22/05/2025

Grande Liberdade + Noite de Sexta, Manhã de Sábado

Costumo considerar que sou agraciado ou desgraçado por mais coincidências do que a maioria das pessoas. Mas também sou mais observador, é bem verdade. Ao assistir filmes em sequência, coincidentemente estabeleço conexões entre eles.

Em Grande Liberdade, filme austríaco/alemão logo após o fim da Segunda Guerra Mundial, o cidadão Hans Hoffmann seguidamente é prisioneiro pelo crime do parágrafo 175: atos homossexuais. O filme traz uma perspectiva nova em relação ao que observo das histórias prisionais: a perspectiva do homossexual. Negligenciado e até temido por outros carcerários. Esculachado, corajoso. Há quem negue dividir celas como se ali se tratasse de um cometedor hediondo. Há quem se aproxime por experimentação ou jogos de sedução. Como funciona a mente do sujeito enquanto está de cárcere?

As costumeiras manobras para escapar da prisão em muitas películas, em Grande Liberdade tornam-se maneiras de driblar a fiscalização para namorar um pouco. Curtir uma noite. Dividir uma cela, enviar presentes. Seria o amor um crime? Hans Hoffmann desafia corações, tempo de cárcere, novos crimes dentro de um espaço já reservado aos criminosos. Encontrará ele o amor ou apenas aventuras obsessivas? E o quanto isso muda para nós prisioneiros do lado de fora? Homo ou heterossexuais?

O virtuoso Hans chega a preferir a prisão a estar preso fora das grades sem um grande amor. Dramático. Em Noite de Sexta, Manhã de Sábado, o diretor recifense Kleber Mendonça Filho, aclamado por Bacurau, Aquarius, Retratos Fantasmas e outros filmes voltados aos espaços e temas de suas origens, traz essa trama do curta centrada no casal Pedro e Dasha. Pedro está nas ruas do Recife em uma noite de sexta-feira, como condiz o nome. Dasha, no exterior, acorda pela madrugada, amanhecer de sábado. Pedro lamenta poder tê-la acordado com a ligação telefônica, após ser consumido pela solidão de uma festa. 

Pedro circula a noite recifense, encontra um posto 24 horas para nova ligação. Os telefones celulares dos atores são arcaicos para pensar na nova era dos smartphones. Ligações de voz eram a tônica. Eles se encontram mesmo a milhares de quilômetros. Ouvir a voz um do outro, mergulhar pés nas areias de mar ou de rio, onde amanhece Pedro podendo ser assaltado no lusco-fusco do Recife, uma das capitais mais violentas do Brasil. Onde Dasha tenta relembrar com ele as ruas da capital cosmopolita onde está, e onde passaram algum tempo juntos, ao que tudo indica o labirinto de lembranças: as saudades.

Os atores apresentam sintonia. Sintonia que uma simples ligação de voz pode ou não oferecer. No inglês enferrujado e tímido de Pedro com a acostumada estrangeira Dasha, seja de onde Dasha for, com esse nome meio russo, com os 20 graus que ela afirma serem o verão de onde está. E o que importa realmente onde esteja? Importa a Pedro saber o telefone dela, com ela conversar. Os atrativos da era pré-smartphoneana. O prazer de encontrar uma sonhada mesma água, mesma areia, mesma vibe. Uma verdadeira mesma lua, mesmo sol, mesmas estrelas. Quantas vezes pensamos ver o mesmo que as pessoas que estão distantes? em outros fusos, inclusos.

Em Grande Liberdade, reunem os presos numa única cena mais para final, em que assistem ao televisor que exibe os primeiros passos do homem à lua. Cena que Hans esperava mais marcante, mais poética. Seu companheiro de cela queria alienígenas e tudo o mais. Quem saberia como era o universo naquela época das primeiras imagens transmitidas via satélite? Até hoje há quem duvide da Terra redonda e azul predominante dos mares.

Para Hans Hoffmann não interessava a distância para fora das grades ou até a Lua, se o amor se apresentava para ele em meio às ferrugens, nos pequenos intervalos para banho de sol pela vitamina D, em noites improvisadas após provocar os guardas com erros de contagem. Amor que custava o enfrentamento da cela solitária em represália de seu crime favorito. Ao Pedro, na liberdade da noite de Recife, mais valia pagar o alto preço da ligação internacional para Dasha do outro lado do mundo. E quem de nós solitários do mundo tem coragem e certeza e audácia para condenar? Condenar o amor entre as grades ou do outro lado do planeta azul. Ou onde for.

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