, roupas da moda, corpos bronzeados e autovenda no açougue aos olhos.

Interessante ter escolhido assistir a esse filme norte-americano na noite anterior a receber essa notícia. Interessante que as mesmas irmãs que agora são empresarias neste ramo aproveitem sua juventude ao passo que recordo criticarem na época uma colegial que já se vendia e usava drogas. Assim imagino outras da época. As que prosperam em carreiras de estudo e devoção a outros trabalhos mais bem anunciáveis são pouquíssimas. O que a tentação e o capitalismo não fazem? O prazer imediato de quem compra, o prazer quase imediato de quem vende e em seguida recebe em troca. Ou até durante. Ou até recebe antes, na troca de promessas. Corridas em carros de luxo, hotéis altos, cafés da manhã, sorrisos brancos consertados, publicações cheias em vidas vazias. O que farão futuramente? Terão história para contar. Ascenção e queda.

A carreira dos holofotes concorridos nos Estados Unidos, os perfis de Instagram com seguidores anônimos. Quem realmente liga para a história que está ali? Quem liga para o abuso de comprimidos, para os preservativos descartados a cada uso, para as pessoas que passam e não ficam sequer para arrumar a cama? O quanto os empresários ligam para suas supostas estrelas, para substituição entre um espetáculo e outro, às vezes entre um show e outro?

Para completar emendo assistir ao documentário Terras, de 2009. Imaginava algo oriental pelo nome da diretora ser Maya Da-Rin. Mas é amazônico. Amazônico na sua essência. As entranhas da floresta. A fronteira entre Brasil e Colômbia, sendo uma das cidades chamada Letícia. Anônimos que fogem de guerrilhas, que vendem batatas, cebolas, artefatos. Indígenas originários, brancos invasores. Quem disse que o modo de vida comercial capitalista é o correto? Quantas gerações de indígenas passaram? Ok, vivendo menos, até os 30 ou 40 que sejam, mas por milhares de anos, enquanto nosso modo de vida industrial acabará em ilhas enormes de plástico nos oceanos, terras e seres para cultivo exterminados, garimpo, gula, egoísmo, extração final de recursos. Nosso modo de vida proposto pelos industriários e verdadeiros capitalistas detentores acabará com o planeta em pouco tempo. Mais algumas décadas, mais tardar século, se não com as bombas, drones e guerrilhas armadas no Oriente médio, Ásia, Europa ou respingos aqui. O nuclear é potente.

Uma indígena afirma que antigamente tudo era compartilhado, enquanto o dinheiro hoje é um modo que cada ajuda, cada competência, cada correspondência entregue é cobrada ou nada feito. É o modo com que aprenderam dos brancos.

Quem está em capacidade de julgar atrizes excluídas e decadentes, prostitutas, indígenas corrompidos, indígenas que participam da corrupção ou dela são somente vítima? Quem está no julgamento de gente que perde o rumo seja pelo desespero da primeira fome ou pelos anseios de diamantes falsos da segunda fome, a espiritual ou só do mundo das aparências?

Certa vez cheguei a me indagar porque alguns poucos milhares de indígenas precisariam de áreas grandes do tamanho de estados, mas imagine a importância da preservação de terras, de natureza e o impedimento da ganância máxima. Por que os originários que tanto sofreram na mão dos brancos em matanças, escravização, imposições religiosas, imposições de costume não podem ter seu espaço de preservação enquanto empresários 1% mais ricos detêm a riqueza de milhões e milhões de nosso povo? Em terras, heliportos, empresas sonegadoras, financiadores de armas, de drogas escondidas e achadas, terras, terras e mais terras. Nós cada vez mais longe de devolver para os indígenas como hoje em dia só propõem da boca para fora, do sonho radiante, esvoaçante e passageiro como fumaça de cachimbo ou em postagens ligeiras de redes sociais. Para onde vamos e quem dá mais?

19/04/2024

Vento do Leste (1970)

Reflexões sobre um filme de Jean Luc Godard. Vento do Leste deve ter esse nome pelos ensinamentos que o comunismo vindo do Oriente, de Chinas ou Soviéticas poderiam passar. Há uma participação do brasileiro Glauber Rocha quando evoca-se o pensamento sobre como é o cinema no terceiro mundo e como se pode tentar superar a representação, essa espécie burguesa.

Também gostei do filme da crítica ao cinema de Hollywood, que vende cavalos falsos como mais verdadeiros que os verdadeiros cavalos. Mostra indígenas falsos trazendo uma representação no público que os falsos sejam muito mais verdadeiros que os verdadeiros. E assim cria mitos políticos de ideologia soberana e imperialista. Os norte-americanos bonzinhos, financiadores e emancipadores. Como no filme Guerrilheiros nas Filipinas, de Fritz Lang, que mostra o grupo norte-americano bonzinho ao libertar entre aspas as Filipinas dos japoneses durante a segunda guerra.

A segunda guerra. O terceiro mundo. Coisas difíceis de entender?

Vim aqui só refletir que:

Sem a revolução estamos condenados a comemorar pequenas vitórias enquanto o mundo se afoga em um atoleiro de merda.

O marxismo resumido em última instância à frase declarada: temos razão em nos revoltarmos. 

O filme anuncia os inimigos das revoluções preteridas à época: combater os donos das produções e os revisionistas que insistem em brecar os ares da mudança e em protegê-los.

16/04/2024

Acho que o mais triste do botafoguense contemporâneo é que recebeu essa herança maldita provavelmente de seus pais e nem se pode livrar dela.

14/04/2024

Em um mundo onde os corajosos fazem a guerra, prefiro ser um covarde.

A eterna dúvida sobre poupar dinheiro para poder morrer com dignidade.


Fico pensando quantos anos aguentarei mais. Concluo que poucos.

23/03/2024

Haifa

"Quando você sonhar, é melhor sonhar algo grande, porque quando acordar restará nada."

Haifa, filme palestino de 1995. Direção de Rashid Masharawi, com participação de Mohammad Bakri.

22/03/2024

"Pessoas simples serão forçadas a ficarem quietas como uma mera imagem."

"E as imagens são passadas em cadeia, escravizadas umas às outras. E escravizantes."

Ainda sobre o filme de Godard sobre a Palestina.

Como encontrar nossa imagem na desordem de imagens evocada pelo outro?


Aqui e em qualquer lugar, filme de Godard sobre a Palestina, em 1976.

15/03/2024

A voz - Flores do Mal P. 209

Rio nos velórios e choro nas festas

Encontro sabor doce nos vinhos baratos que tomo 

E acrescento fatos nas mentiras que conto

Mas a voz consola e diz "mantenha teus sonhos"

Que os sábios não têm tão belos sonhos que os loucos -


Charles Baudelaire

13/03/2024

Estrela Solitária

Aguardo de ti a derrota

Como sempre recebi outras 

Botafogo Futebol e Regatas

Assine ao final da ata

O romântico é um fruto que não amadureceu ao ponto do realismo

Capitã Morte

Estás, meu amigo, em pleno esconderijo

Mantém teu segredo assim forte e rijo

Não temas a morte!

Que ela é tema de azar... ou de sorte

Há quem dela escape e por aí viva

Quem bem pilote e deixa nada à deriva

E de bem pilotado é capturado 

A quem caia na rede desse bote

Há enganos e há trotes

Ao final, impiedosa capitã das mortes

Tenho medo

Tenho medo de não amar-te

E perceber que nada amo

Perceber que toda vida

Solamente solidão, engano


Tenho medo à parte

Durante a arte em que atravesso

Um universo à la carte 

Finito só nos meus versos



06/03/2024

Versos para cada Versta

Eu alterei a minha própria letra
Eu me processei
Alterei bem mais que duzentos e cinquenta
Versos que eu nem sei

Se cada verso for um universo

Esse verso acabará em Júpiter 

Esse aqui será meio desconexo

Esse talvez agrade os junkies 

Esse nem Jung explicará

E esse não vou ser eu quem meço


Eu alterei minha própria gaveta 

Alterei a gazeta de notícias

Alterei os decretos e as profecias

Por notícias fictícias 


Se cada verso for um novo começo

Esse verso parte de um recesso

Esse outro estará do avesso 

Eu começo pelo fim

Se cada verso for um novo começo

Com apreço eu digo que sim

Esse outro dirá que não

Mas ninguém pediu sua versão 


03/03/2024

li Estrela Ruiz

e quem sou eu para ser juiz 

e julgar

mas em mim, em algum lugar

ainda insiste

semente de algum Leminski

Assim

Assim como é 

Assim como foi

Passado não 

Deveria começar com paz