O chão. O chão é esse misto de transtorno e
segurança. Sim, precisamos de um chão acolhedor e agradável, de preferência
cercado por paredes, que intimidem os estranhos, para não pisarem em nosso
precioso. De preferência sob um teto, ainda na mesma função das paredes e que
nos impede de olhar as estrelas. O chão que necessitamos para estacionar pares
de chinelos, acomodar móveis com harmonia e limpar de 15 em 15 dias.
Fora das quatro paredes, o chão fica mais
restrito ao sentimento de transtorno. Lixo pelas ruas, trânsito nervoso de
pedestres zumbis. Mais mortos do que vivos. Os caninos de rua procriam e largam
dejetos no chão. Cuidado pra não pisar! Naquela esquina, teve acidente ontem. A
moto furou o sinal. “Não foi a primeira vez”, comentou um. “O cara cercou o
moleque e pediu o celular dele. Foi logo ali”, apontou o atendente de uma loja.
Às vezes, ele e outro funcionário anunciam as promoções em papéis, que ficam na
travessia por onde solas e saltos gastos desfilam. Na verdade, entregam nas
mãos das pessoas. Logo, alguns acham que o lar perfeito ao panfleto é no bueiro
mais próximo. “Larga ele aí, vai achar o caminho de casa sozinho.”
“E nessa última chuva, entupiu tudo! A água
arrastava sacos de lixo e eu não enxergava onde pisava.” Que insegurança essa:
não saber onde a pata vai! O passo a seguir pode ser só mais um, ou pode ser
aquele em que prendesse a perna no ralo destampado. Conta os passos cautelosos
para chegar em casa, olhando pros lados, desconfiado, tem sacola de loja famosa
na mão esquerda e o molho de chaves trêmulo a tintilar na direita. Foi ao
banco mais cedo, era dia de pagamento. “Será que alguém me seguiu?”. Suspira,
falta menos de uma quadra. Vai chegar no seu chão precioso. Será?
Acima de tudo, a calmaria do céu, onde, apesar
das linhas aéreas, o tráfego de nuvens predomina. Voos de pássaros para longe
do alcance de nossos olhos. Apesar também de todo o monitoramento do espaço
aéreo e das delimitações de fronteiras, não é o mesmo caos de divisão de
hectares, MST, metro quadrado de apartamento, de bairro de luxo, de morro, de
leito de hospital, de caixão, de distância do concorrente para não colar na
prova do concurso público para trabalhar em outro cubículo.
Sim, o céu. Quanto mais próximo dele, vemos o
quão insignificante é aquele pedaço de civilização visto da janela do avião.
Formigas em desarmonia. Por isso, na crença, os anjos viveriam nas nuvens. Por
isso, mais um motivo para os anjos caídos praticarem o mal. Ainda não sei se
acima ou abaixo do chão. Enquanto o céu... o céu é só uma promessa.
06/12/2013
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