Na infância, eu não tinha ideia. O assunto era muito mais complexo do que eu poderia supor nas oportunidades. Acontecia seguidamente em aniversários, mas também em alguns churrascos programados e datas comemorativas do tipo Páscoa e Natal. Os encontros familiares e suas características próprias, reproduções de uma sociedade limitada e preconceituosa. Acontecia um processo que orgulharia a atual ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Mulheres para um lado e homens para o outro, a debater em conversas de temas especificados.
Como ocorre em várias ocasiões de minha existência, eu percebia um certo grau de deslocamento ao me juntar com os homens, sobretudo os mais velhos, da geração de meus primos ou os ainda mais antigos, da geração de meu pai e meu tio. Não raramente ainda uma geração contemporânea a meu avô, que, divorciado de minha avó, não frequentava os encontros, mas aqui serve como referência de idade. Pois então, os homens ficavam em volta do fogo para assar as carnes e dar palpites sobre. Debruçados sobre jornais ultrapassados, que ali serviam apenas para forrar móveis e ajudar a formar as labaredas.
Os tópicos giram ao redor de futebol (deliberadamente o que mais me sinto à vontade), carros e fofocas - apesar de convencionarem, e de forma explícita muitas vezes, que fofocas seriam especialidade e prioridade da outra roda de conversa, a feminina. Falácia pura. O que se torna mais contraditório é o fato de mencionarem abertamente isso enquanto eles próprios deliberam e transcorrem sobre vidas alheias.
O machismo não tarda por vir nos papos. Ele ataca várias figuras, inclusive aos próprios homens que menos sabem de futebol ou carros, ou que não compactuam com a aritmética para tratar mulheres. O machismo minimiza a importância do que ouvem ou supõem da outra conversa. O machismo canta de galo que na outra formação de diálogos a limitação de conteúdo é sobre consideradas 'irrelevâncias', como se o juízo de valor estivesse destinado aos homens decidir.
Nas minhas experienciadas situações, acontece que quando cruzo a fronteira para o outro lado, o que a ministra condicionaria como o 'cor de rosa' da questão, os assuntos infelizmente não fugiam de uma previsibilidade que vocês possam imaginar. Comida, roupas, sapatos e também camadas de vida alheia depositadas de uma para outra em palavras. Importante ressaltar que a fofoca era um elemento comum a ambos os gêneros.
Quem ousasse trocar de país para o outro lado da aduana poderia sofrer com alguma anedota de mau gosto. Sobretudo acontecia quando um homem ia ao papo feminino. O contrário, porém, trazia uma outra consequência. O de homens não saberem lidar ou nem ao menos respeitar uma mulher nessa 'intromissão' em suas conversas. Adicione aí efeitos de alguns alcoolismos. Adicione aí alguns defensores do tradicionalismo gaúcho em ação. Tenha aí a certeza de que o machismo e a homofobia seriam tão naturalizados quanto o tempero da carne que ia ao fogo.
Importante combater essa diferenciação, essa estratificação, essa segregação quase que institucionalizada. Coloco aqui a abertura de parênteses sobre a questão e minha dúvida se o passar de geração, digamos que da geração de meus primos para a minha, na condição de mais novo, se houve realmente uma melhora, uma maior noção, um combate a esses machismos e homofobias. Antes eram ainda mais corriqueiros e menos refletidos? Houve uma melhora ou foram somente meus ambientes de convívio que mudaram? Vez por outra ainda nos deparamos com as situações por mim descritas acima? A abordagem midiática maior ajudou efetivamente nesse combate, ou muitas pessoas persistem em considerar isso como um papo irrelevante, enquanto consideram relevantes a disseminação e exposição de fofocas? Pensarei nisso na próxima tábua de churrasco, salada de maionese ou pão de alho num domingo qualquer.
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