O avô de seu bisavô era escravo.
Ou era senhor proprietário de escravos. Um escravocrata.
Ou era agressor. Bêbado.
Marinheiro ou portuário. Ou estava aprendendo as novas ferramentas. Sonhando com um novo mundo. Morrendo em um velho mundo.
O avô de seu bisavô era um europeu antissemita.
Era um racista ou talvez nunca tivesse visto um negro.
Ou veio ao Brasil de navio. Escravo. Ou era neto de quem veio ao Brasil. De navio. Escravo.
Ou se revoltou com as monarquias. Ou serviu as monarquias. Ou comprou escravos. Ou trabalhou com escravos. Ou teria direito a terras. Ou teria direito a nada.
O avô de seu bisavô talvez se achasse mais importante do que outros. Que teria mais direitos. Sobre as propriedades de terra. Sobre pessoas. Sobre a esposa arranjada. Sobre a esposa comprada. Sobre a venda da alma da filha. Para outra família. Que ele escolhesse.
O bisavô de seu bisavô talvez fosse angolano. Mas nem existia o país. Talvez fosse moçambicano. Mas nem existia o país. Talvez fosse camaronês. Mas nem existia o país. Talvez fosse ganês. Mas nem existia o país. Era de alguma aldeia ou de alguma etnia. Era de guerrear na própria África. Ou era da paz. Não mais.
O bisavô de seu bisavô era indígena. Ou trabalhou escravo ao lado de indígenas. Ou caçou indígenas. Ou lavou as mãos nos afluentes brasileiros.
O avô de seu bisavô te daria orgulho e resistência. Ou vergonha. Ou ele não te entenderia. Nem mais entenderia o mundo tão mais profundo. Será? Mas a maioria nem pensa nisso. Segue o fluxo e as leis vigentes. Mais uma geração de gente. Quantas mais? Quem será o último neto?
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