Escrevo estas linhas após ver dois filmes em um domingo. Estou afetado dos nervos. Não sinto dois dedos de cada mão, que, de alguma forma, estão mal abastecidos. Pensei em fazer uma crítica de Blanche (1972), filme de diretor polonês e linguagem francesa. A ver tem também com o mais recente Little Ashes (2009), que se passa na Espanha, mas é dirigido por Paul Morrison e a linguagem toda é em inglês, com exceção de mísera fala ou outra.
Blanche é a esposa de um rei velho. O filho do rei está muito mais para sua idade. Em uma festividade no castelo durante a Idade Média, mais dois candidatos se apresentam à formosa Blanche: outro rei e seu galanteador filho. Obviamente lançadas as diretrizes de tantos candidatos não poderia acabar em boa coisa. Tive um afeto especial no filme por Nicolas, o filho do velho esposo de Blanche. O amor entre eles pareceu o mais verdadeiro da obra, tanto que ele, desesperado, não seria oposição em colocar sua própria vida em proteção de Blanche.
No desenvolvimento da tragédia há momentos cômicos. Um dos religiosos veste a roupa do filho do rei visitante e é interceptado, ameaçado e inclusive tem sua mão cortada pelo valente Nicolas, que obviamente vigiava para proteger Blanche de galanteios terceiros. Nisso o frade aparece de mão cortada no dia seguinte, levantando suspeitas que o religioso é quem queria dar uma fugida até o quarto da jovem. Uma pouca vergonha medieval. É interessante que na relação de pais e filhos terem se apaixonado por Blanche, nenhum teve a comunicação necessária, ou a falta de vergonha de abrir o jogo pelo qual estavam interessados. Nenhum pai soube dos interesses de seu filho. E o filho visitante, enquanto punha seu nome em risco pelo almejado amor de Blanche, não sabia que o rei visitante mais velho também sonhava com mais um casamento.
Desenhada a tragédia, não houve quem contasse a história, talvez um destino mais parelho entre tanta perversão. Apesar de minha afeição por Nicolas, deparei-me com a reflexão de que ao mesmo tempo estava tentando fugir com a esposa de seu próprio pai - que pese a galopante diferença de idade.
É a época da Europa Medieval entre os séculos depois de Cristo e antes dos ideais iluministas. Pesquisei algo sobre a população desses pequenos reinos e a curiosidade veio sobre mim no fato de que a Europa Ocidental chegou a ter 22 milhões de habitantes na Alta Idade Média. Em 1348, segundo Le Goff, a população europeia era de cerca de 54 milhões de pessoas. Interessante como o continente de tantas descobertas e navegações mal superaria um estado de São Paulo.
Em Little Ashes, ou Pequenas Cinzas, a história de amor é entre dois personagens centrais da arte no Século 20, em especial na Espanha. Foram colegas de estudos artísticos o escritor e poeta Federico García Lorca e o pintor Salvador Dalí Domenech. Mais do que isso, a relação desenvolvida entre ambos é uma crescente aproximação e inspiração em seus trabalhos. Também estava envolvido no grupo o cineasta Luis Buñuel, que depois desenvolveu carreira na França, que depois desenvolveu carreira no México.
Entre uma amizade pulsante e as proibições à homossexualidade, a relação entre García Lorca e Salvador Dalí também sofreu impasses sobre o que consideravam mais benéfico para suas promissoras carreiras, causando discordâncias de ideias. Desde jovens esses artistas estavam alcançando status de destaque na Espanha madrilenha, mesmo em meio aos domínios fascistas que ameaçavam as artes e a todos os cidadãos com ideais dissonantes ao governo.
O final trágico da morte prematura do escritor novelesco García Lorca, o cão andaluz (?), evidencia que, apesar de suas duras e perigosas críticas ao regime espanhol, a homossexualidade seria de seus grandes crimes, interpelado pela polícia em sua localidade de nascimento, Granada, e chamado de maricón. Fuzilado distante dos holofotes do mundo, sua morte seria lamentada dias depois em notícias de jornais velhos e radiofônicas. Little Ashes era o nome que Lorca soprou para um quadro feito pelo amigo Salvador Dalí. O nome propunha explicar que futuramente, com suas mortes, as lembranças que as pessoas teriam deles seriam apenas cinzas, eles como mero fantasmas após o que suas obras artísticas realmente representavam, ou queriam representar.
Histórias fascinantes podem ser escritas, mas restam apenas cinzas. "Cinzas e madeiras" sobre o caixão lamentava o rei velho após a morte do filho Nicolas no duelo realizado em Blanche. Dos idealizadores, noveleiros, cavaleiros, reinados e castelos, restam apenas pequenas cinzas. Em outra cena de Blanche, o rei velho sente o peso material de toda aquela construção em pedra. "Vai durar mais do que muitos de nós" e o jovem Bartolomeu, um dos postulantes à bela Blanche, apenas concordava, já estes por cima do cadáver do jovem Nicolas.
De amores idealizados pela bela princesa do reino ou mesmo homossexuais perseguidos por regimes fascistas, seremos apenas cinzas no futuro.
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Little Ashes (direção de Paul Morrison, 2008) |
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