19/07/2019

livro das ruas

Volta e meia ainda recordo as palavras do diretor Nogueira no IF-Sul pelotense, então durante sua campanha para, de professor, chegar ao cargo da direção. Dizia ele que "as pessoas não são máquinas em que você briga com elas e elas funcionam". Pessoas têm sentimentos, particularidades, lado humano. O tapa para funcionar é no controle remoto da tv, no celular ou no computador travados. Ele repetia isso ao entrar nas salas de aula para defender sua chapa em candidatura. Nos discursos, idem. Palavras que marcaram por significado e repetição. E nota-se que até um pensamento bastante simplório para um professor de eletrônica no alto da experiência, referir-se assim de forma categórica e objetiva sobre as máquinas, para que não haja a mínima sombra de dúvida, uma fala ao meio-dia, quando não se gera o sombreado.

Tenho lido bastante o livro das ruas. Escrito por cada um a cada dia. Em minhas caminhadas pelas mesmas ou diferentes ruas, notando os problemas de calçadas, o que os cães ou humanos tratados como cães deixaram para trás. Mais desviando de pessoas do que as vendo desviar de mim pelo caminho para não trombarmos. Questão de demasiada cortesia.

As pessoas se diferem entre elas aos mínimos detalhes, ao observamos as chamadas entrelinhas. Os carros se assemelham muito mais, apesar dos mais aficionados pelo assunto veicular estarem bufando como dragões ao lerem esse último rascunho dado por minha pessoa. Os pratas, pretos, brancos e vermelhos se arrancam ao abrir da sinaleira em cor verde. Esses dias cruzei por um motoqueiro com o visor completamente escuro, nada se podia observar da pessoa sobre a moto, nem de tamanho do cabelo ou se não havia capilares e nem qualquer condição de seu rosto, se era narigudo, tinha algum sinal de nascença e se tinha dois olhos por dentro do capacete. Muito menos a cor das íris.

A pegada destas linhas repete-se a outras em que eu os informava do aumento dos catadores de papel, materiais plásticos e recicláveis em geral. Uns cantando, outros brabos, revoltados com a pouca condição que a vida lhes forneceu e segue fornecendo em pão velho e mastigado a cada dia. Por outro lado, conforme noticiei certa vez na companhia do narrador e não o cantor Eduardo Costa, o dia de hoje estava florido. As mais belas figuras partiram em direção às linhas do livro das trajetórias das ruas. Uma média excelente de quase uma por quadra ou a cada duas quadras, um rico de um dia. Parte-me o coração cruzar-me com uma e, tão logo ao fim da quadra na Andrade Neves, mesma rua em que confidenciei esse raciocínio florido a Eduardo, está uma senhora maltratando seus joelhos em posição de revirar e recolher conteúdos de sacolas antes utilizadas. Ela não tem a dentição completa e sua boca fica solta em uma expressão que a torna rude à primeira olhada. Ela interrompe minha sequência de suspiros internos e retoma o questionamento sobre as páginas manchadas do livro das ruas.

Assim vamos convivendo entre os espaços e ambientes mais floridos, entre banhos bem tomados e perfumes em excesso e entre quem sobrevive das sobras, do fuçar plásticos ora mais e ora menos limpos. Entre barracos em frente aos condomínios, entre pessoas que dormem em calçadas frias enquanto há tantos e tantos quartos e garagens vagas em espaços internos. Entre pessoas que por ora amolecem o coração ao final desse tricô e outras que, se isto estivesse num campo impresso de papel, já teria amassado e jogado fora. Ou mais: chamado-me aos berros em tons insultantes de: - comunista!

Entre cartazes de shows passados, fotos desbotadas neles nas ações de sol e/ou chuva, remamos nosso barquinho de papel, com as bases molhadas mas tentando nos acomodar do melhor modo possível, antes que a destruição de um naufrágio inevitável nos carregue.

16/07/2019

visão seletiva

barracos na frente dos condomínios
domínios privados e fechados
considerados fracos
não tem vez

morador de rua
na calçada fria e crua
hoje era eclipse da lua
não ficou sabendo por aplicativo
viu ao vivo
e ninguém ali viu
que vivia um ser vivo

mas é difícil que seja visto
tipo foto da lua com teu celular antigo
enquanto eu passo por aquele cidadão
colecionante de moedas para um pouco de pão
enquanto isso duas senhoras
pelas grades do condomínio
acionam a tela do celular
dispositivo
da oi, da claro ou até da vivo
estão em outro lugar
que não aqui
e nunca que vão ver
aquilo que eu vi
nunca que vão saber
aquilo que exige
um pouco mais de compaixão
um olhar pro outro
ali deitado no chão
com menos dignidade que um cão
vestido contra o frio
e cagando calçada, cagando outra morada
antes de voltar pro aconchego da sua casa

olhando pra rico com indiferença
título nenhum vai te trazer onipresença 
nem imortalidade
tua boca cheia de formiga
quando bater alguma idade
aquilo que tu fazia com alguma amiga
tá distante esse dia
te sobrou só a saudade
no amarelo do costado da fotografia
e um álbum inteiro de incapacidade
de se repetir
tua grana evita dramas
mas não esse aí

15/07/2019

que seja

coração abatido na outra rede
na sede do que a tecnologia fornece em menu
e acerta a mão que se dirigia à bandeja
então alivia as dores na cerveja
que seja
olha ali
nunca que vou chegar naquela mesa
um metro e noventa ou quase isso
que aquela moça tem de altura
uma escultura francesa
ou de outro povo europeu, sei lá
com certeza
e eu delgado na minha estrutura
fora de combate, surta ou atura
e a bateria do meu celular
acabando, veja só, foi-se a cura
loucura insistir nessa advertência
600 ml por mais de 10 conto
sacou a inflação da referência?
se eu prejudicar o bolso até melhoro
se eu melhoro eu prejudico o bolso
política é outra aventura, não mistura
tua taça com a garrafa do vinho de vovó
ela trouxe de casa pra se aquecer
deixa fazer o que quiser, quase 86, pensando o quê
e eu com pouco mais de quarto da sua idade
com menos do que um quarto pra sobreviver
o que é meu é muito pouco por mérito
de todos aqueles anos de estudo, érico
e querendo hoje mudar o sistema público de ensino
e quieto no meu canto ao mesmo tempo como um pino
esperando a bola de boliche
se eu tiver um quarto é uma cama de beliche
do pagamento de um hostel
que vai me atarefar no que pra mim é alto
preço de aluguel
e eu pensando um bom nome de motel
pra te levar
e querendo parecer mais natural
do que vai soar
a campainha de outro dia
da ressaca de ontem à noite
um açoite é o frio do inverno
no cobertor que me protege do matadouro
entre meus dramas e meus pijamas
antes de me enfiar na jaqueta de couro
bora pra mais um
sem arco íris e nem pote de ouro

30/06/2019

Do desjejum ao almoço

Toma o seu café em local próximo da vitrine do estabelecimento. É uma mesa de canto, o assento em boas condições, aqueles estofados, infinitamente mais confortáveis do que os bancos altos atrelados ao balcão. Os bancos altos, que fazem os homens e mulheres se assemelharem a pássaros num poleiro, são para os clientes com pressa, pequenas almas desgraçadas por intervalos ínfimos, obrigados a consumirem o café ainda em temperatura pelante, amaldiçoando sobretudo os de camadas finas nos lábios ou sensíveis na língua e nas gengivas.

Mas ele não era desses. Se não tinha todo o tempo do mundo, ao menos possuía o suficiente para procurar aquela mesa do canto, quase sempre desocupada, porque a tolerância em relação ao seu tempo fazia com que ele chegasse cedo e logo se acomodasse. E dali ficava a espiar o movimento, o chamado vai-e-vem de pessoas. Os pobres pássaros nos poleiros, desconfortáveis em calças apertadas e pés que não tocavam o chão, folheando jornais que passavam de dedo em dedo. Isso lhe parecia muito anti-higiênico. Por isso também gostava de conservar o mesmo lugar e trazia o seu próprio jornal. Os três reais não eram problema para ele. Aliás, nem pegar táxi, mesmo com a alta dos preços, se tornava ruim para ele. Preferia pegar táxi, porque os veículos do aplicativo uber deixam registros e pistas demais. Tudo bem pagar um pouco mais caro, não é mesmo? Se bem que geralmente usava seu próprio carro, um Corsa pouco chamativo.

Ele abria o jornal e o esparramava sobre a mesa. Obviamente que a esta hora já havia sinalizado ao jovem rapaz ou à moça do cabelo preso sobre o seu café, que sorria ao pedir. Metódico, ele contabilizava quantas vezes chamava a cada um por mês. Era fim do mês e o placar contabilizava um largo score de 17 a 8 em favor da moça do cabelo preso. Ele ficava imaginando como ela era de cabelo solto, mas quando ela deveria soltá-lo ao fim do expediente, ele já estaria longe. Estaria em seu bairro e na sua casa, nem zona sul e nem zona norte.

O jornal. O jornal por vezes ficava como um mapa do tesouro debruçado de ponta a ponta da superfície quadrada da mesa. Outras vezes servia para praticamente ocultar-lhe o resto para os demais. Era muito vaidoso e às vezes estava com vergonha de sua aparência, ou simplesmente acordara mais estranho do que cordialmente e preferia esconder-se mais do que naquela mesa de canto.

A obsessão. A obsessão por suas escolhas também poderia ser um satisfatório motivo para começar as ocultações logo cedo. Literalmente cedo, nem nove horas da manhã. Podia ler e, com sua boa memória, decorar trechos e trechos do periódico até o intervalo do trabalho da candidata do dia.

Se o placar servil do mês era favorável à moça do cabelo preso, o placar de moças versus rapazes nas escolhas que ele fazia com os olhos sobre o jornal ou enquanto palitava os dentes dava vantagem muito maior às fêmeas. Mas de vez em quando encontrava algum potencial amigo e largava o papo sobre futebol ou política, seus assuntos preferidos, atraindo a atenção de algum homem solitário. De futebol ele sempre gostou e trabalhava com isso havia anos, inovando agora com gravações diretas do seu celular. Era um rosto até bem conhecido com suas bochechas que tornavam a face extremamente saliente. Sua paixão era o telejornalismo, mas, a exemplo da mesa do canto e jornal que usava como trincheira e passatempo, não queria se expor demais, então ficou com a voz do rádio e a cara restrita para os meios virtuais. Acreditava ter espectadores jovens demais para serem suas escolhas tramadas na cafeteria: potenciais encontros íntimos ou amizades por acaso.

Claro, quando em vez aparecia algum jovem e o chamava pelo nome, algum assobio, sempre que chamavam atenção demais arrancavam algum grunhido seu de desaprovação, mas ele gostava da fama simpática e então atendia a pessoa e trocava até uma ideia. Se a pessoa insistisse com o assédio ao profissional ele inventava alguma desculpa, olhava o relógio e dizia que tinha que ir, engolia o resto do café, se houvesse, e partia, lamentando um dia de plano perdido.

Mas vamos passar aos planos efetivos. Passada a página 11 do periódico, já deveria ter traçado a escolha do dia. Seus botes eram precisos, invejáveis a muitos funcionários do ramo ilustrados em livros ficcionais de Agatha Christie, Patricia Highsmith ou Ross Macdonald. Comunicador nato, era bom de papear e convencer. Não fosse a posição confortável que adquirira com o passar dos anos, poderia estar bem encargado de vendedor em alguma empresa de alarmes a planos funerários.

Essa para ele era boa: planos funerários. A verdade é que se aprochegando da pessoa para puxar seus ora descontraídos, ora incisivos assuntos, checava se ele era ou não conhecido da escolha. Obviamente preferia não ser reconhecido, pois vai que abram a boca por aí dizendo que ele chegou puxando assunto e já estaria muito íntimo. "Nem acredita, Fulana, ele quem tomou a iniciativa e já estamos nos seguindo nas redes sociais."

Redes sociais. Preferia evitá-las na puxada de conversa. É lá que o seu rosto circula? É, de fato. E como seguir a pessoa nas redes, ser um dos últimos a fazer isso e ela logo não estar mais lá? Mancada demais, piso escorregadio, dobra no tapete para tropeçar.

Então preferia o bom e velho telefone. E não entregava seu número, fazia questão de afirmar que ele ligaria. Era legal colecionar os bilhetinhos com as caligrafias. Sim, ele lamentava cinematograficamente que não havia trazido o celular, deixou em casa conectado ao carregador num trágico esquecimento. Mas deixe aqui o seu número, eu ligarei.

Não ligava, estava mais era pelo acúmulo de bilhetinhos. Um plano eficiente era perguntar onde a pessoa frequentava e começar a migrar a esse outro lugar. Pra ver se resolvia na segunda, quando não era de primeira ali.

Estacionava em um lugar meio distante, onde sabia que não havia mais câmeras públicas. Já perdeu vários encontros pela distância a pé de onde deixava o carro. Não deixava sempre no mesmo estacionamento. Havia uns ali próximos aos ferro-velhos. Não andava tão chique apesar de seu bom cargo na rádio, que os primeiros fios grisalhos anunciavam no seu tempo de carreira. Os fios se multiplicavam como se multiplicavam os casos.

Não andar tão chique computava que usasse um agasalho por cima, por isso sua época favorita era o outono-inverno, até porque no verão a cidade esvaziava nas fugas para o litoral. O gosto do café não era o mesmo. Na estação quente ele mais lia o jornal do que o usava como plano de fundo e de fuga, até prestava atenção nas linhas tecidas. O agasalho era fundamental para seu disfarce, caso alguma câmera ainda captasse parte da caminhada ao lado da escolhida.

Como morava em um bairro que não levantava suspeita - ingênua sociedade classe média - conseguia arrastar muitas de suas escolhas através da boa oratória e conhecimento. Convites para almoçar para quem dispunha de tempo como ele ou pra quem iniciava seus turnos só mais tarde. Funcionava. Nada como a experiência e a repetição nos atos. Em menos de sete de semáforos (ou sinaleiras, como ele dizia), chegavam ao destino.

Apesar da idade, conservava uma boa força. Era antes do almoço que resolvia a parada. Aprendera há muito que o melhor lugar para golpear era entre o queixo e ouvido. Geralmente a pessoa perdia os sentidos na primeira, evitando qualquer escândalo. De repente quando fosse servir o almoço preparado, deixava respingar algo na roupa da pessoa. Se oferecia para limpar e aplicava o golpe. Terminava o serviço logo na sequência, a tempo de desfrutar da refeição.

A pessoa, que não visualizava a cozinha, nem tinha tempo de perceber que ele só cozinhava o suficiente para um adulto. Não gostava de desperdícios. E procurava arrumar todo o serviço antes do arroz esfriar. Tinha pavor ao arroz frio.

Tinha um grande jardim e vizinhos ausentes. Como os vizinhos eram os atarefados pássaros em poleiros em bancos de cafés, sabia que podia convidá-los seguidamente para olharem os jardins. Eles dificilmente aceitavam, mas ele era caprichoso para quando aceitassem. Metódico. Nada de sangue nas pás ou ferramentas. Nada de buracos ou terras reviradas e dispersas de explicação para estarem ali.

Uma vítima por bimestre estava de bom tamanho. A pesquisa e a margem de erro permitiam isso em boa condição. Ele encerrava o serviço, lavava o rosto com água gelada, mirava suas próprias olheiras de quem acordou cedo, penteava o cabelo para trás, cada vez mais grisalho, ajeitava a gola de seu casaco ou sobretudo. Queria usar a mesma roupa do crime recém cometido, mas preferia trocar para não relacionar a vestimenta da rua.

Celular na mão - estava com ele o tempo inteiro no bolso - hora da gravação do dia. Olá, amigos, aqui é o jornalista *****. A vítima de hoje tem 1,66, cabelos castanhos e olhos mais escuros. O batom vermelho foi elogiável, porque foi duradouro em conservar a cor durante toda a ação. De qualquer forma, o vestido preto dela denotava um ar fúnebre desde que escolheu vesti-lo essa manhã. Creio que a agência dela perdeu uma bela funcionária. Espero que não me incomodem nos próximos dias. É isso, um grande abraço."

Em seguida começava o vídeo sobre esporte no dia. Logo em seguida publicava. Sabia que, caso um dia confundisse o envio, estaria velho demais para seguir os serviços. Até a próxima, um grande abraço.

23/06/2019

#rap: viagem conturbada

quando tem não valoriza
depois que perde, sente falta
percebe que precisa
é a voz na cabeça que avisa
o anjo ou o diabo no ombro que batiza

agiliza
um jeito de se ocupar
de preferência pra agora
mas se demorar
aproveita a viagem
para viajar
na ocupação ou invasão
da mente
a oficina de garagem
daquele do tridente

e passa o pente fino
lacunas deixadas desde menino
conhece o patamar do mezanino
como o pátio é conhecido
pelo farejador canino

redentor
voltar dessa é 'glória ao senhor'
naquela promessa de nova recaída
viagem só de ida
pra voltar a estrada esburacada
na contramão
luz alta na cara
aquela que cega a lógica
que era questão contornada
faz perder a direção nórdica
e a bússola joga fora
escuridão na visão de agora
antes fosse catapora de só uma vez
mas a viagem traz fatura fim de todo mês

ahhh
viagem conturbada
vê quem tá contigo nessa
vê se presta
se ajuda ou atrapalha

ahhh
parou de ler as placas
o mapa em outro colo
olha para o lado e saca
ninguém para pedir socorro

ahhh
subidas e descidas
sinais e sinais de morro

mira o retrovisor
tanta coisa que se deixa
amores, cores, dores
tanta coisa que se queixa
mira outra empreitada
se não geral se desleixa

respira fundo, veste nova paciência
o tempo lá fora exige novas exigências
não era o objetivo, mas agora é da tua agência
pelos mesmos motivos que o camaleão
aprende novas cores
e se infiltra em novos corredores
e tu aí filtra café em coadores
e pensa no que é, no que foi e no que fores
olha pro lado e quem são seus assessores

ahhh
viagem conturbada
vê quem tá contigo nessa
vê se presta
se ajuda ou atrapalha

ahhh
parou de ler as placas
o mapa em outro colo
olha para o lado e saca
ninguém para pedir socorro

ahhh
subidas e descidas
sinais e sinais de morro

17/06/2019

#punk: deixa o disco

você me dá ordem
você me dá ódio
problemas me mordem
outro episódio

cabeça em desordem
encaixe dos módulos
o disco não toca
sobrou algum nódulo

agulha em contato
a fúria rugindo
loucura ao tato
euforia fluindo

deixa o disco rodar
nenhum cisco no lugar
deixa o disco rodar
nenhum risco no radar

18/05/2019

morimundo

tens tantos contatos nessas redes sociais
mas com tato, são tão poucos
tens tantos amigos, assim trazem sobre eles o termo
e ao mesmo tempo de tantos umbigos te fazes enfermo

afinal, que tanta gente adicionas
e ao final, qual o final desses amores semanais
que te apaixonas
em mundos irreais que inventas e após
a primeira treta do que tentas
é cada vez mais fácil mudar os canais

artificiais
todos somos
nessa união errônea de como, cornos, crono
e cromossomos

e orientação não é opção
como ouvi de alguém
opcional é sair um pouco desse mundo
ficcional
antes que a alternativa vire vício
e isso tudo [e tão pouco]
torne-se teu único ofício
chinfrim por chinfrim
deixa assim
mal começa
e já tem fim

enfim

entendeu o meu recado
seria mais útil na geladeira
dependurado
ou agora ou outrora
naquela rede chamariam de scrap
e mal lido já seria delete

sem o deleite de absorver as palavras
como quem suga o canto da bala de doce de leite
e o recado todo direcionado a ti e a quem tá sentado
seria mero enfeite
menos que um azeite na salada
e a visita da fada de quem perde um dente
deixando mero trocado embaixo do travesseiro
pelo dente trocado
e o mercado inflacionado
gostaria de uma nota
agora que está aberta a porta
entre o canino e o dente da frente

não importa
vou seguir a te visitar 
com mais insônia que canção de ninar
marcando como um ferro o gado
ou será o novo significado, sobre gado
mandado nesses recados
transitórios passageiros de timeline
time lapse do tempo
como um papel solto que ao vento
encontra seu rosto
que pode mudar sua vida
ou ao menos trazer o desgosto
pelos próximos segundos
de duas quadras percorridas
e não seria isso um mundo
dentre tantos mundos à deriva?

08/05/2019

legítima defesa (nacional)

Será que caçar liberal é legítima defesa (nacional)? Entrega isso, entrega tudo pros gringo Vai trabalhar até domingo Pra você ver Pra pagar o dízimo da igreja Vai ter nem pra cerveja Nem tempo de ficar na frente da tv

Reformam a previdência
Tiram dos aposentados
Cortam a ciência
A evolução vira fardo
Para eles

Foram à política
Pra meter a mão
Na senha do cofre
Molhar mão de chofer
E as pessoas viram gado
Preconceito é contra o negro
E contra a mulher
É observar e absorver
Se tu não ver ficou cego
Ou não quer ver

28/04/2019

olho mágico

olhei no olho mágico
trágico não ser você
olhei no olho mágico
trágico não ser você

por onde você anda?
onde você acampa?
o que você canta
(no chuveiro?)
o que te espanta?
o que te encanta?
o que pensa sua mente
quando o corpo levanta
todos os dias
o dia inteiro?

por onde você anda?
onde você acampa?
qualé a estampa?
(da sua camiseta)
qualé a sua meta?
qualé o seu plano alfa?
qualé o seu plano beta?

olhei no olho trágico
lógico não ser você
olhei no olho trágico
lógico não ser você

27/04/2019

cem porcento

fim de tarde é o momento
que imanta o sentimento
onde você está?
longe de onde me sento
onde você está?
no meu pensar
é cem porcento

viver e se poupar

viver é se poupar
do risco de uma vida sem vivência
viver é se importar-em
adquirir mais experiência
viver e estar ciente
da vida pra mais
e não pra menos
do que a ciência

verde musgo

acendeu!
mas passou como o fogo de um isqueiro
iludiu, prometeu
de janeiro a janeiro

não cumpriu, claro que não
tão claro como um clarão
um raio no céu, bem no meio
serei-o
apagado
logo depois
de iluminado

faísca que fustigou o olhar
manja o verbo fustigar?
vai ter que dicionar
pra depois adicionar
o significado

conhecimento somado
não linear
conhecimento agregado
não limitar
não militar
ao menos não verde musgo
e todos esses absurdos
que estão a espreitar

e isso aí
podes crer
ainda vai durar...

oxalá que esteja errado
oxalá...



e se poupa

minha língua
no céu
da sua boca
no véu
da sua roupa
no velcro
sem roupa
vergonha?
nem pouca
sonha
com outra

¡vive!
e se poupa

sabendo

sabendo que era impossível
foi lá
escreveu sobre
e não viveu

"todo dia um novo homem"

caralho, já é quase o meio do ano
e nós o que mudamos?
hoje foi minha caneta que me deixou
falhou até isso ser tudo
seu estado natural
e absoluto
imutável ao meu luto
"todo dia um novo homem"
trazia em sua lateral
para vergonha ou orgulhar
o usuário
depende qual

23/04/2019

outros 500

e as mortes em muzema?
a mídia entra em cena
ou é silenciada?
quanto vale a vida
se não televisionada

o brasil se repete
repele estrangeiros
só entram pra explorar
pedro álvares cabral
ao espaço da amazônia florestal

o que mudou?
onde mudamos?
escravizados, explorados, mudos
mineiros, potiguares, paulistanos
laranjas, lobistas e tucanos
após 500 serão mil anos?

aos funerais

cai o sinal virtual 
sinto o sinal da morte 
me agarra forte pelo braço 
sinto deveras uma dor no pulso
qual será o meu impulso 
para não sair hoje com a morte? 
para uns tanto azar
para outros boa sorte 
tem que estar ali disposto 
diariamente a cada imposto 
esperando uma saída 
um cochilo do porteiro 
para buscar a sobrevida 
qual será ao fim de tudo 
o derradeiro veredito
cortando a noite como um grito 
abafado no veludo 
tão esperado mas não acredito 
e não sei a quem credito
essa hora de infortúnio 
a muitos causa espanto 
para outros esse tanto é tão finito 
se pensa e esquece num só banho 
velório é tão inglório 
todos juntos num rebanho 
vagarosos nos passos e a voz em um sussurro
desafia até Saussure
entender esse conjunto
depois traz a cartilha
que tudo se esqueça
a regra é a cabeça
deixar seguir a vida
como faz pra que me desça
se a pessoa sob a terra desaparece
e ali permaneça
era aquela a prometida?
fica sob sete palmos
e a cabeça não esquece
a lembrança se entrelaça
se lança e se repete
como um filme mudo
conteúdo me remete
me identifico com tudo 
até com o que nunca acontece
absorvo a dor do mundo 
até a que não merece

22/04/2019

bússola

tu já morreste
mas as palavras que leio
são as mesmas que escreveste
as mesmas que leste
oeste, norte e sul
leste
foste, morte e soul

pequenos sintomas

me apassiono por esses poetas
lambo o canto de suas línguas
colo suas palavras
na boca que é minha
___________________________________________________________

me apaixono por seus olhos vidrados
que queriam dizer algo
era vontade de aprender
talvez com um 'e' a mais
aprender, não sei porquê
apreender, sei bem porquê

19/04/2019

com licença, você conhece a palavra de

não é que somente triste
eu produza
mas quando me fiz feliz (que rima absurda!)
talvez o escrito
não se introduza
onde eu queria chegar

as mentes mais molestadas
as almas mais desandadas
corpos a procrastinar
tudo isso é meu alvo
aí que preciso ir
onde eu queria chegar

não sei se vai ser salvo
mas preciso tentar

daí eu tento algo
e alguma coisa será

camatim sobre a flor

e o tempo passa
acho que nisso ninguém mentiu
mas digo mais uma vez
com tempo a dizer
vadio

o tempo que forma
ao lado de seus olhos
os chamados pés de galinha
você sem perceber
a percepção é minha

e já não sinto aquele medo
do camatim sobre a flor
do camarim sem pudor
do óleo da fritadeira
dos olhos dela
em plena segunda-feira

sinto medo
de não me ferroar o dedo
de não queimar o indicador
de sumir assim meu desejo
e não viver outro amor

trevas e trevos

bebo um chá de ervas
para espantar as trevas
do quanto me enerva o sentimento
rezo ao trevo da benevolência
a resistência como solicitação
que seja de menor pesar
e mais leveza
a passagem dessa existência

quantas eras
para descobrir uma erva?
salvadora, manjedoura
de beira de estrada

quanto tempo
era um nada e agora é tudo
e o sentimento que me enerva
se entrega e se desfaz
sinto uma pontada de paz
que claramente não é regra

não me iludo
logo logo
soturno
outro sentimento perverso
vem a mim
e o alugo

ironic de alanis morissette

e quando penso:
agora minha mão não pode suar
e ela faz jorrar cachoeiras
e quando penso:
agora não posso enrubescer
e vira-se o próprio pimentão de feira

e penso:
agora não posso desistir
e pesam-me âncoras em cada perna
e ainda penso:
para quê seguir?
e abrem-se horizontes inacabáveis
nessa selva

eletrodos eternos deles todos

me admira ler os poetas e escritores exilados em suas juventudes de liceu questionadores muitas vezes ateus inúteis nas matérias e atividades terrenas lhes resta apenas a missão serena de (d)escrever a eternidade aos netos dos filhos seus

eletrodos eternos deles todos
por suas passagens e incômodos
suas viagens ao antigo e moderno
cada qual a seu modo
o agradecimento do meu
jeito sem jeito sujeito
a alter-ações do alter-ego

amante mais duradoura

minha amante mais duradoura foi a morte
do início ela me ligava
eu achava ser trote
me liguei a ela
foi mais forte do que eu
é bela
saio com ela várias sextas
travessa, espessa e densa
imensa agência de nosso contrato
com tato em jogo de paciência
me afogo em sua residência
ao todo é tudo reticências

boitempo

boitempo de carlos drummond de andrade
do tempo que essa cidade
andava era de boi
um tempo bastante antes
e hoje é bem depois
não tinha bad nem good trip
não tinha good e nem bad boy
o sofrimento do boitempo
era todo em português
em brasileiro tão brasileiro
mais do que eu e que vocês

17/04/2019

camadas de cinza

fui o mais otimista que pude
no mais pessimista que mostrei
impossível hoje que eu mude
e amanhã sigo o que ser ousei

perdemos outra e tantas outras perderemos
isso eu aceitei e espero que aceitemos
o fracasso que nos molda
nos solda essas condições
nessa figura torta
que divide opiniões

uns fingem que não e sorriem tortos
o amarelo mais amarelo dos amarelos
um amarelo que eu até queria ter
mas não consigo
acinzentei por cima de meu ser

retrato da derrota

de que vale a persistência
entre tantas penitências
de que vale a insistência
contra toda lógica e ciência

nessa imensa cilada
ao final que vale nada
nessa imensa enrascada
que nada vale cada cada

não entendi o propósito
desse sistema ilógico
mas segui insólito
a contar os reveses cronológicos

um, dois, três, quatro, mil
do primeiro passo ao senil
do que antes era mato
ao que se aduba ao meu corpo frio

16/04/2019

café

tomei um mísero gole de café
minha língua ficou áspera
a esperar um líquido mais frio
ó, aquecimento para o inverno
e estamos recém no mês de abril

15/04/2019

alien de andrade

ouvindo black alien lendo carlos drummond deste a poesia e do outro aquele som palavra que me contempla templo pra oração frase que se sustenta e fixa nesse chão ideia que sobrevoa percorre uma imensidão aterrissa outra cabeça vou antes da terça no voo que é essa missão

caminhada do dia na cidade

Quando anotei o tópico para escrever textos com os assuntos que fui lembrando e descobrindo e refletindo durante esta segunda de sobrenome feira, não pude deixar de mencionar a caminhada do dia na cidade. Como raramente ocorre, depositei o título do texto como as moedas de um parquímetro antes de voltar-me a produzir o conteúdo dessas linhas. Pois bem, sanada a dívida com a necessidade de preencher a chamada master, vamos aos acontecimentos e alguns desdobramentos.

Neste semestre, as segundas-feiras de compromissos têm sido encerradas antes dos demais dias. Assisto os primeiros dois períodos da tarde e estou liberado a voltar para casa. O campus fica a dois trajetos de ônibus de distância. Aproveito o recurso do tempo disponível para percorrer o primeiro desses trajetos no transporte público de apoio da Universidade e depois regresso para o meu bairro caminhando pelo Centro da cidade.

Geralmente não tenho companhia previamente conhecida para essa pequena viagem. Deixo os fones de ouvido no bolso e conecto-os ao celular no momento oportuno. Os óculos escuros também servem, mesmo a dias nublados como este, para reterem-me numa espécie de bolha de isolamento temporário. Minha próxima comunicação da fila do transporte é quando subo os degraus do ônibus e com um rápido gesto, demonstro minha carteira estudantil em que apareço com uma barba esquisita e a camisa do Liverpool na imagem, o motorista assente que está tudo ok e estou apto a embarcar, em busca de um lugar à janela para mirar as paisagens enquanto tocam as primeiras músicas no modo aleatório.

Observo o bairro Porto, suas praças mal cuidadas, seus estudante distribuídos, aglomerados ao redor dos demais campi ou caminhando nos trechos de ida ou volta da universidade. Mochilas, bolsas, ecobags, tatuagens, piercings, cabelos crespos, lisos, pintados, bonés, tênis, chinelos, vestidos, calças, bermudas, camisas de banda, camisas políticas, camisas de personagens de desenho, celulares, salgadinhos, garrafas de água. Conversas sobre as aulas passadas ou sobre as que virão. Uma ou outra recordação quando algum bebeu demais, lembranças da terra natal daqueles oriundos de outros estados ou outras cidades gaúchas, impressões que a cidade os causa, surpreendidos pela violência, comentando alguma pichação, aprendendo uma nova gíria ou algum hábito que lhes era desconhecido antes de vir a explorar essa nova região para seus sistemas nervosos centrais.

Desço em frente à igreja na rua mantida em calçamento de paralelepípedo com pedras grandes e algumas afundadas acentuando buracos motivacionais a reclamações de motoristas. Aquele panorama plural em que os estudantes acima descritos deparam-se a esperar o transporte público defronte a uma instituição cristã.

Sigo meus passos, passo pela praça, que por ora liberou alguns dos bancos antes cercados por arames enquanto a vegetação é trocada como se fosse um carpete. Outros bancos seguem interditados, impossibilitando estudantes, trabalhadores de intervalo, desempregados, aposentados, moradores, homens, mulheres ou cães de rua de os utilizarem. Em volta desses bancos, os bancos ativos de sistema monetário com fluxo diário de caixa em entradas e saídas seguem intactos, a superar crises nacionais, internacionais e continuam seu processo de lucro cada vez mais viabilizado.

Ainda caminho pela 15 de Novembro pelo meio da rua, nos trechos em que poucos carros vêm em minha direção. Acredito que um dos sebos/livrarias mudou um pouco de visual e muito de nome, assim possivelmente tendo cambiado de administrador. Outro sebo que me interesso atualmente me existe, por enquanto, somente pela rede social instagram. Lá são ofertados volumes o tanto quanto interessantes, de Clube da Luta a Hermann Hesse, de Nietzsche ao polonês Bauman.

O parque que se gruda à via lateral de uma das principais avenidas da cidade está tomado por pessoas que se distribuem nos gramados como única atividade para aquele horário. Sinto a ausência de higiene de um mesmo passos distante dele. Cuido-o se não vai avançar em busca do aparelho em que conecto meus fones ou meus óculos escuros. Ele segue imóvel. Estava em absoluto repouso. Olho ao redor e, mais para o fundo, para o centro do parque, é fácil visualizar que ele não é o único nessa condição.

Numa noite dessas, observei um que eu identificava dessa forma como receptor de um colete alaranjado e fluorescente para ajudar a guiar estacionamento e cuidado com os carros, ou a popular profissão de flanelinha. Vê-lo assim surpreendeu-me.

Meu excesso de sinceridade contida e agora aplicada me faz confessar que o fato que me fez descobrir haver conteúdo o suficiente para esta explanação foi cruzar por uma ciclista que cobriu melhor seus seios durante sua manobra para dentro da ciclofaixa da rua em que caminhei. Sendo esta irrelevância um marco da travessia rumo à zona leste da cidade. O tempo essencialmente nublado fez minha caminhada seguir pelo rumo mais próximo ao de casa, não inventando rotas alternativas para melhor aproveitar a experimentação do andar a esmo e de ouvir as músicas conhecidas, mas de desconhecida ordem seletora do dispositivo móvel.

Como de costume, cheguei com a garganta seca implorando um refresco e preparando-me para o trocar de calçados por chinelos e do jeans por calça de moletom. Após o dinamismo e a aventura de previsibilidades e imprevisibilidades das ruas, momentos de descanso em frente ao desktop.

Pelotas, 15 de abril de 2019

num churrasco qualquer

Na infância, eu não tinha ideia. O assunto era muito mais complexo do que eu poderia supor nas oportunidades. Acontecia seguidamente em aniversários, mas também em alguns churrascos programados e datas comemorativas do tipo Páscoa e Natal. Os encontros familiares e suas características próprias, reproduções de uma sociedade limitada e preconceituosa. Acontecia um processo que orgulharia a atual ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Mulheres para um lado e homens para o outro, a debater em conversas de temas especificados.

Como ocorre em várias ocasiões de minha existência, eu percebia um certo grau de deslocamento ao me juntar com os homens, sobretudo os mais velhos, da geração de meus primos ou os ainda mais antigos, da geração de meu pai e meu tio. Não raramente ainda uma geração contemporânea a meu avô, que, divorciado de minha avó, não frequentava os encontros, mas aqui serve como referência de idade. Pois então, os homens ficavam em volta do fogo para assar as carnes e dar palpites sobre. Debruçados sobre jornais ultrapassados, que ali serviam apenas para forrar móveis e ajudar a formar as labaredas.

Os tópicos giram ao redor de futebol (deliberadamente o que mais me sinto à vontade), carros e fofocas - apesar de convencionarem, e de forma explícita muitas vezes, que fofocas seriam especialidade e prioridade da outra roda de conversa, a feminina. Falácia pura. O que se torna mais contraditório é o fato de mencionarem abertamente isso enquanto eles próprios deliberam e transcorrem sobre vidas alheias.

O machismo não tarda por vir nos papos. Ele ataca várias figuras, inclusive aos próprios homens que menos sabem de futebol ou carros, ou que não compactuam com a aritmética para tratar mulheres. O machismo minimiza a importância do que ouvem ou supõem da outra conversa. O machismo canta de galo que na outra formação de diálogos a limitação de conteúdo é sobre consideradas 'irrelevâncias', como se o juízo de valor estivesse destinado aos homens decidir.

Nas minhas experienciadas situações, acontece que quando cruzo a fronteira para o outro lado, o que a ministra condicionaria como o 'cor de rosa' da questão, os assuntos infelizmente não fugiam de uma previsibilidade que vocês possam imaginar. Comida, roupas, sapatos e também camadas de vida alheia depositadas de uma para outra em palavras. Importante ressaltar que a fofoca era um elemento comum a ambos os gêneros.

Quem ousasse trocar de país para o outro lado da aduana poderia sofrer com alguma anedota de mau gosto. Sobretudo acontecia quando um homem ia ao papo feminino. O contrário, porém, trazia uma outra consequência. O de homens não saberem lidar ou nem ao menos respeitar uma mulher nessa 'intromissão' em suas conversas. Adicione aí efeitos de alguns alcoolismos. Adicione aí alguns defensores do tradicionalismo gaúcho em ação. Tenha aí a certeza de que o machismo e a homofobia seriam tão naturalizados quanto o tempero da carne que ia ao fogo.

Importante combater essa diferenciação, essa estratificação, essa segregação quase que institucionalizada. Coloco aqui a abertura de parênteses sobre a questão e minha dúvida se o passar de geração, digamos que da geração de meus primos para a minha, na condição de mais novo, se houve realmente uma melhora, uma maior noção, um combate a esses machismos e homofobias. Antes eram ainda mais corriqueiros e menos refletidos? Houve uma melhora ou foram somente meus ambientes de convívio que mudaram? Vez por outra ainda nos deparamos com as situações por mim descritas acima? A abordagem midiática maior ajudou efetivamente nesse combate, ou muitas pessoas persistem em considerar isso como um papo irrelevante, enquanto consideram relevantes a disseminação e exposição de fofocas? Pensarei nisso na próxima tábua de churrasco, salada de maionese ou pão de alho num domingo qualquer.

querem

tanta coisa pede prosa
e eu aqui querendo inverso
querem mulher de rosa
e deturpar ordem-progresso
querem passar a tosa
nas ideias em processo
querem arquivar aquele
caso que me interesso
querem eleger aquele
idiota todo possesso
querem que eu faça prosa
mando mais alguns versos
querem 3ª do plural
e na 1ª eu arremesso

ame versários

vacilo que cometi
não lembrar seu aniversário
nesta rede social
que foi ponto de partida
e talvez seja o final

agora parado aqui
pensando se mando algo
pra me redimir, afinal
com o saldo atrasado
mas a intenção enorme igual

vacilo que percebi
somente passada a meia-noite
no relógio digital
açoite como um azeite
que cobre meu corpo criminal

crime e castigo
ter esquecido
o seu dia do ciclo anual
para tantos nenhum encanto
para ti sem outro igual

perdoa-me o esquecimento
que eu tento processar
inflamando algum talento
nessa arte de desculpar-me
que produzo em tal lamento
implorando aceitares
como um bom ar em lançamento
por cima de meu cadáver
cadáver de esquecimento
aos vermes de minha carne

esqueci teu aniversário
neste meio de abril
nem tão quente, nem tão frio
mangas curtas e casacos
a dividir o armário
entre suor e arrepios
no corpo dos proletários
e o patrão isso não viu
sob o ar condicionado

mas que pena o olvido
essa cena tão hostil
dos barcos enfim partidos
de um porto tão férril
dos metais que estalam
na estalagem que dormiu
daquele ali sonhando
por outro alguém que partiu

09/04/2019

não somos

te vi
nos braços de quem não deveria
sequer te ver
ou isso é só o que eu pensaria
pois é

perdoa
minha cabeça confusa
apanhou sol em demasia
mentira!
pensaria o mesmo na madrugada
por nada
nesse mundo cambiaria essa ideia
talvez errada
mas toda minha

desculpa
é que eu esperava
o que ninguém me prometia
sozinha
minha ideia era isolada
como uma ilha
filha de outra ideia errada
é, mas filha minha


sozinha
era como te via
sem saber que viria
viria, claro que viria o dia
que te veria
nos braços de quem não deveria
sequer te ver

ou isso é só
eu discutindo
com minha companhia
debatendo e destruindo
a própria teoria

pois é
não somos

06/04/2019

a martha

escreve bonito martha medeiros cada carta um lanceiro que avança suas linhas de batalha ou mensageiro oferecendo companhia pequeninha ou exagero em poemas ordinários de ordinal sempre primeiro

forçação de barra

mas quanta forçação de barra
pra um atacante
pra uma guitarra
pra um político
duas caras

mas quanta forçação de barra
pras penas do pavão
pro canto da arara
pra um bicho típico
que me encara

mas quanta forçação de barra
pra um filme clichê
roteiro repetido
história de eu-você
a entreter
estados unidos

mas quando a formação é cara
e tu quem estipula o preço
olha bem
dentro e para
e me diga o que mereço