07/01/2025

Shame (1968)

O filme Shame (1968) é mais um em preto e branco de Ingmar Bergman, o renomado sueco vencedor de Oscar. Nesse drama de guerra, a Suécia atravessa a considerada Segunda Mundial, com o protagonismo de um casal de camponeses e também músicos.

O início do filme trata da vida privada de ambos, sua rotina começando cedo, entrega de amoras nas redondezas, hábitos íntimos e alguns problemas próprios dos casamentos. Em determinado momento, o assunto é não terem filhos, o que poderia resolver conflitos internos, sanar situações, e a esposa, interpretada pela reconhecida Liv Uhlman afirma seu desejo de ter filho antes dos 30 e que tivessem três até os 40 anos, compondo a família que ela sonha. O marido é um sujeito atrapalhado, por vezes medroso e com problemas físicos. Em uma cena íntima do casal ele apresenta cãibras e desfere o momento.

Em momentos de tensão, o marido, chamado Jan, também deixa a esposa a desejar. Não se prontifica no socorro de um paraquedista preso em árvores, na primeira aparição mais séria da grande guerra. Havia a cautela por não saberem se o homem em apuros se tratava de um aliado sueco ou inimigo. É a mulher que parte rumo às árvores para averiguar a ocorrência. Quando precisam fugir, ele demonstra fragilidade para lidar com a situação de consertos e até para eliminar uma de suas galinhas, seja com a quebra do pescoço ou mesmo com um tiro de arma de fogo - lembrando que, ainda hoje, é comum aos camponeses a presença de armas.

Apesar das divergências e decepções, o caso permanecia unido. Quando são interceptados na fuga de casa pelas tropas inimigas da Suécia, os soldados os interpelam para que prestem entrevista sobre os salvamentos. A grande surpresa é que as palavras da esposa interpretada por Liv Uhlman são totalmente editadas, em uma prévia do que seria a disseminação de fake news e das edições criminosas de vídeos e áudios, assunto recorrente para a década de 2020. O casal nunca demonstrou lado político convicto, eram apenas músicos e camponeses, mas a guerra de versões os atingiria em cheio. Poupados pelos contrários à Suécia, o próprio país não os pouparia em seguida, capturados por soldados, por administrativos confusos e furiosamente ceguetas e pela tortura que ronda e fareja inimigos mesmo onde não existam. A entrevista editada está tomada em posse dos suecos. Por que o casal interferia dessa maneira? Que interesse tinham? Por que, segundo a entrevista falsificada, a esposa revelava um ardente desejo de salvação pelas tropas adversárias?

Nisso tudo, à metade do filme de Bergman, nem um padre era poupado e assim fazia companhia ao casal de heróis na trama. O humor sarcástico na obra de Bergman também está presente em cenas como a de um prisioneiro morto em que o médico o observa e pergunta se este está dormindo. O toca, o sente frio e pede rapidamente que o descarreguem pois não pode ficar apodrecendo logo ali no meio da sala. Também em cena seguinte em que o governo se vangloria de sua piedade, trocando uma sentença de morte por apenas uma prisão perpétua com trabalhos forçados. "Mais clemência do que merecem."



"A arte está entre a liberdade e a covardia."

O filme assume uma postura sensível com o nome de Vergonha, uma posição que supõe ser ocupada por muitos dos fomentadores da guerra, dos torturadores, dos captores. Posição essa nem sempre ou até poucas vezes observada em manifestações públicas de ditadores, generais e coronéis das mais diversas ditaduras. Será que possuem consciência? Será que ela pesa? Será realmente um sentimento de vergonha (shame) quando passados os fatos?

Eis os dramas filosóficos, matrimoniais, familiares, rurais, de época retratados por Bergman, acobertados, contextualizados, referidos, involucrados pelo envolvimento da grande guerra que varria a Europa na década de 1940. Em cada ato, o subjetivo do desejo, do desprezo, da dúvida, do arrependimento, da nostalgia, da traição, da solidão, do distinto sentimento seja ele qual se apresente: talvez a vergonha.

Os valores, a corrupção, a rudeza e a aspereza que a guerra obrigatoriamente insere, implica. A quem compete julgar? Você revisitou seus valores recentemente?

Entre o começo e o fim do filme, entre o começo e o fim de uma guerra (quando acaba de fato uma guerra vivida dentro da gente?), entre o começo e o fim do nosso filme, ainda é possível sonhar?

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