22/07/2022

Café com Cebola

- Acredito que meus personagens devem conversar mais entre eles.

- Sim, também acredito.

- Assim trazer a pluralidade de ideias entre eles, não só a minha voz solitária.

- Sim, também acredito.

- Assim a literatura conversa entre si, deixando-me mais mudo. Os personagens que falem.

- Sim, os personagens.

- Apesar de aqui eu fomentar um eco, nem sempre concordo com o que eu acabo de falar.

- Nem sempre.

Tudo que eu poderia escrever nessa vida, o catarinense Manoel Carlos Karam já havia transcendido com o livro Cebola em 1995. E ainda nem li todo o livro Cebola. Nem metade da Cebola. Pode ter revolucionado minha escrita ou pode significar nada.

- Pode significar nada.

- Até porque tudo que eu possa escrever a partir disso pode soar somente como uma cópia.

- Só como uma cópia.

- Mas para quem não leu Manoel Carlos Karam, que deveria ter o nome ilustradíssimo nas principais galerias literárias, para quem não o leu, acredito eu que a maioiria das pessoas não o leu, não soaria como cópia.

- Definitivamente não.

- Porque só identificariam como cópia algo que eles conhecessem primeiramente.

- E se não conhecem...

- E se não conhecem não identificam. Manoel Carlos Karam, citar seus três nomes de uma vez e sempre soa numa seriedade avassaladora. Me lembra o nome dos árbitros, geralmente os quais não gosto por colecionarem erros arbitrais contra meus times.

- Mais de um time?

- Meus times... Não sou monogâmico de time como minha namorada.

- Infelizmente na linha abaixo da linha abaixo da qual a cito, preciso mencionar alguns como Sandro Meira Ricci e Héber Roberto Lopes.

- Justamente. Identificados por três nomes.

- Mas a literatura que parte de Manoel Carlos Karam é formidável. Aos menos dessas menos de 100 páginas às quais já me dediquei a conhecê-lo. Parece que as vozes de minha cabeça conversam entre elas.

- E isso é literatura?

- Pois veja que a partir disso posso distribuí-la por personagens. Os personagens os mais diversos. Ou talvez muito semelhantes.

- Ou muito semelhantes.

- De qualquer forma acho cômico que podem acrescentar algo ou somente fazer eco.

- Ou só fazer eco.

- Você gostava de bordões ou quando os filmes ou séries repetiam a mesma piada? Veja bem, às vezes nem chegava a ser uma piada, apenas ganhava força pela repetição.

- Sim, pela repetição.

- É uma forma de estruturarmos o texto, a distribuição do diálogo ou mesmo do monólogo.

- Diálogo ou monólogo.

- No caso entre nós um diálogo, embora eu esteja falando bem mais do que você.

- Bem mais.

- De qualquer forma você gosta dessa estrutura?

- Gosto dessa estrutura.

- Também tenho apreço e assim percebo que continuo.

- De fato continua.

- Peça mais dois cafés ou duas cervejas para gente. Não sei o que estamos bebendo.

- Você está pilotando.

- Pilotando esse diálogo, de modo que posso pedir duas cervejas se assim o quisermos. E você tem concordado comigo.

- Tenho concordado contigo.

- E gostaria de dois cafés ou duas cervejas?

- Compartilho consigo a dúvida.

- A dúvida que eu esperava que você quebrasse.

- Suplantar uma dúvida exige uma camada de certeza ou somente a mudança de assunto?

- Assim você está tomando o meu lugar de jogar os dados dessa conversa.

- Já percebeu que nas metáforas da vida pode-se jogar os dados ou os dardos? São jogos diferentes, mas metaforicamente se assemelham. Embora os dados parecem trazer a sorte de forma mais absoluta, enquanto os dardos podem definir o destino a partir de uma maior ou menor precisão.

- Assumiu meu posto.

- Portanto você quer dois cafés ou duas cervejas?

- Assumiu inclusive a minha dúvida.

- E tomarei a dianteira de assumir a resposta. São dois cafés.

- Então são dois cafés.

- Você também assumiu o meu posto.

- Assumi o seu posto.

- Diria que trocamos de lugar?

- Trocamos.

- Então venha se sentar aqui.

- Se assim o queres.

E trocaram de lugar, interveio o narrador. O narrador está acostumado a comandar as ações desses pequenos contos ou crônicas. Dessa vez ele também trocou de lugar e terá apenas essa pequena intervenção. Passou a intervenção.

- Já trocamos de lugar.

- Trocamos.

- E o narrador já fez a intervenção dele.

- O que está feito está feito.

- Só nos falta o recebimento do café.

- Café que você decidiu.

- Café que eu decidi. Embora quem nos ouça agora pode estar um pouquinho confuso.

- Um pouco confusos, com cacofonia e tudo.

- Eu sou o que originalmente concordava.

- Originalmente você concordava.

- Mas agora é você quem concorda.

- Eu quem concordo.

- Pois trocamos de lugares.

- O que acha do seu lugar?

- Quer reassumir o seu primeiro posto?

- Quero reassumir.

- Então troquemos novamente de lugar.

Eles trocaram novamente de lugar.

- E lá estão vindo nossos cafés.

- Estão vindo.

- Daqui a 5 segundos chegam aqui.

- Esperarei chegarem para concordar.

- Chegaram.

- Chegaram, sim.

- Estou vendo só um saquinho de açúcar caso você queira.

- Pois é.

- Vou pegar da outra mesa para que você apenas se restrinja a concordar.

- Concordo.

- Então estamos tomando nossos cafés com açúcar.

- Com.

- E eu falava anteriormente sobre a literatura.

- Sobre.

- Acha possível responder a todas essas frases somente com uma preposição?

- Em.

- Em ou hein?

- Em.

- 'Em' de fato é mais uma preposição. 

- ...

- Agora você não conseguiu nova preposição.

- ...

- Tudo bem pode parar com esse jogo.

- Com.

- Muito bem, mas você discordou de mim porque eu pedia para você parar.

- Para.

- 'Para' também é uma preposição.

Sorvendo o café.

- Você é um maníaco, se fosse um jogo, você ganharia.

- Se.

- Mas aí você perderia, pois 'se' é conjunção.

- Pois.

- 'Pois' também é conjunção.

- Pois.

- Estou deixando esfriar o meu café.

- Eu também.

- Assim será inútil ter pego o açúcar da outra mesa.

- Me sinto meio desconfortável com o que as mesas possuem ou não nos cafés e restaurantes.

- Está em pensamento por si próprio, devemos trocar de lugar.

- Devemos.

- Se vai concordar comigo pode ficar aí.

- Fico.

- Embora devêssemos trocar de lugar para eu concordar com você, concordo com esse desconforto causado nos restaurantes. Primeiro escolhemos as mesas e depois conferimos o que há nela, sobre condimentos, guardanapos, palitos de dente.

- Concordo com sua concordância.

- E sobre a literatura?

- O que tem?

- Concorda sobre investirmos mais em diálogos?

- Não sei.

- Não sabe?

- Não sei.

- Por que não sabe?

- Você também não sabe. Nos põe em dúvida.

- Me senti meio despreparado para esse começo.

- Acha que nos revolucionou a escrita?

- Não sei.

- Não sabe?

- Não sei.

- Por que não sabe?

- Você também não sabe. Os põe em dúvida sobre quem é quem agora.

- Eu sou o que pergunta.

- Eu sou o que responde.

- Concordo.

- Isso.

- Beba. Está esfriando o seu café.

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