Assisti em sequência a dois filmes que permitem estabelecer essa relação para contá-los. Querido Menino (2018) é baseado em um livro de um jornalista e escritor, David Sheff, que conviveu com seu filho viciado em diferentes drogas, em especial metanfetamina. Durante o processo de tratamento, o escritor chega a pesquisar sobre as drogas para melhor entender sintomas, efeitos e tratamento.
Em Querido Menino, está exposto o problema agravante dos Estados Unidos com as drogas que circulam no país. Heroína, cocaína, balas. A mensagem final do filme é sobre essas drogas serem a principal causa de morte no país em pessoas com menos de 50 anos (maioria da população?). Números alarmantes. Histórias individualmente castigadoras a quem convive com. O pai fica arrasado. Uma cena que marcou bastante foi quando este mesmo pai, com mais dois filhos pequenos de seu segundo casamento, observa uma das crianças cantar no Coral da escola. O olhar profundamente amargurado parece se perguntar sobre os riscos da história se repetir. Ele criou estruturalmente sua família e seu primogênito acabou imerso nas drogas. Como garantir que os seguintes escapem dessas realidades?
Escapar da realidade, aliás, parece uma temática do filme. O que levaria o adolescente de classe média a buscar essas saídas para sentir novos prazeres, outras sensações? No filme não é mostrada muitas relações amistosas do jovem Nick. Nem a relação com traficantes, que apenas aparecem cena ou outra. Sabemos que o contexto do enfrentamento às drogas envolve muito as autoridades, corrupções, polícia, aeroportos, fronteiras terrestres, vistas grossas, políticas de combate. O foco do filme, entretanto, é o enfrentamento familiar, as tentativas de recuperação de Nick e os esforços do pai em adequar os tratamentos necessários, internações e o que mais for possível.
Estrutura que está presente na família de Nick e mesmo assim o combate é aguerrido, complicado. Vale salientar que as condições de internação e de rede de apoio não estão presentes para muitos norte-americanos que acabam nas ruas, largados em banheiros públicos e praças sem com que as prefeituras e instituições os recolham e cuidem. Contextos relativos.
Relativamente diferente é a realidade em Noites Alienígenas (2022), filme brasileiro do diretor e roteirista Sérgio de Carvalho. A Rio Branco do Acre é mostrada a muitos brasileiros pela primeira vez, ainda mais neste contexto. A ideia do filme é demonstrar como as facções migram do centro do país, entre Rio de Janeiro e São Paulo, para outros cantos brasileiros. Rio Branco não é uma cidade pequena, oferece mercado às vendas de drogas. Assim, muitos jovens, nessa distante realidade, adentram ao mundo de vendas, cobranças, dívidas e riscos. O viciado não tem como pagar. Os vendedores os eliminam. As facções rivais, na concorrência das vendas, se enfrentam. Estudos, planos de vestibular e emprego ficam em segundo ou terceiro plano.
Se em Querido Menino, o foco é na vida de Nick e nos esforços de seu pai, em Noites Alienígenas estão famílias mais desestruturadas e sem opções. Ou entra para esse mundo ou passa fome. Que outro emprego arrumar? Rivelino tem a mesma idade de Nick, talvez menos, está em idade de conclusão de escola, tem 17 anos, suposta namorada que já tem filho de um dos viciados. Rivelino trabalha com Alê, homem de meia idade que por vezes assume uma identidade como pai de Riva, mas entre afetos e desafetos. A mãe de Rivelino, chamada de Loira, ao que parece, não tem emprego e dependia do então pai de Rivelino. Drama familiar. O garoto vira o homem da casa, luta pelo sustento.
Enquanto isso, um viciado que convivia com Riva está em dívida com os traficantes, à beira da morte. Pronto para ser apagado. O filme, segundo alguns críticos, perde pé e cabeça ao longo do desenvolvimento, mas cumpre a mensagem de transmitir essa realidade. Para o sul do Brasil não é diferente. Gangues de fora tomam conta, lutam para expandir seus mercados e envolvem novas cidades em batalhas sangrentas do tráfico de drogas. Cansado de ver os números de mortes e chacinas saltarem, Sérgio de Carvalho prontificou esse importante filme. Há presença das religiões evangélicas que tomam a floresta e várias partes do país, os rituais indígenas, a realidade das ruas na frieza do asfalto que desemboca nas periferias.
Dois filmes que demonstram os problemas com drogas sob diferentes contextos. Na vida dos Estados Unidos e o desarranjo de uma família classe média, da vida de um jovem promissor que poderia escolher uma das seis faculdades para qual havia prestado teste e passado. Do outro lado, o rincão afastado do periférico Brasil do Acre. Um menino sem perspectivas de colocar comida na mesa se não depender das facções e da venda de drogas. O tudo ou nada. A ausência de escolha.
Quem realmente pode escolher, quem pode fazer diferente? O que fazem os governos para evitar a perdição dessas vidas tão jovens, sejam impulsionadas por companhias, música e fantasias de composição ou pela crua realidade da falta de opções empregatícias?