[CONTINUAÇÃO do texto anterior]
Na sequência deste quase apocalíptico sonho, descubro nossos dormitórios e me chama atenção que, na porta cinza dos quartos, há nomes para identificação. O nosso curiosamente chama-se Inês.
Pois bem, lembro de conversar com crianças e, em seguida, sumir, apagar. Algumas imagens como se gravadas de câmeras escondidas mostram situações internas, como um maluco gritando VAI CORINTHIANS, outros brigando e problemas como um exército nada organizado, em que terminar a noite vivo parece um grande feito e ter uma noite de sono para estudar no dia seguinte parece impossível. Realidades de um Brasil.
Na falta de uma noção de tempo, penso que a próxima passagem é no dia seguinte, quando consigo deixar o alojamento todo, o internato e passear pelas ruas do Rio de Janeiro, bem distintas de minhas lembranças, mas com elementos que me identificam a pensar que se trata de lá.
Consigo ir até a praia, em uma avenida que mais lembra praias catarinenses ou a que conheci somente por imagens da Barra da Tijuca, na qual nos estendemos por um corredor de asfalto, com carros estacionados ao lado, muita areia clara e, do outro, já a confusão do urbano. Chegamos a planejar melhores visitas a pontos turísticos do Rio, porque, ao mesmo tempo, sou morador do internato, mas um turista em liberdade (condicional?) pela cidade.
Neste trajeto pela avenida, lembro da única passagem de meu pai, único familiar meu pelo sonho. Ele dirige o carro e, sem esboçar reação para desviar, atropela uma criança ciclista. Incrédulo com o acontecimento acidental causado por ele sobre a vermelha ciclofaixa, em seguida, deixo o carro e não o vejo mais. Adiante, há um quiosque no que parecia mesmo o fim dessa avenida beira-mar.
É um quiosque organizado, com ares rudimentares, mas que esboça luxo. É um dos momentos que enxergo garotas/mulheres no sonho, oportunidade oposta ao inferno do alojamento antes descrito. Ao meu lado, surge um rapaz que pareço considerar amigo e da mesma convivência. Creio que seguimos juntos por uma avenida larga que nos levará de volta ao internato para o cair da noite. Assim aqui recordo o fato de o internato ser afastado dos centros do Rio de Janeiro e talvez pertencente a uma cidade próxima, dentro do estado, cercada por áreas mais rurais, como realmente uma penitenciária.
Ao perceber, com a chegada da noite, o passar de mais um dia, necessito me alimentar e a janta está controlada pelo grupo ditatorial da porra toda. Incrível que os guardas que cercam o local parecem estar completamente subornados, não ligam para a situação dos demais, sujeitos a passar fome ou ser mortos, massacrados pela milícia com o poder.
Consigo me alimentar de uma pequena porção de algo salgado e, na sequência, um amigo meu, uma criança gordinha chama a atenção de que há sobremesa livre. Como um irônico restaurante. Mas a sobremesa é apenas gelatina, presente sobre um bazar, onde uma senhora serve os que se aproximam. São minúsculas porções junto a ela, mas, adiante, há mais gelatina de várias cores espalhada e consigo acessar uma das travessas e me servir de uma tigela maior do que minha mão. Já que quase não jantei, encho a tigela de gelatina de limão na esperança de naquela noite não passar fome.
Vale ressaltar que a higiene do local é duvidável, o caráter dos e das funcionários(as) é duvidável e não confio muito na qualidade da comida. Talvez, também por isso, chega uma hora que repudio a gelatina, que, também ressalto, me servi em imensa quantidade jamais conferida (em gelatina de limão). Ofereço aos jovens amigos próximos.
Logo depois, é como um chamado terrível, uma conferência. O desenho de Pokémon da noite anterior volta a ser pauta. Há sirenes, há tumulto e correria e preciso voltar ao meu dormitório, no quarto sinalizado com o nome de Inês. Recordo da maldita caneta preta em meu bolso, igual a que me livrei naquele dia, que eles até encontraram, mas pela minha sinceridade e diálogo com o líder maluco, não desconfiaram diretamente de mim. Ou desconfiaram e apenas me prorrogaram as chances e este desmiolado sonho.
Contorno pelos fundos do dormitório, busco um local onde ninguém me veja, mas parece que há sempre algum mal intencionado passando, correndo, fugindo, me seguindo ou algum guarda à espreita. Parece que já não querem ajudar a gente, mas, se virem algo para avisar a milícia com o poder, não hesitarão em nos denunciar. Com isso, um guarda me pergunta o que faço ali sozinho e se não estou ouvindo o chamado urgente. Não tenho reação que não seja aceitar suas ordens e voltar em frente à casinha onde uma das portas cinzas dos quartos tem a inscrição Inês.
Sinto que, com a nova conferência, com a nova revista, estarei encrencado de vez, serei fuzilado e, pensando agora, parece um dos reais efeitos de uma ditadura, onde tenho ninguém a recorrer. Somente assimilando se tratar de um sonho e aproveitando a peculiaridade da vivência toda nele, me esforço para ali não ser morto, controlar a situação e sobreviver mais um dia. Eles não me descobriram. E Gustavo, onde será que está? Não apareceu mais.
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