05/06/2025

Doente de si mesma + A Substância

O filme norueguês "Doente de mim mesma" (2022, direção de Kristoffer Borgli) é comparável ao de maior sucesso recente, A Substância (Estados Unidos, 2024, direção de Coralie Fargeat). No filme escandinavo, Signe tem um relacionamento competitivo e pouco saudável com Thomas. Mas tudo vem a piorar.

Com problemas familiares e necessitada de atenção e sentimento de sucesso, Signe procura uma saída rumo aos holofotes ao tomar um medicamento russo, estrangeiro, proibido, que causa feridas severas no corpo. Ela toma em overdose e isso a coloca à beira da morte e com uma condição cutânea das mais lamentáveis. O aspecto grotesco acompanha o desenrolar do filme. À medida que o espectador se acostuma, os movimentos do filme até se tornam cômicos pelos exageros. Os personagens são caricatos e extravagantes. Signe é, na verdade, uma mentirosa compulsiva, que forja sua própria doença através dos desconhecidos medicamentos, não identificados pelos poucos médicos com os quais ela consulta, justo que não queria curar-se, pelo contrário. Passa por algumas internações, exames e sai enfaixada para ocultar as graves feridas.

O filme então questiona diferentes pontos da sociedade. O traficante de classe média que mora com a mãe e fornece as drogas para protagonista. Também oportunista e mentiroso compulsivo, ele justifica o envio de pornografia para Signe pois teria supostamente conhecido uma garota por aplicativo de relacionamento e o nome dela ficava imediatamente acima ou abaixo de Signe na lista de contatos. Envio por engano, sabemos. Para proteger de onde conseguiu as drogas, Signe chega a inventar que o traficante vizinho inclusive teria morrido. Tudo para não levantar suspeitas de seu plano maquiavélico. 

Entre as críticas mais suaves ou escrachadas, a indústria farmacêutica que cura doenças provocando outras, cura sintomas e gera novos. A medicina incapaz de diagnosticar. A sociedade capitalista que impõe necessidades financeiras e de sucesso. Os jovens que se cobram em demasia e sentem as necessidades de serem considerados especiais. O preço descontrolado da fama a qualquer custo na era digital. Signe tenta demonstrar na internet que é uma vítima, que está bem. Tenta desesperadamente alavancar uma carreira de modelo, por meio de uma marca que apresenta-se moderna ao mercado por oportunizar PCDs.

Além da rejeição de seu pai, o relacionamento com Thomas é foco, é problemático. O namorado se diz artista, mas na verdade ele e Signe apenas roubavam cadeiras, estofados, os mudavam de posição e consideravam obras de arte. Uma crítica também ao subjetivo artístico desmiolado, non-sense. Thomas usufrui de alguma fama, é requisitado para exposições em salões e entrevistas em revistas e Signe o inveja, se sente improdutiva sendo ela atendente de um café, sente-se escanteada, degraus abaixo no sistema compulsório. 

A partir disso, a corrida para se vitimizar e ser valorizada é essa corrida desenfreada para uma glória de mentiras e, como sabemos, mentiras temporárias que vestem calças em tamanho pequeno. Apesar dos exageros, ou justamente por eles, Doente de si mesma ganha uma nota 4 estrelas por abordar tantas problemáticas, com humor, terror, exageros típicos da era digital e críticas ora veladas, ora escrachadas.

O comparativo com o mais conhecido A Substância é válido, pois neste filme estadunidense a abordagem é pela indústria do corpo perfeito, os holofotes, os quinze minutos de fama, o sucesso a partir da televisão. A luta das mulheres para se encaixarem em um padrão abusivo, competitivo, sórdido, tão rápido atingido como substituído e obsoleto. Obsolescência programada. Em resumo, no filme uma famosa apresentadora e modelo começa a envelhecer, recebe, ilegalmente, a exemplo de "Doente de mim mesma", uma substância misteriosa que promete ser uma fonte da juventude. Ela acaba com um duplo, saindo de seu corpo, no mais alto padrão da separação biológica, em cenas marcantes para história do cinema, mas sua versão mais jovem também é competitiva e exige mais poder, mais beleza, mais jovialidade. Elas competem entre si em um mundo que coloca as mulheres, as pessoas umas contra as outras pelo brilho e o estrelato, com ênfase no hollywoodiano de Los Angeles, onde se passa a estória.

A crítica ao mundo comandado pelos homens de terno e idade a exigirem corpos impossíveis, plásticos para televisão e não respeitarem o envelhecimento alheio. O comportamento abusivo e muitas vezes tosco das personagens aproxima os dois filmes. A mescla de gêneros cinematográficos entre o humor, o drama, o terror, o grotesco todavia a mostrar-se. 

Com notas semelhantes pelo site brasileiro de análises fílmicas, Filmow, Doente de mim mesma (3,8) e A Substância (3,9) são recomendações da década para discutir padrões de beleza, indústrias e competições, sociedade do espetáculo, sociedade do cansaço e afins. Assistam com estômago preparado a cenas grotescas e extravagantes, não recomendadas a menores de 16 anos.

Doente de si mesma ⭐⭐⭐⭐
A Substância ⭐⭐⭐½

Imagens abaixo: reprodução dos filmes



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