O filme japonês 🇯🇵, dirigido por Yusuke Kitaguchi, conta a história de duas garotas (ou serão três?) com dificuldades semelhantes e diferentes. Ainda muito criança, Otose Nishizono vivia com sua mãe e um padrasto violento, que, sem explicitar no filme, pode ter abusado da jovem. Ao menos tinha nenhum pudor, como visto, de usar o banheiro na frente da criança, o que já configura esse excesso.
Em uma noite, sem aguentar mais os maus tratos e o estado constantemente embriagado da mãe, Otose foge. Em uma casa que, segundo sinopse, fazia as vezes de um orfanato, ela permanece o restante da infância e alcança uma maioridade de 18 anos. Assim, deixa o cuidador Yoshi e as demais crianças e sai para procurar emprego, conseguindo a referência em um hotel chique.
Paralelamente, uma cantora de um grupo tentando estourar em sucesso após pequenas exibições em casas noturnas (ou diurnas com iluminação artificial? São matreiros os japoneses). Ela faz o teste e descobre que está grávida. A jovem está grávida do produtor delas, uma espécie de agente, empresário. E abusador de suas tentativas de fonte de renda, portanto. Deixando claro que apesar do conflito-chave ser entre Otose e sua negligente mãe, existe a denúncia (em mais de um caso) sobre o comportamento abusivo dos homens.
A cantora tem o apoio, mesmo também existindo conflito, da sua mãe. Elas atendem em um pequeno restaurante, por onde Otose passa pela rua a caminho de seu novo apartamento, sente o cheiro de comida, namora a vitrine, mas nunca entrava. Isso muda quando a mãe de Otose descobre o paradeiro da filha. Yoshi, do orfanato improvisado, falha e, sem autorização do que gostaria Otose, fornece o novo local de trabalho de sua até então protegida. Sem mudar de seu passado nebuloso, a mãe de Otose a procura com a desculpa de estar feliz em vê-la, querer recomeçarem e passarem um tempo juntas. Mas tão logo vão a um café e confessa precisar de milhares de yenes (a moeda japonesa).
Otose desconfia, tem uma consciência que lhe sopra perguntas e soluções, quando congela estática. O conflito do drama japonês é bastante forte, ácido. Por vezes a jovem fica nas entranhas da pergunta entre matar ou morrer. O suicídio lhe aparece como saída possível. O emprego no hotel, por conta das reaparições da mãe bêbada, se torna insustentável. Cobrada pela gerência, só lhe resta sair pela porta dos fundos do prédio.
Ela acredita que não tem como ter uma vida digna enquanto viver sua mãe. Otose fica desestimulada e sem respostas e sem emprego. A dura vida acompanha a jovem cantora, que, após uma última apresentação, decide parar e se dedicar só ao restaurante, pensando na criação do bebê. Ela não avisa o produtor, que seguiria simplesmente sua vida em busca de outros talentos. Em uma passagem, a mãe da cantora alerta: "ser mãe não é como ser cantora. Não pode desistir". A jovem de pronto responde que sabe. Nessas horas fica a pergunta se a própria dona do restaurante, que criou a menina sozinha, não teria desistido. Isso se ela tivesse a opção.
São vidas diferente entre as meninas em conflito. Uma teve a mãe que a negligenciava e precisou fugir de casa. A outra, bem ou mal, teve o suporte caseiro. Uma nem mais sonhos parecia apresentar, queria apenas uma vida digna. A outra aspirava à fama, mas acabou tendo de contar com o básico da maternidade que se aproximava.
O filme traz a crítica quanto aos homens, mas também às possíveis negligências praticadas pelas mulheres - e suas enormes consequências. As dificuldades de mudar de vida na sociedade japonesa também estão em alguma camada presente no filme. A cena final de Otose desfrutando de certa liberdade com sua nova bicicleta demonstra esperança. Contrasta com a crítica a sociedades, como nos países do Oriente Médio em que as mulheres não podem usufruir de carteira de habilitação e, muitas vezes, sequer sair de casa de bicicleta. Lembra o filme "Wadja", sobre a menina árabe que sonhava ter uma bike.
Quanto ao questionamento sobre o nome do filme na presente resenha, seriam duas meninas (Otose e a cantora) ou três, contando a confusa e arrependida mãe de Otose como terceira vivendo ao limiar de caminhos difusos? Vidas que se atravessam nos desafios entre a superação e a continuidade.
Nota final: ⭐⭐⭐⭐
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