19/10/2017

A day in a life

A day in a life, canção dos Beatles, música que atravessa, transcende décadas com as características imutáveis (de não mudarem e não permitirem o volume no mudo) do que se considera um clássico, seria trilha sonora emprestada ao nosso programa de rádio desta quinta-feira. Eu observei no roteiro que aparecia visualmente a todos que estavam escalados para disponibilizar informações e opiniões aos apenas ouvintes. Não houve tempo, porque o debate foi estendido pelo Campeonato Brasileiro da Série A, após o empate entre o líder Corinthians e o vice-líder Grêmio. Apenas Billie Jean, do Michael Jackson, ecoou pelas ondas do FM na primeira pausa do programa. A segunda pausa, portanto, foi definitiva para o encerramento da tarde de programação esportiva.

Caminhei algumas quadras no maior movimento transeunte de pedestres pelo centro na agradável companhia do comentarista Gustavo, mesmo nome de meu grande amigo dos últimos tempos. Ele seguiu rua abaixo em direção à sua parada de ônibus para o Fragata enquanto eu tinha longa caminhada de volta ao bairro Areal.

Vario um pouco meus trajetos, mas tenho minhas preferências em ruas. Shape of you, do cantor Ed Sheeran, parece a música mais tocada no oferecimento da indústria cultural em meus fones. Sintonizado pelas rádios que tocam as populares de cada época, essa canção tem sido uma constante. Absorvo algumas frases no que meu entendimento permite. Acredito que tenha bastantes traços de amor, assunto imortal, embora mutável (de mudar e de permitir o som mudo ao que não queremos ouvir).

Tenho 22 anos e praticamente no hablo inglés. Passo por um bar autodenominado como um bolicho, onde há sempre trabalhadores em seus fins de expediente, gente que deve estar a folhar classificados à procura de empregos nesses difíceis tempos. 36, se não me engano, é o número de novas demissões para o porto da cidade, um dos projetos que movimentava a economia local e novamente traz decepção aos antes empregados e estáveis trabalhadores. Não é um baque tão imenso quanto o ocorrido na cidade vizinha, Rio Grande, há alguns anos, mas mesmo assim desemprega pais de família, pessoas com poucas habilitações a novos cargos e batalhadoras desses cotidianos severos e insensíveis.

Passo pelo bolicho. Cervejas conhecidíssimas pelo populismo e preço barato. Ou populares exatamente pelo preço barato. Uma criança sai correndo de dentro do estabelecimento. Filha de um deles, provavelmente. Sigo pela mesma rua, quadra adiante. Estacionamento disputado, vagas acirradas e limitadas para uma padaria bem quista. Segurança de esquina em olhar atento. Tentar parecer gentil com esses profissionais não é promessa de reciprocidade. Trabalham para não sorrirem. É o contrário de animadores de plateia, humoristas, atores de comédia. Nenhum sorriso. Ao menos que o sujeito vá e volte àquela padaria umas 82 vezes. Em número menor aos mais simpáticos. Em número maior para mim e alguns outros.

Adiante, há um restaurante que parece bastante acolhedor. Há sempre pessoas jovens e bonitas. Se há alguém entre o espaço da calçada e após a parede de vidro, é gente jovem e bonita. Nunca estive lá. Me imagino não indo. Me imagino não levando colegiais. Imagino as colegiais falando de garotos. Com seus trabalhos escolares pouco interessantes, dentro das mochilas escolares e aguardando para serem feitos. A idade média dos frequentadores do restaurante que nunca parei para ler o nome não deve ultrapassar os 20 anos. Como varia os horários que eu ali passo, existe a variação de gente almoçando tarde, tomando café vespertino ou degustando aperitivos antes da hora dedicada à janta. Em comum, independente do horário, o sentimento de que não me imagino ali.

Em outra crônica, contei sobre a academia que fechou e virou uma esmaltaria. Transformações do espaço urbano. Livrarias fechadas. Estacionamentos que tomam conta do que eram prédios tombados. Quanto menor o movimento nas ruas que direcionam ao meu bairro e a meu ponto final (em chegar em casa e desta crônica), todo mundo, de longe, é um potencial bandido. Quase me desculpo com alguns que eu possa ter encarado e mantido a dúvida por mais tempo. Será que desconfiam que eu desconfio? Há muita desconfiança. Transformações do espaço hormonal. Já passou, este não é um meliante. Mas e aquele próximo?

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