Sigo rendido ao cinema de Portugal. Um pouco surpreso, um pouco não, porque um país com tantos conflitos, contradições históricas e sanguíneas, formado e influenciado por diferentes povos deve ter o que contar. O diretor Luis Filipe Rocha provavelmente investe no autobiográfico para contar a história do pequeno Filipe, que sente o pai ausente e, somente aos 13 anos, corre atrás do tempo perdido com seu progenitor. Na verdade, o pai sente que tem um filho e por isso tira férias do escritório de advocacia e ministra um tempo com Filipe em uma viagem especial para o arquipélago dos Açores, região com entre 200 e 300 mil habitantes, conhecida por simplicidade, destino para vacaciones e belas paisagens. Arquipélago que resultou em muitas navegações e colonizações passadas.
Tema presente para Portugal, a relação com as colônias africanas também é abordada. É um motorista que de lá veio. Há também um cadeirante que na guerra foi salvo por um africano, após ter matado muitos nativos. O africano que salvou o cadeirante, conduzindo-o por dois dias em seus esforçados ombros até o acampamento mais próximo, pediu para que o deficiente nem lhe agradecesse. Pois o ferimento e a lástima pelo que havia feito no território o acompanhariam para sempre. E assim ele segue a contar essa passagem para todos que o conhecem. Sujeito que dessa forma ganhou o apelido de Rodinhas. "Dito isso, alguém quer pagar uma cerveja ao Rodinhas aqui?"
Filipe apaixona-se por uma violinista um pouco mais velha, chamada Joana. O irmão de Joana logo percebe, tendo 14 anos e nenhum pudor, o irmão da rapariga passa a ensinar conselhos amorosos ao garoto, enchendo-lhe de ideias novas, desde masturbação a tentar entender a cabeça das mulheres. Assim desenvolvido no assunto que lhe faltava com o pai, Filipe passa a conversar com o velho sobre esses temas, causando embaraço, constrangimento, mas também divina aproximação. Ele entende o conflito de sua geração. O pai trabalhava no escritório do sogro e se encantou pela que seria a mãe de Filipe. O menino já entendia como funcionava o processo. Com a filha grávida do mero estagiário, o avô de Filipe não queria ganhar o neto. A moça contrariou a decisão e resolveu ter o bebê: assim nasceu o protagonista Filipe, filho de um estagiário em advocacia e da filha do responsável pelo escritório.
Em diálogos duros e frios, o pai explica a Filipe que na época preferia não tê-lo, que sentia que filhos prendem as decisões da vida. Tudo é abordado de uma forma de tamanha crueza. O menino, porém, reage bem e o aprendizado faz parte de seu desenvolvimento, cativando também muita empatia por parte do público.
O filme com foco no amadurecimento traz Filipe diante de seu primeiro amor, vindo à primeira vista. O aprendizado que ele tem com um adolescente mais velho do que ele, o safado irmão de Joana. A comparação com outras histórias: a proprietária da casa que alugaram havia perdido o pai, marinheiro, quando ela tinha apenas três anos - de nada lembrava, embora guardasse quadro, pintura e boas impressões do misterioso homem o qual a gerou. Já o pai da adolescente Joana tinha se apaixonado por outra mulher nos Estados Unidos e deixou os filhos. Filipe passa a perceber que sua história não era perfeita, mas a das pessoas à sua volta muito menos, tampouco. Por que não dar nova chance a quem ainda estava com ele? Como escolher entre a família próxima, com sua mãe e sua avó com que ele morava ainda em Lisboa, e o repentino e fortificado amor sentido em relação a Joana? As escolhas e renúncias são tema crucial no filme de Luis Filipe Rocha.
Um Portugal que também amadurecia, agora em corner da Europa, sem impérios além-mar, reflexivo sobre os Açores, cercado de água, limitado por terra pela Espanha. Um Portugal com seus escritórios onde percorrem dinheiro dos ouros que de Brasis levaram, mas com novos filhos para criar, meio a novos africanos, velhas paisagens, velhas histórias, novas impressões. Outra vez rendido ao cinema português.
Nota final: ⭐⭐⭐⭐⭐
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