05/09/2025

As Amorosas (1968)

Preso à década de 1960, nessa década de tanta produção artística, sobretudo aqui cinematográfica, em tantos movimentos políticos, o filme em questão é As Amorosas, de direção de Walter Hugo Khouri. Khouri, esse sobrenome de origem árabe, da família uma parte italiana, outra libanesa, Khouri conhecido por adotar temáticas ligadas ao amor e à filosofia. Em As Amorosas não foi diferente. O alter ego do diretor, Marcelo está completando o equivalente aos estudos secundários - de forma atrasada, ele que não ligava para muita coisa. Ou ligava para nada, um niilista. 

O filme percorre o período da vida de Marcelo em que busca sentido, ou até mesmo desiste disso. Se relaciona com uma atriz somente pela beleza. Se relaciona com uma aspirante à cineasta porque ela teria ideias políticas e desenvolvidas. Enfada-se de ambas por diferentes motivos, mas o resultado é o mesmo. Marcelo é um niilista que não vê sentido em continuar os estudos, em procurar um emprego, em se esforçar para vida.

Uma parte marcante é quando Marcelo é entrevistado pela menina que estava fazendo um filme, um trabalho do curso, em que entrevistava pessoas da Universidade para descobrir O Quê, Como e Por Quê. Sobre a vida universitária, o que levava as pessoas a escolherem um curso e com quais objetivos, sendo, para São Paulo, muitos vindos de outras regiões do Brasil. Na resposta, Marcelo confessa ter vivido por muitos anos esperando fazer algo pelo mundo, algo marcante, que lhe conferisse status, aprovação e recordação, mas mudou. Pausou essa ideia e se resignava a apenas buscar uma transformação dentro de si, que fosse suficiente, plena e satisfatória o bastante - apesar do objetivo, parecia distante dessa vivência plena.

A desistência por aprovação torna Marcelo esse niilista que nada esperava dos outros, nem status quo, nem soluções. Ele conferia opiniões sinceras e não acreditava mais do que no momento. Com a namorada desse projeto de filme, explicava, com um gesto, que isso era um beijo, mas agora já passou. Isso agora é outro beijo e já passou. E assim era a vida, que daqui 10 anos nem ela lembraria dele, que daqui 30 anos ninguém lembraria de seu quarto e suas decorações, que dali a 200 talvez nem o prédio existisse, que em 2900 ninguém lembraria ou saberia da existência deles. Um niilista.

Marcelo desistia de viver com os familiares, desistiu de dividir apartamento com um amigo e chegou até um espaço ocupado por quartos de empregadas - mas são bonitas, destacou. Não se importava com sua posição social e a busca por empregos para ele era enfadonha. Constantemente pensava apenas sobre a falta de sentido e se encaminhava para desistência de tudo.

O encaminhamento para cena final é chocante, pois enquanto Marcelo vivia dessa forma, outros despropositados poderiam agir e de forma muito mais violenta, contra e por cima da passividade. Um final à la Laranja Mecânica, pela brutalidade. Interessante que o livro de Laranja Mecânica é original de Anthony Burgess, do Reino Unido, em 1962. O conhecido filme que marcou o século XX, na adaptação de Stanley Kubrick, é de 1971, ou seja, feito após esta obra de Walter Hugo Khouri. Permanece do filme brasileiro uma reflexão sobre qual o nosso lugar no mundo, qual o objetivo e se combater outros selvagens não poderia ser uma saída. A verdade é que não se consegue mudar os outros, mas pode-se tentar mudar a si mesmo. É um mundo selvagem em que não há prevalência da justiça.

Em "As Amorosas", pelo título da história e pela época, pode-se esperar um filme raso sobre sensualidade e amor, e é praticamente nada disso. É um filme filosófico, sobre um jovem despropositado de classe média, média alta, que atingiu, sem esforço, um status que lhe conferia o tédio, um conhecimento que lhe desvirtuava de participar e acompanhar o mundo. Quem estagna-se para pensar um momento - ou vários momentos - consegue se identificar.

⭐⭐⭐⭐

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