28/10/2017

Esperanças de Pagamento

Era um novo teste econômico. Uma ideia que precisavam maturar. Se desse certo no país, poderiam expandir para todo o mundo. A ideia era não mais trabalhar com o dinheiro vivo, as cédulas, as moedas. Não. Isso era coisa do passado. Também o saldo bancário, virar vírgulas e zeros para indicar o que temos a oferecer em troca de mercadorias ou prestação de serviços, já estava ultrapassado. Esse modelo resultou em vários dos problemas do mundo enfrentados na atualidade. O novo sistema monetário estava em vigor.

O garçom ainda não estava bem atualizado no primeiro dia de validação.

- Vai pagar a débito ou crédito?

- Em acreditos.

A esperança era a nova forma de pagamento. Cada vez que o ser consumia alguma mercadoria ou ganhava na prestação de serviços, devia depositar algo da sua esperança. Obviamente, até o dia cinco de cada mês, a empresa deveria depositar novas esperanças. O salário do indivíduo.

Nas ruas, tornara-se comum os pais dizerem aos filhos para negar uma compra supérflua.

- Isso vai me custar muitas esperanças.

A bem da verdade, havia muito em comum entre os consumos e a forma de pagamento. Havia sempre a esperança pelo corte de cabelo no barbeiro ficar boa. Havia a esperança de uma boa refeição. Havia a esperança de ficar bem com aquela roupa ou aquele sapato. Havia a esperança de realizar um café da manhã como ocorriam nas propagandas de margarina. Havia a esperança na contratação de um novo jogador ao time. Havia a esperança de conforto, imponência e boas viagens através de um novo carro.

Tudo continuava fluindo. Para os economistas, especialistas em traduzir a situação como os convém e como convém a seus donos, para eles estava ótimo. O país caminhava às mil maravilhas. A situação econômica era favorável em relação à antiga forma de pagamento. Era mais difícil clonar as esperanças. Caiu o número de cheques sem fundo. O número de devedores diminuía, segundo eles.

Mas não tardou para vir a primeira crise financeira. O país apertou os cintos. Cortou verbas de setores que justamente avançavam na produção de esperanças: a saúde e a educação. Sem saúde, como poderia haver esperança? Sem educação, qual a perspectiva de esperança para o futuro? O governo agiu mal nos cortes. Mesmo assim, os economistas seguiam a justificar esse modus operandi.

Não demorou para alguns ficarem definitivamente sem esperanças. Não tinham como pagar aluguel. Não tinham como pagar ensino aos filhos e o ensino público estava quebrado de esperanças. Muitas greves, professores, igualmente sem esperanças, saíam às ruas para protestar.

É claro que alguns, no topo da pirâmide formada por poucos, tinham contas e contas de esperança. Entre eles, não seria de se espantar que houvesse esperançosas contas abertas na Suíça, por exemplo.

Não havia esperança nas ruas. Mas nas ruas se acumulavam aqueles que estavam sem esperanças. Era onde podiam dormir. Alguns, sem a forma de pagamento que era obrigatória e sem o sentido figurado, o antigo significado das esperanças, nada mais viam como solução. Sem esperança, antecipavam suas mortes.

Finalmente o povo entendeu o lado dos professores e resolveu se unir para combater o caos no país. Foram protestar conjuntamente. O cartaz mais trazia a seguinte mensagem: - o governo roubou nossa esperança.

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