Mediante as mudanças em políticas de inclusão na Europa e nos Estados Unidos durante os anos 1990, o autor jamaicano Stuart Hall propõe questionamentos presentes acerca de Que "negro" é esse na cultura popular negra?, de 1996. O estudioso da comunicação traz as indagações sobre a cultura popular e a forma como o negro é visto na sociedade.
Stuart Hall aponta para a cartada de alguns autores em evidenciar um sistema imutável, de um modo que a crítica ao modo contemporâneo exista, mas não evolua. A preocupação do autor é que a tomada de consciência e as críticas feitas consigam avançar em soluções aos grupos não hegemônicos. Ele aborda que "o que substitui a invisibilidade é um tipo de visibilidade segregada, que é cuidadosamente regulada" (HALL, 2003).
Hall também demonstra atenção aos contrários às mudanças sociais, centrados, reunidos em políticas conservadoras. Nessa geração de conflito, há o ataque direto de quem deseja a manutenção da hegemonia, do nacionalismo como pilar, por exemplo.
Em relação à segregação de uma cultura de elite e uma popular, Hall cita Peter Stallybrass e Allon White sobre o mapeamento do alto e o baixo em formas psíquicas, no corpo humano, no espaço e na ordem social. O autor jamaicano problematiza a questão da cultura negra popular como "um espaço contraditório". Isto porque defende que ela não pode ser reduzida a uma oposição do baixo versus o alto, do informal versus o formal, de ser a oposição versus a homogeneização. As definições binárias não bastariam, pois existe uma grande complexidade sobre seu leque de manifestações. Hall crê essencial a contextualização histórica e cultural.
"O momento essencializante é vulnerável porque naturaliza e desistoriciza a diferença, confunde o que é histórico e cultural com o que é natural, biológico e genético. No momento em que o siginificado 'negro' é arrancado de seu encaixe histórico, cultural e político, e é alojado em uma categoria racil biologicamente constituída, nós valorizamos, pela inversão, a própria base do racismo que estamos tentando desconstruir". (HALL, 2003)
Hall também considera fundamental mapear as diferenças dentro da cultura negra. Somente assim caminha-se para um nível satisfatório de análise. Não satisfaz apenas diferenciar o negro de outras formas de cultura, mas é necessário estabelecer as diferenças entre gênero, sexualidade e classe, por exemplo.
Justamente com esse ponto em debate, Hall encerra Que “negro” é esse na cultura negra? Reduzir a questão da identidade negra pe desvalorizar diversos fatores que atravessam diretamente o processo cultural, histórico e social onde estão os indivíduos.
As mulheres negras podem combater o racismo ao mesmo tempo que são diferentes suas posições na sociedade em relação aos homens negros. Entre os homens negros, difere-se o tratamento social em relação aos hetero e aos homossexuais. Há, sem dúvida alguma, a distinção de classes entre indivíduos, como na questão financeira.
Um caso interessante a ser explicitado é o do rapper Gustavo Black Alien. Na infância, o fluminense morou em Niterói, em contato com uma população de maior poder aquisitivo. Era visto como diferente, pois era um negro em um cenário de predominância de brancos, mais ainda do que a divisão étnica da atualidade.
Ao mesmo tempo, Black Alien visitava a parte mais pobre da família, na cidade de seu nascimento, São Gonçalo. Desta maneira, mesmo entre negros, o preconceito existia, pois não era da mesma classe econômica dos demais. Sempre estudou em boas escolas e aprendeu inglês antes dos 12 anos, situação distante para grande maioria dos negros e pobres do Rio de Janeiro durante os anos 1980.
Outro exemplo é o funk e sua problematização enquanto movimento cultural. A origem do funk remete aos Estados Unidos, quando o termo era utilizado por negros estadunidenses, para designar odores corporais durante as relações sexuais.
"Foi por volta de 1968 que a gíria “funky” perdeu seu significado pejorativo e passou a remeter seu sentido a algo como orgulho negro. Assim, conforme apresenta Hermano Vianna, tudo pode ser funky: uma roupa, um bairro da cidade, o jeito de andar e uma forma de tocar música que ficou conhecida como funk" (VIANA, 1988, p. 20).
O movimento funk, quanto à sua chegada ao Brasil e, principalmente, por sua disseminação até os dias atuais, perde característica inicial de movimento exclusivamente negro, embora continue construído em sua maioria como um movimento periférico, marginal na sociedade. Mas nem a este ponto deseja-se chegar na exemplificação. Uma das questões remetentes ao funk é o debate entre o machismo que muitas vezes é presenciado nas letras.
Mais um ponto complexo dentre os já observados no texto de Hall e que pode-se trazer à tona. Neste presente trabalho, como apenas um parênteses aberto como exemplificação, fica a citação do teórico Bertold Brecht: "Primeiro vem o estômago, depois a moral". Na interpretação de que o funk, de elementos das comunidades carentes e da sociedade em geral, onde está inserido, traz letras com o machismo presente, mas, ao mesmo tempo, onde caberia uma moral de julgar compositores que apresentam trajetórias de violência, baixa escolaridade e falta de instrução, quando buscam sustento das poucas formas que os são possíveis? Fica o questionamento.
De modo conclusivo à presente análise, observa-se a complexidade do tema inserido em Que "negro" é esse na cultura popular negra?, quando o próprio Stuart Hall questiona o tratamento às minorias feito pela sociedade, pela comunicação e autores que abordam tão polêmicos assuntos.
Passadas duas décadas desde o texto de Hall, de 1996, os cuidados nas abordagens permanecem e se ramificam conforme o avanço nos estudos de comunicação, antropologia, sociologia, psicologia e outras áreas. Uma possibilidade de cruzar teorias com as propostas de Stuart são os trabalhos voltados à temática de gênero, em conceito e descontrução, da estadunidense Judith Butler.
Visto que a temática da identidade negra passa por atravessamentos de gênero, classe e outros aspectos, o que fica notável é a impossibilidade de uma unificação dos indivíduos de etnia negra em uma concepção, em uma conceituação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
HALL, Stuart. Que “negro” é esse na cultura negra? In: HALL, Stuart. Da Diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003.
RODRIGUES, Carla. Butler e a desconstrução do gênero (resenha). In: Revista Estudos Feministas, Florianópolis, 13(1): 179-199, janeiro-abril/2005.
ROLIM, Gabriel. Black Alien - Irradiando Luz na Escuridão há uma Década. MonkeyBuzz, 2014. Disponível em: http://monkeybuzz.com.br/artigos/12455/black-alien---irradiando-luz-na-escuridao-ha-uma-decada/. Acesso em 13 de julho de 2016, às 22h17.
VIANA, Lucina. O Funk no Brasil: Música desintermediada na Cibercultura. Revista Sonora. Unicamp. Vol. 3, 2010.
VIANNA, Hermano (1988). O mundo Funk Carioca. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.
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