- Acredito que meus personagens devem conversar mais entre eles.
- Sim, também acredito.
- Assim trazer a pluralidade de ideias entre eles, não só a minha voz solitária.
- Sim, também acredito.
- Assim a literatura conversa entre si, deixando-me mais mudo. Os personagens que falem.
- Sim, os personagens.
- Apesar de aqui eu fomentar um eco, nem sempre concordo com o que eu acabo de falar.
- Nem sempre.
Tudo que eu poderia escrever nessa vida, o catarinense Manoel Carlos Karam já havia transcendido com o livro Cebola em 1995. E ainda nem li todo o livro Cebola. Nem metade da Cebola. Pode ter revolucionado minha escrita ou pode significar nada.
- Pode significar nada.
- Até porque tudo que eu possa escrever a partir disso pode soar somente como uma cópia.
- Só como uma cópia.
- Mas para quem não leu Manoel Carlos Karam, que deveria ter o nome ilustradíssimo nas principais galerias literárias, para quem não o leu, acredito eu que a maioiria das pessoas não o leu, não soaria como cópia.
- Definitivamente não.
- Porque só identificariam como cópia algo que eles conhecessem primeiramente.
- E se não conhecem...
- E se não conhecem não identificam. Manoel Carlos Karam, citar seus três nomes de uma vez e sempre soa numa seriedade avassaladora. Me lembra o nome dos árbitros, geralmente os quais não gosto por colecionarem erros arbitrais contra meus times.
- Mais de um time?
- Meus times... Não sou monogâmico de time como minha namorada.
- Infelizmente na linha abaixo da linha abaixo da qual a cito, preciso mencionar alguns como Sandro Meira Ricci e Héber Roberto Lopes.
- Justamente. Identificados por três nomes.
- Mas a literatura que parte de Manoel Carlos Karam é formidável. Aos menos dessas menos de 100 páginas às quais já me dediquei a conhecê-lo. Parece que as vozes de minha cabeça conversam entre elas.
- E isso é literatura?
- Pois veja que a partir disso posso distribuí-la por personagens. Os personagens os mais diversos. Ou talvez muito semelhantes.
- Ou muito semelhantes.
- De qualquer forma acho cômico que podem acrescentar algo ou somente fazer eco.
- Ou só fazer eco.
- Você gostava de bordões ou quando os filmes ou séries repetiam a mesma piada? Veja bem, às vezes nem chegava a ser uma piada, apenas ganhava força pela repetição.
- Sim, pela repetição.
- É uma forma de estruturarmos o texto, a distribuição do diálogo ou mesmo do monólogo.
- Diálogo ou monólogo.
- No caso entre nós um diálogo, embora eu esteja falando bem mais do que você.
- Bem mais.
- De qualquer forma você gosta dessa estrutura?
- Gosto dessa estrutura.
- Também tenho apreço e assim percebo que continuo.
- De fato continua.
- Peça mais dois cafés ou duas cervejas para gente. Não sei o que estamos bebendo.
- Você está pilotando.
- Pilotando esse diálogo, de modo que posso pedir duas cervejas se assim o quisermos. E você tem concordado comigo.
- Tenho concordado contigo.
- E gostaria de dois cafés ou duas cervejas?
- Compartilho consigo a dúvida.
- A dúvida que eu esperava que você quebrasse.
- Suplantar uma dúvida exige uma camada de certeza ou somente a mudança de assunto?
- Assim você está tomando o meu lugar de jogar os dados dessa conversa.
- Já percebeu que nas metáforas da vida pode-se jogar os dados ou os dardos? São jogos diferentes, mas metaforicamente se assemelham. Embora os dados parecem trazer a sorte de forma mais absoluta, enquanto os dardos podem definir o destino a partir de uma maior ou menor precisão.
- Assumiu meu posto.
- Portanto você quer dois cafés ou duas cervejas?
- Assumiu inclusive a minha dúvida.
- E tomarei a dianteira de assumir a resposta. São dois cafés.
- Então são dois cafés.
- Você também assumiu o meu posto.
- Assumi o seu posto.
- Diria que trocamos de lugar?
- Trocamos.
- Então venha se sentar aqui.
- Se assim o queres.
E trocaram de lugar, interveio o narrador. O narrador está acostumado a comandar as ações desses pequenos contos ou crônicas. Dessa vez ele também trocou de lugar e terá apenas essa pequena intervenção. Passou a intervenção.
- Já trocamos de lugar.
- Trocamos.
- E o narrador já fez a intervenção dele.
- O que está feito está feito.
- Só nos falta o recebimento do café.
- Café que você decidiu.
- Café que eu decidi. Embora quem nos ouça agora pode estar um pouquinho confuso.
- Um pouco confusos, com cacofonia e tudo.
- Eu sou o que originalmente concordava.
- Originalmente você concordava.
- Mas agora é você quem concorda.
- Eu quem concordo.
- Pois trocamos de lugares.
- O que acha do seu lugar?
- Quer reassumir o seu primeiro posto?
- Quero reassumir.
- Então troquemos novamente de lugar.
Eles trocaram novamente de lugar.
- E lá estão vindo nossos cafés.
- Estão vindo.
- Daqui a 5 segundos chegam aqui.
- Esperarei chegarem para concordar.
- Chegaram.
- Chegaram, sim.
- Estou vendo só um saquinho de açúcar caso você queira.
- Pois é.
- Vou pegar da outra mesa para que você apenas se restrinja a concordar.
- Concordo.
- Então estamos tomando nossos cafés com açúcar.
- Com.
- E eu falava anteriormente sobre a literatura.
- Sobre.
- Acha possível responder a todas essas frases somente com uma preposição?
- Em.
- Em ou hein?
- Em.
- 'Em' de fato é mais uma preposição.
- ...
- Agora você não conseguiu nova preposição.
- ...
- Tudo bem pode parar com esse jogo.
- Com.
- Muito bem, mas você discordou de mim porque eu pedia para você parar.
- Para.
- 'Para' também é uma preposição.
Sorvendo o café.
- Você é um maníaco, se fosse um jogo, você ganharia.
- Se.
- Mas aí você perderia, pois 'se' é conjunção.
- Pois.
- 'Pois' também é conjunção.
- Pois.
- Estou deixando esfriar o meu café.
- Eu também.
- Assim será inútil ter pego o açúcar da outra mesa.
- Me sinto meio desconfortável com o que as mesas possuem ou não nos cafés e restaurantes.
- Está em pensamento por si próprio, devemos trocar de lugar.
- Devemos.
- Se vai concordar comigo pode ficar aí.
- Fico.
- Embora devêssemos trocar de lugar para eu concordar com você, concordo com esse desconforto causado nos restaurantes. Primeiro escolhemos as mesas e depois conferimos o que há nela, sobre condimentos, guardanapos, palitos de dente.
- Concordo com sua concordância.
- E sobre a literatura?
- O que tem?
- Concorda sobre investirmos mais em diálogos?
- Não sei.
- Não sabe?
- Não sei.
- Por que não sabe?
- Você também não sabe. Nos põe em dúvida.
- Me senti meio despreparado para esse começo.
- Acha que nos revolucionou a escrita?
- Não sei.
- Não sabe?
- Não sei.
- Por que não sabe?
- Você também não sabe. Os põe em dúvida sobre quem é quem agora.
- Eu sou o que pergunta.
- Eu sou o que responde.
- Concordo.
- Isso.
- Beba. Está esfriando o seu café.
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